Transportes mais baratos. A pior das boas ideias

A redução do preço dos passes a partir de Abril é um exemplo chocante da irresponsabilidade política e gritante exemplo de populismo.

A utilização do transporte público, em tese, beneficia-nos grandemente ao minimizar externalidades da mobilidade, como o sejam o congestionamento, a intensidade energética requerida, a poluição, os acidentes, entre outros. A sua promoção deve estar sempre no lote de políticas públicas de qualquer governo, mais à esquerda ou mais à direita.

A redução do preço dos passes a partir de Abril é, ainda assim, um exemplo chocante da irresponsabilidade política e gritante exemplo de populismo. Fundada na convicção de que o preço é um factor fundamental para acesso aos transportes públicos, por proposta lisboeta foi prometido a todo o país a unificação de todos os transportes de cada região num passe único (excelente medida) e uma compressão inédita nos tempos mais recentes do seu custo para o utilizador.

Em Novembro, o INE divulgou o seu inquérito à mobilidade nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e concluiu que o preço é apenas o 10º critério para escolha do Transporte Público no Porto (mencionado por apenas 8,2% dos inquiridos) e o 7º critério em Lisboa (mencionado por 14% dos inquiridos). Antes disso vem a rapidez (mais de 55% em ambos os casos), o conforto/comodidade (50% em ambos) ou o facto da rede de transportes públicos providenciar ou não ligação directa entre origem e destino (mais de 30%). Ainda assim, a política pública estrutural que foi anunciada foi para combater um problema citado por uma pequena minoria, menos importante ainda quando já na actualidade quem menos rendimentos tem pode aceder a passes mais baratos – medida que vigora desde o tempo da Troika.

Os três grandes factores apontados pelos potenciais utilizadores dos transportes públicos implicam investimento – muito investimento. Na expansão das redes suburbanas (sobretudo as ferroviárias), na melhoria dos veículos do sistema e na afinação das origens e destinos de todos os transportes que compõem a rede. Investimento, como sabemos, não está na mira desta solução de governo.

O preço beneficiará alguém? Sem dúvida. Quem já dispõe de bons transportes à porta, terá um benefício claro, mas toda a restante população – que é uma crescente maioria, pelo não acompanhamento das redes pesadas à expansão habitacional – estará apenas a pagar impostos para beneficiar as pessoas com serviços razoáveis ou bons. Mas mesmo quem já tem bons transportes perto de si não terá grandes razões para sorrir. É conhecida a saturação – e até o quase colapso – de boa parte das operações de transportes que servem efectivamente para tirar carros dos centros das cidades e, ao não estar prevista qualquer ampliação de oferta, a degradação da comodidade e do nível de serviço pode até acelerar-se – impactando desde logo o 2º factor de escolha dos transportes públicos!

O exemplo mais extremo será a Fertagus, operação ferroviária privada sem subsidiação de preços, onde a diferença do novo passe para as tarifas actuais será brutal. A operação, limitada pela própria concessão (é o Estado que detém os comboios e os aluga, e não compra mais), é das mais saturadas da Europa e reduções de preço que poderão ultrapassar em muitos casos os 70% poderão fazê-la colapsar. Alguém está a pensar nisto? O mesmo se pode prever para as carreiras de autocarro mais utilizadas, para a operação do metropolitano, para os barcos do Tejo ou para linhas como a de Cascais, onde os problemas se acumulam há anos.

De resto, as operações de transportes vão sofrer uma degradação por toda a parte. O governo está a oferecer às transportadoras o pagamento da diferença entre o que as operadoras vão passar a encaixar com os novos passes e com o que encaixaram em 2018, ignorando a maior pressão na oferta (e a redução do número de bilhetes vendidos que se prevê), a necessidade de actualizar salários (pelo menos ao ritmo da inflação!) ou de poder adquirir componentes e veículos que, naturalmente, também vão subindo de preço. Este estrangulamento que será imposto pelo lado da subsidiação levará as companhias a investir menos, a terem uma manutenção menos cuidada e um plantel de trabalhadores menos satisfeitos. O que aí vem de serviço ao público? É demasiado fácil de imaginar. É uma autêntica sovietização – os políticos entram na gestão das empresas determinando-lhes um tecto máximo de proveitos, talvez a pior das condições quando se precisa de expansão de capacidade, de melhoria de qualidade e de inovação.

Num sector de fracas finanças, baixa densidade de redes e desigual ao longo do país, a prioridade de mexer nos preços é eleitoralismo fácil e populismo da pior espécie. Será um garrote para as empresas, uma vantagem inexistente para os que anseiam por melhores transportes e, na prática, apenas produzirá efeitos em alguns eixos de Lisboa e Porto.

A iniquidade da medida é visível ainda na habitação, visto que, tipicamente, as casas mais caras estão onde existem transportes capazes. Ao preferir subsidiar esses utilizadores em vez de apostar em levar bons transportes às muitas urbanizações que cresceram nos últimos 50 anos, esta maioria está a escolher agravar os problemas da habitação enquanto chora lágrimas de crocodilo pelas rendas praticadas no centro de Lisboa ou do Porto.

Enquanto isto, o Governo esfrega as mãos pelos votos em caixa e a inefável Catarina Martins anda pelas ruas a alertar que o BE não prometeu aumentar capacidade, apenas descer o preço dos transportes. Esta ignorância atrevida (que pode ser apenas cinismo, concedo) ilustra bem a classe política nacional. Não se trata de ideologia – o governo liberal luxemburguês acaba de decretar a gratuitidade dos transportes, mas apenas o faz depois do país atacar as restantes variáveis de atractividade do transporte público.

Não temos populismo em Portugal? Temos até muito, não anda é de transportes públicos.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

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