Livros e a Lua, Lírios e a Europa

Observando a evidência dos problemas políticos na Europa, o híbrido ideológico dominante afirma imediatamente que as “dificuldades” não representam o estado de desenvolvimento do Projecto da Europa.

A celebração do Dia da Europa transformada numa espécie de nova Geologia Social. A promessa de um entendimento político em profundidade deseja associar à ideia própria da Europa uma estratégia de consolidação muito para além da aparência circunstancial do nosso tempo – a Europa como realização da História Política dos Povos. Demasiado prosaico a tocar a ingenuidade Continental.

Vamos ser heterodoxos, imprevisíveis, inconstantes, incertos, provocatórios. Cruzando todas as direcções da Europa o que podemos observar é um outro nível de uma realidade complexa, talvez a sobreposição de vivências e tendências que absorvem o Europeísmo, o Historicismo e a Psicanálise. Na perspectiva complementar e concêntrica destas três Ideologias, surge a ideia de que interpretar consiste sempre no acto de reduzir uma realidade a um outro tipo de realidade.

Observando a evidência dos problemas políticos na Europa, o híbrido ideológico dominante afirma imediatamente que as “dificuldades” não representam o estado de desenvolvimento do Projecto da Europa. Pelo contrário, parece existir a convicção de que a verdadeira natureza da Europa só pode ser deduzida com base na sua natureza política oculta, profunda, protegida da vulgaridade de um Continente contaminado pelo Pessimismo. Do ponto de vista de uma análise mais objectiva, a Europa manifesta-se na contradição e na oposição entre o Sentimento e a Razão. A busca reside na tentativa política de construir uma ideologia Europeísta capaz de integrar a Razão no Sentimento, sem excluir nem a Razão nem o Sentimento. No fundo, na vertente burocrática de Bruxelas, a leveza leviana da linguagem burocrática procede por equívoco à integração do Sentimento na Razão, suprimindo o Sentimento e corrompendo a Razão. A ideologia Europeísta na urgência por vezes demente de construção de uma explicação orgânica, unificadora e mecanicista do Projecto, confunde-se tragicamente com uma nova versão do Marxismo recriado, se não no conteúdo, certamente na forma. Apesar do Pacifismo da Europa, o pensamento político fundado em Princípios Primeiros ou em Fins Derradeiros é sempre portador de um estranho potencial para a supressão de uma nova e heterodoxa reflexão crítica, logo a propensão para a violência simbólica – vide o Brexit e os Populismos.

Mas olhemos para o Futuro. Apesar da inédita sofisticação das Instituições, apesar da supremacia da Ciência, o Planeta Europa permanece vulnerável às crises, persiste em ser surpreendido pelas “contingências do aleatório”, insiste em contemplar o Grande Lago para registar as certezas e ser confrontado com a silhueta de um “Cisne Negro”. Três são as razões essenciais para este Estado da Matéria.

Em primeiro lugar, e tendo em consideração o rigor da pluralidade de Futuros possíveis e prováveis, surge o facto de o Futuro pertencer ao domínio da Incerteza e não ao reino do Risco. O Risco é uma Incerteza mensurável, mas uma Incerteza incomensurável remete-nos para o território onde não há qualquer base científica sobre a qual se possa formar uma Probabilidade calculável. A Europa pretende erradicar a Incerteza, controlar o Risco e projectar a ideia falsa de que o Futuro é hoje e aqui.

Em segundo lugar surge o facto do comportamento Humano estar à mercê de todas as Instabilidades, entre a Euforia e a Depressão, factor que se torna ainda mais complexo pela profunda Alienação da História e do Passado. A Europa adopta uma visão do Cidadão baseada nos valores do Homo Oeconomicus da Teoria Económica Neoclássica, o Cidadão que supostamente toma todas as suas decisões de forma Racional, com base no léxico de informações disponíveis, e em função de um Cálculo de Utilidade. A Europa parece não estar preparada para a Falibilidade constitutiva do Cidadão da Europa, uma entidade marcada pela Incerteza e pela Instabilidade, logo um elemento estranho à Natureza e ao Princípio dos Tratados da Europa.

Em terceiro lugar surge o facto do “caminho errático” da História Política estar também associado, e por analogia, à Teoria da Evolução. Termos como “A Evolução na Excelência” são comuns no discurso sobre a Europa. Mas o que está verdadeiramente ausente das perspectivas Europeias é o conceito de que a História Política resulta da “Evolução das Instituições no Tempo” e de um peculiar mecanismo de “Selecção Natural” – i) A “Deriva” resulta das alterações não intencionais e que se limitam a acontecer; ii) O “Fluxo” resulta das inovações promovidas pela Selecção Natural e incorporadas no saber fazer. Se a Deriva pode levar ao Colapso, o Fluxo pode levar ao Progresso. A Europa é hoje um Projecto à Deriva em nome de uma ideia de Progresso.

Entre os livros espalhados sobre a mesa que a luz da Lua lê com a devota atenção dos crentes, com o perfume triste dos lírios plantados entre as duas guerras, esta crónica é inspirada na Villa San Michele, em Anacapri, um Museu no limiar da Fronteira da Europa, com uma vista soberba sobre a Baía de Nápoles, Sorrento e o Vesúvio. O Azul jónico da paisagem está nos antípodas da viscosidade cinzenta de Bruxelas.

O autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.

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