Como “trocar por miúdos” os impostos dos graúdos
Nem sempre os graúdos conseguem esclarecer à medida das crianças o que está em causa quando se fala em impostos ou em IRS. Mas pode não ser assim tão difícil fazê-lo. E quanto mais cedo for melhor.
“A Joaninha ouve falar muito do IRS. Ela não sabe bem o que é… é um imposto, mas afinal o que é um imposto? Falam tão mal dos impostos. O pai, a mãe, os avôs, os amigos, todos dizem que pagam muitos impostos, mas será para quê? Será que recebem alguma coisa em troca? O quê?”. Questões como essas provavelmente rondam as cabeças dos mais pequenos, sobretudo em períodos como o atual, em que decorre a entrega do IRS. O que nem sempre os graúdos conseguem é “trocar por miúdos” e esclarecer à medida das crianças o que está em causa quando se fala em impostos ou em IRS. Mas pode não ser assim tão difícil fazê-lo. E uma coisa parece ser certa: quanto mais cedo melhor.
As questões colocadas acima são um excerto de um pequeno livro publicado no final de 2015 no âmbito de uma iniciativa da Ordem dos Contabilistas Certificados e pensado para crianças entre os sete e os 12 anos. Conta a história da Joaninha, uma menina de oito anos que houve frequentemente os pais falarem sobre impostos, sobre a subida dos preços, e que se questiona sobre o que são os impostos e porque é que as pessoas os têm de pagar. O livro procura dar respostas à altura da compreensão das crianças.
“Pensei que havia a necessidade de chegar de uma forma mais didática e pedagógica junto dos cidadãos em geral, e uma das camadas privilegiadas é sem dúvida a população mais jovem, a partir dos sete ou oito anos“, afirmou Clotilde Palma, autora do livro, ao ECO para justificar a escrita desse pequeno livro, salientando ainda que os mais novos “são um veículo privilegiado junto das famílias”.
Neste âmbito, Clotilde Palma diz que aquilo que é importante é “que as crianças e os adultos percebam que com os impostos se cria uma relação de reciprocidade”. “Nós pagamos, mas em contrapartida vamos ter um sistema de educação e de saúde que funcionam, etc. No fundo, o que pretendo é tornar as crianças em cidadãos mais conscientes das suas obrigações e dos seus direitos“, explica.
E isso pode ser trabalhado desde idades muitos jovens e sobretudo nas escolas. “Pode e deve ser logo na escola primária, inserido em noções de cidadania e de uma forma muito soft, falando de uma forma geral que existem impostos e para o que é que eles servem. Para ficarem de uma forma geral com a perceção de ‘o porquê do imposto?’ e de ‘o que é um imposto?'”, esclarece a fiscalista.
"É importante que as crianças e os adultos percebam que com os impostos se cria uma relação de reciprocidade. Nós pagamos, mas em contrapartida vamos ter um sistema de educação e de saúde que funcionam, etc.”
E é isso que procura fazer no livro “A Joaninha e os impostos”. Dividido em cinco partes distribuídas por 49 páginas, descreve várias dúvidas relacionadas com o tema dos impostos com que a Joaninha se depara em diferentes acontecimentos do seu dia-a-dia. Essas acabam por ser esclarecidas na fase final do livro num encontro que tem com o fisquinho.
“Os impostos. Todos nós em todo o mundo precisamos de estradas, pontes, hospitais, escolas, transportes públicos… Tudo isto é muito caro e precisa de ser pago por todos aqueles que os usam e os podem pagar”, esclarece o fisquinho, depois de explicar à Joaninha que “os impostos foram criados há muito, muito tempo e servem para pagar as despesas que o Estado tem com a educação, a saúde, a segurança (a polícia), a defesa (os militares), a justiça (os tribunais) e tantas outras…”. Nesse encontro é também explicado o que é, por exemplo, o IRS e o IRC, as diferenças entre os dois impostos, bem como o que é o IMI, o IMT ou o IVA, e as situações em que se aplicam. Em paralelo foi também feito um filme e um quiz para testar os conhecimentos apreendidos.
“Se a criança perceber que um imposto é algo que pagamos porque contribui para a construção da própria escola, para que tenham melhores condições ao nível dos transportes ou da saúde, será a própria criança que de uma forma mais esclarecida já aborda os pais e se vai empenhar nos conhecimentos sobre essas matérias. Isto é um dado a nível internacional”, refere a este propósito Clotilde Palma.
"Se a criança perceber que um imposto é algo que pagamos porque contribui para a construção da própria escola, para que tenham melhores condições ao nível dos transportes ou da saúde, será a própria criança que de uma forma mais esclarecida já aborda os pais e se vai empenhar nos conhecimentos sobre essas matérias.”
Também a linguagem de transmissão dos conceitos associados aos impostos se deve moldar à idade do público-alvo. Daí terem sido publicados dois outros livros de “A Joaninha e os Impostos”, um deles vocacionado para adolescentes, da autoria de Ana Maria Rodrigues, e outro para jovens universitários, este escrito por Cidália Lopes, e que nesse caso pode ser vir mesmo de apoio a estudantes universitários
O trabalho não deve ser só das escolas
Mas o trabalho de cultivar os conhecimentos sobre impostos não se esgota da escola primária à universidade. “Devemos começar também dentro da própria casa“, defende Clotilde Palma, referindo-se aos pais, apesar de lembrar que essa missão nem sempre é fácil, já que “eles próprios têm de saber porquê”, o que nem sempre acontece.
"Pessoas que têm formação académica superior, e muitas delas até com funções públicas de elevada responsabilidade mesmo na área das Finanças, é incrível como é que ainda assim me pedem para preencher as declarações. Isso é muito sintomático.”
A fiscalista considera que “em geral”, os pais portugueses são pouco conhecedores sobre a envolvente dos impostos, referindo que tal “também se prende com uma política deficitária em termos de cidadania e educação fiscal”. Ainda assim acredita que tal está a mudar, lembrando que a própria Autoridade Tributária (AT) está a investir nisso. “Não é por acaso que a AT resolveu criar um link na página principal do seu site sobre cidadania fiscal”, diz.
A difícil relação com os impostos é transversal a muitos adultos. “Pessoas que têm formação académica superior, e muitas delas até com funções públicas de elevada responsabilidade mesmo na área das Finanças, é incrível como é que ainda assim me pedem para preencher as declarações. Isso é muito sintomático”, explica.
Uma das frases mais conhecidas de Einstein abordava precisamente essa relação difícil: “A coisa mais difícil de compreender no mundo é o imposto sobre o rendimento”.
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