A atracção fatal dos políticos pela Cristina

Neste aspecto quase cómico onde se junta o comer e a vontade de comer da ânsia de notoriedade, Cristina Ferreira é a nova Dona Disto Tudo.

Aparecem diariamente vários temas nos media que são poeira inútil, disparate consagrado, ou vazio consubstanciado nos próprios autores desse carrossel. Neste último caso, surgiu o assunto da recandidatura a Belém de Marcelo Rebelo de Sousa, algo do qual o próprio é o principal promotor e interessado. Diz que ainda não tomou uma decisão, mas eu posso informar que se recandidata e acrescento factos: já falou com Manuel Luís Goucha, foi ao primeiro Quadratura do Círculo na TVI, ligou para a Cristina Ferreira, inaugurou a nova sede da Impresa, foi à Gala Vidas do CM e prometeu que ia arranjar tempo para ver a nova novela da CMTV. Fez o pleno das televisões (só não incluiu a RTP porque hoje em dia ninguém lhe liga, diga-se a verdade e com mágoa pois somos nós portugueses que pagamos), quer agradar a gregos e troianos, tal como um dia decidiu deixar de ser do Sporting e dizer que era do Braga para não desagradar aos rivais. É assim Marcelo. Já decidiu, procura a unanimidade e faz o seu próprio folclore. É um estilo que muitos portugueses apreciam.

Marcelo é um bicho televisivo, criou o seu “ethos” e “pathos” na TVI onde brindava todos com simpatia enquanto destilava as suas diabruras que são o sangue verdadeiro que corre nele. Conhece o meio, sabe da importância das redes sociais na actualidade e mergulha em “selfies” sem qualquer pudor, porém, sente que para chegar mais facilmente às salas dos potenciais eleitores o melhor meio continua a ser a televisão. Os políticos têm um dilema: notoriedade ou reputação? Se conseguissem conjugar as duas seria fantástico, o problema é que se há vantagens numa destas variáveis pode-se perder na outra. Por cá, a campeã de programas que dão notoriedade fácil, entrando num consumidor e eleitorado que pode ser fiel trazendo o elemento de proximidade e “lado pessoal” que a classe política tem a pulsão por exibir chama-se “Programa da Cristina”. Ali já esteve Marcelo ao telefone, António Costa a elaborar uma cataplana como quem concebe uma geringonça e Assunção Cristas a cozinhar um económico arroz de atum.

Como já tinha escrito, e repeti na semana passada à revista “Visão”, neste aspecto quase cómico onde se junta o comer e a vontade de comer da ânsia de notoriedade, Cristina Ferreira é a nova Dona Disto Tudo e parece que todos querem ser ungidos com a sua benção. Há umas décadas atrás, era Herman José, no “Parabéns”, o alvo de cobiça de uma classe que precisa de se dar a conhecer, de mostrar a sua face risonha, o seu lado “cool” e a sua família exemplar. É claro que homens que criaram a sua imagem de “Deus ex machina”, como Cavaco Silva ou Rui Rio, se caíssem neste engodo teriam como resultado a perda imediata da sua “persona política” e sujeitar-se-iam ao ridículo geral, logo, a notoriedade não vale tudo e é importante, e provavelmente muito mais decisivo num tempo longo, uma muito maior atenção à reputação cuidada e regada devagarinho, sem pressas, com menos exibição e mais discrição.

O problema consiste em que o poder acarreta volúpia. Ambição, exposição, ganhos rápidos. É nessa corda bamba de notoriedade e reputação que navega uma carreira política sabendo-se que os políticos não podem fechar-se num convento como qualquer monge da Cartuxa que cultiva uma vida de silêncio. Há um namoro normal com os media, pois são eles os holofotes dos afãs pessoais, contudo, nem tudo o que luz é ouro. Numa sociedade completamente mediática recheada de ruído, atolada em informação avulsa e difusa, conteúdos ao segundo e estímulos constantes, cada vez mais é um sinal de sensatez saber qual o “timing” e o local correcto para um político se mostrar e dar a conhecer. E se para uma reputação de ferro é preciso uma alma de maratonista, continua a ser o “sprint” da notoriedade a atracção fatal dos políticos. Por isso, amanhã a produção da Cristina Ferreira vai ter mais uns quantos a querer lá ir.

Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia

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