A degradação da imagem de Marcelo

A vida política é uma maratona e entre a popularidade e o respeito, o segundo é muito melhor companhia.

Todos concordamos que foi importante a ruptura do estilo de Marcelo Rebelo Sousa com o de Aníbal Cavaco Silva. Havia um enorme distanciamento dos portugueses com o anterior inquilino de Belém, cansaço com os silêncios e murmúrios de quem encarou o poder presidencial com o pudor da intervenção púbica, refugiando-se em declarações e notas que muitas vezes estavam longe das preocupações do país real. Era gigantesco o fosso entre ele e a comunidade.

Marcelo fez o seu tirocínio nos ecrãs da TVI, elogiava livros e autores que não lia, deixava uma palavrinha para todos que compusessem o “boneco” popular e simpático que soube astutamente construir. Marcelo compreendeu os portugueses, ávidos de uma atenção e de um abraço que nunca receberam da personalidade granítica e apaticamente afastada de Cavaco Silva que nunca se preocupou com as palavras “proximidade” e “ empatia”.

Marcelo semeou afectos, era omnipresente onde havia uma catástrofe ou uma tragédia humana que depois era traduzida em imagens televisivas e fotos nos jornais. Galgou com esses afectos patamares épicos de popularidade, distribuindo beijinhos e “selfies”, nadando no meio de atónitos banhistas em praias fluviais, entre inúmeros episódios que o aproximaram dos portugueses. Porém, a sua preocupação com as sondagens tem levado a diversos erros. Pode ser muito simpático ligar para a estreia da actual líder dos programas das manhãs nos canais generalistas, mas há certos limites que a mais alta figura institucional do País não deve ultrapassar.

Hoje, está à vista de todos que Marcelo não soube encontrar o equilíbrio. Do baixo perfil comunicacional de Cavaco, exíguo na sua presença mediática, passámos para o alto perfil actual. Do 8 passou-se para o 80 quando no meio está a virtude e o 40 é o ideal. E sabemos que tudo o que é demais enjoa. Depois, apesar de afirmar que não interfere na política partidária, vimos um pretendente, Luis Montenegro, a líder do PSD – fogo fátuo que durou uma semana – a entrar pela porta dos fundos de Belém, contudo, a serem-lhe posteriormente permitidas declarações à comunicação social no átrio mais nobre do palácio. Logo, Marcelo trouxe ao de cima a sua faceta de escorpião daquela famosa história do sapo e do escorpião, o seu lado traquinas, que se deliciava a escrever umas partidas no Expresso, intriguista com o vício de se meter onde não pode nem deve ser chamado.

E se Marcelo ainda não percebeu, alguém que lhe explique, e tem boa gente que eu respeito à sua volta, que diariamente a sua popularidade tem caído e ele, que todos sabemos ser um reconhecido hipocondríaco, deve temer uma constipação de antipatia dos portugueses. São ciclos naturais numa sociedade que quer estar permanentemente entretida e que se aborrece facilmente, onde os ciclos das notícias são curtos e no imediato surge uma nova qualquer polémica sem qualquer interesse que mobiliza as opiniões. Marcelo deve assim aprender algo com os motoristas de longo curso com os quais conviveu esta semana. A vida política é uma maratona e entre a popularidade e o respeito, o segundo é muito melhor companhia. Se não o entender, é a sua imagem que se continuará a degradar.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

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