Winter is coming
Precisamos urgentemente de ser um país atrativo para o capital estrangeiro para suavizar a catástrofe do Inverno demográfico que se avizinha.
As histórias multiplicam-se: idosos abandonados em hospitais, centros comerciais que funcionam como lares de dia e, para os mais desafortunados, o abandono em casa até que um dia alguém estranhe a caixa de correio a transbordar de publicidade. Nos casos mais felizes em que a família consegue providenciar os cuidados necessários, o peso que recai nos ombros dos cuidadores é, por vezes, excessivamente alto, acelerando a chegada da altura em que eles próprios precisarão de cuidados.
É comum os idosos começarem a precisar de cuidados mais permanentes a partir do 75-80 anos. Aqueles que hoje precisam desses cuidados tiveram, em média, 3-4 filhos. Isso permite uma divisão de responsabilidades equilibrada. Por outro lado, permite que a economia tenha uma população activa suficientemente elevada para criar a riqueza necessária para sustentar aqueles que não podem trabalhar. Apesar das tragédias humanas que se repetem pelo país, este não é um mau momento para ser idoso a precisar de cuidados.
O pior virá quando a geração dos atuais cuidadores um dia tiver que ser cuidada. Ao contrário dos seus pais, eles já só tiveram 1-2 filhos. Quando for a vez desses filhos prestarem cuidados, muitos partilharão a responsabilidade com apenas mais um irmão ou podem mesmo não ter ninguém com quem a partilhar.
O gráfico abaixo é elucidativo. A vermelho podem ver as pessoas que hoje potencialmente precisam de cuidados. A amarelo a faixa etária dos seus filhos, normalmente responsáveis diretos ou indiretos por esses cuidados. A área a amarelo, dos atuais cuidadores, é relativamente grande comparada com a área a vermelho. Ou seja, há muitos mais potenciais cuidadores do que pessoas a precisar de cuidados. Mas olhemos agora para a área a verde (os filhos dos atuais cuidadores). Essa área é substancialmente inferior à área a amarelo. Quando as pessoas na faixa etária dos que agora são cuidadores precisarem elas mesmas de cuidados, haverá muito menos cuidadores disponíveis do que há hoje.
Fonte: Pordata
Olhando para esta situação, não falta quem aponte políticas de natalidade e imigração como soluções possíveis. Infelizmente, já vamos tarde para que políticas de natalidade tenham algum efeito. Políticas de natalidade tendem a ter resultados graduais. Se forem implementadas hoje, só terão efeitos relevantes na população ativa daqui a 30 anos, assumindo que têm sucesso. A imigração pode ajudar a suavizar o problema, mas é, por diversos fatores, de alcance limitado.
Economicamente, haveria uma solução para isto. Para que um país estivesse preparado para uma situação de declínio demográfico, seria necessário que tivesse taxas de poupança e investimento bastante elevadas. É o que acontece hoje em países prestes a atravessar o mesmo problema que Portugal, como a Alemanha ou a França. Mas Portugal vai exatamente no sentido oposto.
A taxa de poupança das famílias é hoje pouco mais de metade do que era há 10 anos. Tem uma das taxas de poupança mais baixas da Europa, cerca de um terço das taxas alemã, francesa ou holandesa. Os portugueses poupam como se o Inverno demográfico fosse uma perspetiva longínqua. Mas não é: as consequências do Inverno Demográfico vão-se fazer sentir já daqui a 10 anos, continuando a crescer nos 20 anos seguintes.
As consequências podem ser gravíssimas. Se a estagnação económica dos últimos 20 anos parece má, a recessão prolongada que uma situação destas causará será ainda pior. As consequências políticas de uma economia em permanente crise são imprevisíveis e poderão ameaçar o próprio regime democrático. O tecido social pode-se desmoronar perante a pressão de uma geração endividada composta por pessoas que têm a seu cargo, ao mesmo tempo, filhos e pais idosos, sem grande ajuda em ambos os casos. Pior do que isso: a tragédia humana de ter centenas de milhares de idosos sem o fim de vida digno que merecem.
Na ausência de poupança interna, devemos transformar a nossa política económica de forma a sermos capazes de atrair investimento estrangeiro. Portugal ainda é um mau sítio para investir numa altura em que até ser bom é insuficiente: é preciso ser o melhor. Precisamos urgentemente de ser um país atrativo para o capital estrangeiro para suavizar a catástrofe do Inverno demográfico que se avizinha. Precisamos de olhar para países como a Irlanda e a Estónia e fazer ainda melhor. Amanhã já será tarde para começar.
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