Um ano de Geringonça e os números de outubro

António Costa andou um ano a governar para grupos específicos de eleitores e, com isso, segurou o governo. Mas está a desperdiçar o tempo que o BCE nos dá.

O governo do PS, suportado na extrema-esquerda antieuropeia, anti economia de mercado e antiliberal (no sentido das liberdades fundamentais), cumpriu na semana passada um ano de existência. António Costa tem sido hábil a sobreviver politicamente.

A Europa, mais preocupada com o Brexit, Itália, França, Grécia e refugiados, entre outros assuntos, olha para Portugal como um problema menor. Não gosta do que vê, repreende, mas depois, com pequenas alterações aos planos orçamentais que vão sendo apresentados, lá deixa passar.

Internamente, Costa tem mantido o PC e o BE relativamente comprometidos e moderados. Há fissuras, como se tem visto na CGD, mas de forma geral, os dois partidos tem estado alinhados com o governo.

Claro que isso só é possível porque Costa governa para os grupos de eleitores que lhe poderão dar a vitória numa próxima eleição. O governo, desde o primeiro dia que está em campanha eleitoral. Quem ganhou? Os funcionários públicos com salários acima de 1.500 €, os pensionistas com pensões mais altas, os funcionários das empresas de transportes urbanos, os professores e os precários no Estado.

O país, entretanto, vai perdendo tempo. Tempo crucial, que deveria estar a ser aproveitado para continuar as reformas estruturais. Mas, pelo contrário, este governo limitou-se a desfazer o que tinha sido feito. Mesmo que haja eleições em 2017, serão pelo menos dois anos perdidos.

E assim estamos: uma economia pouco competitiva, altamente endividada, que ao primeiro vento de tempestade soçobrará. E não aproveitamos o tempo que a política monetária do BCE nos tem dado.

Draghi já nos deu quase cinco anos: o discurso do “save the Euro, whatever it takes”, foi de junho de 2012. 5 anos! Depois não se queixem!
Mas o governo apresenta os números do défice de 2016 como argumento para dizer que está tudo bem. Só que os números não são bem o que parecem.

Diga-se que em março tinha previsto um défice em torno dos 3,2%-3,4%. Se o défice ficar nos 2,5%, isso resulta apenas de 3 fatores: uma redução do investimento público (0,5% PIB), a venda dos F-16 (0,1) e o fato de quando fiz a previsão, a estimativa do défice de 2015 era de 3,2%, e o défice acabou por ficar em 3% (sendo o ponto de partida melhor em 0,2).

Entretanto, os números da execução orçamental (em Contabilidade Pública) até outubro, divulgados na passada quinta-feira, apresentam para o período homólogo (ou seja, comparando com outubro de 2015), uma melhoria no saldo de 350 milhões de euros. Parecem boas notícias.

Contudo, os números em Contabilidade Pública merecem, agora que começamos a aproximarmos do final do ano, algum cuidado na sua análise.

O saldo em Contabilidade Pública está subavaliado por dois efeitos que são imediatos:

  1. As dívidas comerciais a mais de 90 dias aumentaram, face a outubro de 2015, 150 milhões de euros, não contando este valor para o défice em Pública. Quando vemos a rubrica aquisição de serviços, há uma melhoria de 185 milhões de euros, explicada por este efeito. Não se está a gastar menos, está é a pagar-se menos e mais tarde. A deixar dívida para os próximos anos e a sufocar as empresas. A isto adiciona-se que existe já um valor significativo de dívida às empresas farmacêuticas de vendas à consignação (um truque para não registar o compromisso, e assim nem em Contabilidade Nacional a despesa aparecer). Dizem-me, e noticias houve a semana passada que falavam de 1,2 mil milhões de dívidas, que a indústria farmacêutica está a atingir o limite das suas capacidades de tesouraria.
  2. O pagamento às PPP é inferior em 100 milhões de euros. Ora, no OE/2016 as PPPs tinham um aumento de encargo face a 2015 de 400 milhões de euros. O que está a acontecer? Estes encargos também não estão a ser pagos? Note-se que somados, representam 2/3 da melhoria do saldo. E se considerarmos que o investimento público caiu 500 milhões de euros, então a situação orçamental só não está mais grave por via destes expedientes.
    Mas os números em Pública mostram outros sinais anómalos: a receita está muito abaixo do previsto, mas parece ser compensada pela despesa. Só que as únicas rubricas da despesa a descer são exatamente a aquisição de bens e serviços e o investimento. As despesas com pessoal estão muito acima do previsto no OE. E repare-se que o saldo do Estado já tem uma execução de 91% face ao orçamentado (quando devia estar em 84%).

Por outro lado, as receitas fiscais continuam a ter um comportamento muito longe do orçamentado. O IRS está a cair 5.4%, quando a previsão era de somente 2,5%. O IRC cai 8,8%, com uma previsão de -1,2%. E o pior é o IVA, que está igual ao ano passado, quando era preciso que estivesse a crescer 3,1%.

Vai ser preciso nos últimos dois meses cobrar 6,4 mil milhões de euros, nestes três impostos! Mais 500 milhões que no período de novembro-dezembro de 2015.

Depois de um ano, há três indicadores claros de que as coisas não estão bem:

  1. O primeiro foi o aumento dos juros. No verão de 2015 eram 1,5% a 10 anos, com uma diferença face a Espanha de 0,5 p.p. e uma diferença face à Alemanha de 1,8 p.p.. Agora estão perto dos 4%, com uma diferença de 2 p.p. face a Espanha e de quase 4 p.p. face à Alemanha.
  2. O segundo é que o crescimento económico, mesmo com o terceiro trimestre, foi inferior ao do ano passado. Sinal que o investimento não arranca (falta de confiança) e a aposta no consumo interno é errada.
  3. O último vem da dívida pública. Entre janeiro e outubro aumentou cerca de 12,5 mil milhões de euros. Se o défice em Pública é de 5,5 mil milhões, não houve recapitalização da CGD, só se amortizou antecipadamente dois mil milhões ao FMI (dos seis mil milhões previstos de amortização antecipada) e os depósitos que eram 10% do PIB passaram para 11,5% (mais três mil milhões), há aqui cerca de 2 mil milhões de financiamento a mais. Se for défice, lá vão as contas parar aos números que sempre referi.

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