Plano de emergência energética. Menos narrativas, mais fazer
Pelo menos que esta greve dos motoristas de matérias perigosas nos sirva de alerta. Agir em vez de construir promessas e narrativas. O combate é aqui.
Esta greve veio mostrar mais uma vez a fragilidade em que assenta a resposta portuguesa a situações de emergência. Tal como na questão dos fogos de 2017 parece tudo muito amador, irreflectido, atabalhoado e feito de papelão. Os governos têm sido fortes na criação de narrativas, planos e projectos, que não aguentam o mais leve sopro, a mais leve contrariedade. A política tem sido feita nos gabinetes, sem envolvimento e incentivos à administração pública e sem ligação ao país real. Criam-se comissões, power-points e legisla-se… lindo.
Em 2008 Portugal ficou refém duma greve dos camionistas. Nesse ano o país parou por falta de combustível, filas e aviões a terem de ir abastecer a Espanha. A situação repete-se 11 anos depois sem que tenhamos aprendido nada ou prevenido estas situações.
Um plano logístico de emergência para casos de ruptura de abastecimentos de combustíveis existe desde finais de 2016, selecionando postos prioritários e em cada um uma reserva mínima a mobilizar pelo Governo para veículos de emergência, ambulâncias e bombeiros, racionando os restantes. Deveria ter sido accionado imediatamente quando se verificou uma adesão à greve suficientemente grande para criar dificuldades de abastecimento, e não 3 dias depois.
Também não ajudou que a ENSE, sucessora da ENMC, tivesse visto as suas competências distribuídas por várias entidades, fazendo com que os operadores de combustíveis, que tinham a ENMC como único interlocutor, tenham agora 4, a ENSE, a DGEG, a ERSE e o LNEG, numa confusão organizativa criada em 2018 pelo anterior secretário de estado Seguro Sanches.
E os oleodutos… a existência dum oleoduto para abastecimento do aeroporto de Lisboa teria evitado muita da ruptura de abastecimento verificada, dado que os serviços mínimos não teriam de se dedicar também ao aeroporto, e o plano logístico de emergência poderia ter sido executado para os postos selecionados em todo o país.
Os oleodutos são a forma mais eficiente, limpa e segura de transportar combustíveis. Funcionam a electricidade, renovável, e retiram camiões cisternas das estradas. Só no abastecimento de jet-fuel ao aeroporto estão envolvidos 180 camiões diários, um perigo para os seus motoristas, os outros condutores e as populações por eles atravessadas.
Se estão mesmo empenhados em promover a descarbonização e a transição energética, podem começar por agir aqui. Em vez de grandes planos 2030, gongóricos e bonitos, façam o Portugal Hoje, 2019. 10 milhões de euros fazem o oleoduto passar o Tejo do aeroporto do Montijo à Portela, abastecendo o aeroporto de jet e eventuais centrais logísticas de armazenagem de gasóleo e gasolina. Porque o Montijo já tem o oleoduto militar, pertencente ao complexo do cais da Trafaria/PolNato concessionado à ENMC a 25 anos por despacho do então Secretário de Estado da Defesa, Marcos Perestrelo, sensível a estas questões ambientais e de abastecimento, e de aproveitamento civil dum complexo militar desocupado, à semelhança do que os restantes países da NATO têm feito.
São 3 milhões de consumidores na Grande Lisboa que são abastecidos por camiões cisternas, um absurdo. Um absurdo esquecido pelos combatentes do Clima. Estamos todos mais preocupados em fechar as centrais a carvão da EDP e depois importamos electricidade produzida a… carvão de Marrocos. Combatemos e conseguimos deter a prospeção e exploração de petróleo em Portugal, para depois importar petróleo e combustíveis. Dois exemplos de como essas lutas não diminuem as emissões de CO2, só as deslocalizam e empobrecem o país. Aqui gostaria eu de ver manifestações de “Oleodutos já!”. Não vejo. E tenho pena, porque isso é que seria consequente. Retirar camiões das estradas, reduzir a pegada e o consumo de combustíveis fósseis. É aqui, no imediato, não é sonhar…
Portugal tem 230 kms de oleoduto. Espanha tem 4000 km na rede da CLH. Criada em cima de 700 km de oleodutos militares, foi-se expandindo nos últimos 20 anos. Em Portugal chegou a mostrar interesse em ligar Vigo ao Porto, de forma a ligar o norte do país à rede espanhola, prevenindo rupturas de abastecimento de combustíveis e permitindo a exportação de produtos da Refinaria de Leça para Espanha. Não encontrou receptividade portuguesa. Nem para Badajoz/Aveiras.
Um eixo que ligue Vigo/Porto/Aveiro/Coimbra/Leiria/Aveiras é essencial. Contudo prioritário mesmo é a ligação Montijo/Portela e Aveiras/Portela. Cumpríamos a transição energética, estaríamos mais prevenidos quando a próximos bloqueios de abastecimento, acidentes, etc. e não levaríamos com afirmações da Agência Internacional de Energia, que as nossas infraestruturas de transporte de combustíveis estão ao nível do terceiro mundo.
Repito, dez milhões para atravessar o Tejo e levar jet fuel ao aeroporto. 4% do orçamento anual do Ministério do Ambiente e da Transição Energética. Contrapartida: 180 camiões cisternas diários fora das estradas e mais tranquilidade na segurança energética…
Pelo menos que esta greve nos sirva de alerta. Agir em vez de construir promessas e narrativas. O combate é aqui.
PS: Uma palavra para os motoristas dos camiões cisternas. Sem me intrometer na qualidade das suas reivindicações, é um trabalho difícil, colocando todos os dias as suas vidas em risco e do restantes condutores ao transportarem produtos altamente inflamáveis. Claro que os camiões têm todos os requisitos de segurança, mas… são quase bombas.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico
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