O desrespeito dos políticos por nós

Um estudo publicado agora mostra-nos como, nas câmaras mais transparentes, os eleitores castigam os políticos oportunistas. Talvez por isso, os políticos continuam a esconder-nos o que podem.

O estudo dá-nos o bom e o que preferíamos não saber. Começo pelo melhor: nas câmaras que são mais transparentes, os eleitores castigam aumentos de despesas e não recompensam aumentos de salários. E agora a consequência: sabendo disto, o que vão fazer os autarcas? Aumentar a transparência?

O artigo científico foi publicado esta semana e chama-se Transparency, Policy Outcomes, and Incumbent Support. Na prática, mostra que quanto maior for a transparência dos políticos (autarcas, neste caso), maior a probabilidade de quem vota se focar no longo prazo e nos benefícios de curto prazo que os políticos lhes queiram dar, em tempo de eleições. Um exemplo, contado por um deles: recompensam melhorias na qualidade da educação, que só a longo prazo trarão benefícios.

Vem isto a propósito dos muitos sinais desta semana de que os políticos continuam, ao contrário, muito mais focados nos benefícios tangíveis do que nos de longo prazo. Ou, se quiser, que continuam muito mais empenhados em esconder-nos informação do que em dá-la a conhecer. É política – mas não devia ser assim.

Vamos aos casos?

1.
Depois de três anos a discutir a falta de transparência na política, os deputados decidiram agora apertar a lei que se aplica a eles próprios. Propondo-se a aplicar penas de prisão – até três anos – para quem não entregue declarações de rendimento; a alargar as declarações obrigatórias a magistrados, membros de governo nacionais e regionais, dirigentes partidários e chefes de gabinete (mais umas milhares, portanto); e entregar ao fisco o poder para reter 80% dos rendimentos, caso haja alteração de 30 mil euros nos rendimentos dos políticos sem que a declaração tenha sido atualizada.

Dito assim, parece que puseram a mão na consciência. Mas só mesmo no papel. Porque o problema, verdadeiramente, é que quem fiscaliza já não tem meios hoje para o fazer. Hoje só há três magistrados para verificar as declarações de rendimentos de 18 mil políticos. Serão, assim, três magistrados para – talvez – uns 30 mil, mas com a cereja de criarem um departamento próprio para isto (com o mesmo número de pessoas).

Em 2018, por exemplo, só foram fiscalizados 604 dos 18 mil políticos que estão sujeitos à declaração obrigatória de rendimentos. São 3,3% dos políticos no ativo. E a falta de respeito é tão grande que o Ministério Público nem divulga os nomes dos que estavam em falta: 136 políticos, cinco dos quais impedidos de exercer cargos públicos. Só sabemos que dois eram vereadores e três gestores de empresas públicas. Transparência?

2.
Conta-nos o José António Cerejo no Público que, discretamente, Governo, dirigentes da administração central e autarcas estão a aproveitar outra lei, a nova regulamentação para a proteção de dados, para não divulgar na íntegra alguns contratos que assinam – e que devem ser obrigatoriamente disponibilizados online, para consulta dos jornalistas e dos cidadãos (por exemplo, os concorrentes que não foram aceites nos concursos).

Assim, nos sítios da internet onde deviam ser mostrados os contratos públicos, há documentos que estão a ser rasurados, com nomes apagados e moradas, ou com assinaturas ilegíveis. Como me explicou o Cerejo – que é dos jornalistas mais “chatos”, no bom sentido, que já conheci – não há propriamente coerência na “censura” aplicada. Só uma: a notória vontade de esconder informação que possa ser verificada.

Não vou fazer juízos de intenção, só dar-vos os links para que julgue por si: eis um exemplo da Câmara do Porto, com um bloco negro a tapar informação; e outro da Câmara de Lisboa, apagando o nome do contratado e a sua residência profissional de forma mais discreta.

Tudo isto, repito, alegando uma nova lei que é suposto proteger as pessoas – e não proteger o Estado e os seus negócios. Mas porquê, meus senhores?

3.
Nas empresas públicas, veem-se pistas para o mesmo caminho. Por exemplo, conta-nos a Liliana Valente no Público que a Comissão de Inquérito à CGD recebeu 19 mil páginas de documentos, mas com atas rasuradas e informação apagada. Atas, leia-se, das reuniões onde se decidiram os créditos que deram prejuízo ao banco público – e aos contribuintes.

A justificação? Diz a Caixa que é informação não relevante para os deputados. E os deputados respondem que isso lhes cabe a eles avaliar, não a quem está a ser investigado. Fosse um caso único e nem se levantariam dúvidas. Acontece que há dois anos que a Caixa, assim como o Ministério das Finanças, nos fazem caixinha sobre o que lá se passou. Até que a auditoria veio a público e percebemos melhor porquê.

4.
A verdade é que o Parlamento não tem grande moral para reclamar. Esta semana soubemos que os serviços da Assembleia decidiram não permitir aos deputados a impressão dos papéis do inquérito à CGD, incluindo tais as atas do conselho de crédito.

Alega o Parlamento que é para evitar fugas de informação. Mas quando os deputados fizerem perguntas e tirarem conclusões, também ficarão em segredo?

5.
A tudo isto devemos juntar as resistências que o Governo e os seus dirigentes públicos continuam a mostrar em dar informação relevante aos jornalistas.

Lembro-me bem do caso do Ministério da Administração Interna, que se recusou a dar à Liliana Valente, no Público, dados importantes relativos aos trágicos incêndios de 2017; lembro-me dos protocolos assinados pelo Governo português com o Governo chinês, mais importantes de conhecer agora, quando há uma polémica internacional sobre a partilha de tecnologia nas comunicações com uma multinacional de Pequim; lembro-me também de tentar saber investimentos, auditorias e fiscalizações feitas pela Infraestruturas de Portugal, mas de perceber que no site do instituto público não havia informação atualizada, lembro-me de “n” empresas públicas sem dados atualizados, que não permitiam aos jornalistas fiscalizar a sua atividade.

6.
Não parece ter nada a ver, mas tem: quando um primeiro-ministro ignora um parecer da Comissão Nacional de Eleições, fazendo propaganda que pode contrariar uma lei da República, pondo o PS a ameaçar mudar a lei para permitir tudo até à campanha oficial – até que a dita CNE recuasse, dizendo que não havia problema algum -, é sintoma de que os políticos continuam com aquele sentimento de que podem fazer tudo, sem prestar contas a ninguém.

Na verdade, a lei era um disparate pegado. Mas passou a valer zero depois do que se passou.

Prepare-se, portanto: vêm aí oito meses de campanha, em que a única transparência com que podemos contar é a nossa, aos olhos deles.

Notas soltas da semana

Marcelo tem toda a razão. Sobretudo depois de ouvirmos, perplexos, a dita Comissão de Acompanhamento da venda do Novo Banco, a auditoria aos créditos tem mesmo que ser alargada ao pós-resolução. E sim, claro que há dinheiro público envolvido (querem enganar quem, meu Deus?!)

Costa e o PCP. A avaliar pelas sondagens dos últimos dias, o primeiro-ministro não tem razões para preocupação com os eleitores de centro e direita: estes avaliam razoavelmente bem não só o seu Governo, como os seus resultados económicos. Mais difícil é o estado de espírito dos eleitores do PCP: quase metade desiludidos com o rumo que a coisa tomou. Dito de outra forma: na próxima legislatura, é melhor não contar com a foice e o martelo.

A lição dos professores. Parece que o CDS concorda e pode alinhar na solução que os professores mais querem: a contagem do tempo de carreira congelado, que se prolongará pela próxima legislatura. Eis um belo argumento para a maioria de Costa: ele não pode governar sozinho a partir de outubro.

As contas do Conselho de Finanças. Segundo os especialistas, já nomeados por este Governo, a economia vai cair e muito nestes quatro anos que se seguem. Será que, assim, alguém quer casar com a carochinha?

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