Joe Berardo não é a Doris Day

Vimos em Joe Berardo a dessacralização das elites, a queda da sua máscara de opulência que esconde a mendicidade das suas almas e a mediocridade dos seus talentos.

Em minha casa tenho uma cópia de um quadro que me é querido: “A Crucificação de São Pedro”, de Caravaggio. Nada mais apropriado para qualificar a sessão de apedrejamento social a que se sujeitou um comendador – que devia deixar de o ser – depois de em plena Assembleia da República ter proporcionado um rocambolesco recital de disparates e falta de respeito pelos portugueses. Por incúria, por soberba, acompanhado de um advogado mas completamente a marimbar-se para a gestão reputacional na relação com a banca do qual é um dos maiores devedores, mal aconselhado, sem noção de comunicação, enterrou para sempre o seu nome que hoje figura na percepção das pessoas no Panteão dos maiores vigaristas lusos.

Mas lembrei-me de Caravaggio por outros dois motivos. Primeiro, porque nas suas poderosas criações relacionadas com a Igreja, havia uma dessacralização do sagrado. Segundo, porque no quadro que citei no início, tal como retrata António Mega Ferreira em “Roma – exercícios de reconhecimento” (edição Sextante), «Deus está ausente da terrível representação da tragédia humana». Ora, o que todos vimos na audição parlamentar de Joe Berardo foi a dessacralização das elites portuguesas, tal como tenho desconstruído em diversos artigos no ECO e noutros fóruns, a queda da sua máscara de opulência que esconde a mendicidade das suas almas e a mediocridade dos seus talentos. “Génios” ungidos pela comunicação social que, afinal, eram uma fraude, uma mentira. Uma arrogância que ganhou vida naquele sorriso – “Ha, Ha, Ha” – do madeirense que não deve nada a ninguém – na sua cabeça – mas só deve 900 milhões aos bancos que continuamos a sustentar apesar de todas as suas perversidades. A tragédia humana desta cena de terror no Parlamento é que são os homens a cometer “harakiri”, Deus nestes momentos parece que se junta ao comum dos mortais para assistir à falta de pudor de um espectáculo deplorável. E ri-se com gozo de um poderoso que comete um suicídio perante a comunidade que não respeita e da qual se julga inatingível.

Claro que Berardo não pode ser o único bode expiatório. São tantos os exemplos de medíocres que se apresentaram como “ricos” assentes nos créditos de uma banca recheada de subservientes amanuenses e compete investigar quem foram os meliantes que – na administração da Caixa e não só – esbanjaram milhões em créditos sem garantias para os ditos “milionários” desta Pátria. Quem eram, onde estão, que património tinham na altura e qual o que hoje detêm. É tempo de desmantelar esta oligarquia opaca, tão vazia de sentido tal como os seus bolsos realmente estavam, que asfixiou Portugal e limitou o seu crescimento. Tirar condecorações, investigar sem servilismos, acusar sem medo, castigar com coragem, dizimar as ditas elites que, enfim, eram de vão de escada e nos condenaram à triste realidade de termos de pagar os seus despautérios.

Esta semana morreu, aos 97 anos, um dos ícones de Hollywood: Doris Day. Para sempre ficará o seu sorriso puro e virginal, nada comparado à gargalhada cínica e de imensa lata de um empresário falido. Em 1967, a actriz recusou um papel inesquecível, o de “Mrs. Robinson” em “The Graduate” (A Primeira Noite), de Mike Nichols, o qual coube a Anne Bancroft uma mulher experiente que seduzia o jovem Dustin Hoffman. Doris Day justificou a sua decisão porque a personagem «ofendia os seus valores pessoais». Pois, Berardo e tantos outros nunca recusaram nada, nunca disseram que não a um milhão pois isso não os ofendia nem aos seus valores – se os tinham – seguiram numa fuga para a frente, deixaram os cheques e as contas carecas, não vão pagar nada e depois anunciam como na fita de Steven Spielberg: “Apanhem-me se Puderem”. Para quem não sabe, é um filme sobre um vigarista.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

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