China S.A, China 5G (Parte II)

A China precisa do mundo, tanto como o mundo precisa da China, mas os líderes chineses sabem que o crescimento do país tem de ser feito de forma amigável.

Se durante décadas a China procurou camuflar a sua dimensão e poderio, Xi Xinping luta por expandi-lo, mas não excluindo o princípio fundamental da ascensão económica recente: Rise Friendly! Crescer amigavelmente, sem assustar nem afugentar parceiros e mercados de que precisa e dos quais depende.

  1. A China precisa do mundo, tanto como o mundo precisa da China. Só em harmonia com as restantes economias – sem guerras comerciais nem imposições que assustem os parceiros – é possível à maior economia do mundo completar a transição para um capitalismo de Estado vencedor. Para isso, precisa imperiosamente de um crescimento económico próximo dos dois dígitos, capaz de diluir as tensões internas entre um plano urbano sofisticado e um vasto horizonte rural. E suprir os mais de 20 milhões de empregos que é necessário criar todos os anos.
  2. Tem sido essa a grande vantagem de Trump: atacar onde a China é mais vulnerável, mesmo se os danos colaterais são elevados para a sua própria indústria e alinham uma crescente pressão interna que vai de Wall Street ao lobby agrícola. A guerra comercial abrandou a economia chinesa e desvalorizou os seus principais ativos, mas gerou igualmente um limbo do lado americano, com uma imensa imprevisibilidade a nível de planos de produção e vendas. Não foi por mera simpatia que a administração americana adiou o último prazo para duplicar as tarifas alfandegárias – previstas inicialmente para dia 1 de março – e procura, de forma cada vez mais insistente, chegar a um acordo que não deverá ser alcançado antes do verão.
  3. A guerra comercial e a vontade americana de refundar a OMC e o próprio sistema capitalista chinês são um desafio à liderança de Pequim. As concessões que terá que fazer ao nível do cumprimento dos direitos da propriedade intelectual, da apropriação de conhecimento tecnológico, da lisura na gestão da moeda e na redução de tarifas e obstáculos ao investimento externo abalam os pilares da sua emergência fulgurante na economia mundial. A aposta na multilateralização é por isso um ponto crucial perante a pressão sentida no seu centro de gravidade estratégica. De tal forma que corteja tão candidamente a Europa, como nesta última visita a Itália.
  4. Sobretudo no espaço sul europeu, a crise financeira adensou o apetite por compras estratégicas e Portugal foi a antecâmara de uma ambiciosa influência que ganhou fôlego a partir de 2008: numa década passaram a dominar a banca, os seguros, a energia ou a saúde privada. Investiram nove mil milhões de euros – mais três mil milhões, se considerarmos os vistos Gold. Viram o ano passado António Costa pedir-lhes uma mudança de perfil, aquando da visita de Xi Jinping, e vão ver Marcelo Rebelo de Sousa renovar-lhes o pedido já no próximo périplo à China: que passem de uma mera compra de empresas para um investimento de raiz que crie emprego e que promova as exportações. Não tem sido essa a estratégia, nem o seu ADN. Tudo o que manufaturável, transportável e tangível tem um reduto de produção: o ‘mainland’ chinês e uma chancela de venda ao exterior. E consequente entrada de divisas.
  5. Neste namoro, Portugal tem ainda trunfos geoestratégicos importantes: a China ambiciona uma posição relevante no Atlântico Norte, palco de excelência na competição estratégica com os Estados Unidos. A Plataforma Continental é um espólio de referência para investigação científica chinesa e posterior dimensão militar. Para além disso, encarna um papel ambicioso: é uma ponte para o Atlântico Sul e para os países de língua oficial portuguesa, com acesso a infindáveis recursos e posicionamento de grande valor na nova Rota da Seda que a China desenha para este século XXI.
  6. A sedução à base aérea das Lages – e aos Açores, pelo seu posicionamento ímpar – já começou e permite a Portugal avivar o desinteresse temporário americano. E relançar o leilão. Até porque há uma nova variável que a Europa tem assumido nesta sua presença global feita de soft-power e muita agilidade: em contraste com o que exige à Rússia em matéria de princípios democráticos e respeito pelos direitos humanos, transige com tudo o que chega do oriente em nome de um cinismo disfarçado de capital e investimento.
  • Jornalista. Subdiretor de Informação da TVI

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