O que se passa com a Alemanha?
Há uma situação de grande vulnerabilidade na maior economia da Europa, e que também é o único dos três maiores países da UE que ainda não sucumbiu às forças populistas antieuropeístas.
Em 2018, o coração da Europa parou. A síncope foi tão súbita como inesperada. Por muito tempo atribuiu-se o colapso do crescimento na Alemanha à perturbação na indústria automóvel causada pelas alterações regulatórias das emissões dos veículos. Mas essa não pode ser a única justificação: o problema já está ultrapassado, mas a economia germânica continua nas ruas da amargura.
Uma investigação mais acurada revela que a desaceleração das economias emergentes, sobretudo da China, se materializou numa perda material de dinamismo das exportações da Alemanha, dada a elevada sensibilidade do seu setor industrial a estes mercados. Este fator traz-nos para mais perto da realidade, mas não explica o impacto desproporcionado do abrandamento do comércio internacional no crescimento económico alemão. Donde se concluiu que algo de errado se passa com a Alemanha, cuja economia passou de força motriz a lastro da Europa, como ilustra gráfico em baixo.
A peça que fecha este puzzle é a tibieza da procura interna, o que não deixa de ser desconcertante em face da robustez do mercado de trabalho alemão e dos baixíssimos custos do crédito. Com efeito, os níveis historicamente reduzidos da taxa de desemprego e o crescimento robusto dos salários fariam supor um comportamento mais dinâmico dos gastos das famílias. Acontece que a taxa de poupança dos alemães não para de crescer, tendo-se fixado em 17,9% em 2018 (Portugal = 4,6%).
Este fenómeno é, em grande parte, atribuído ao nível muito baixo das taxas de juro, o que implica uma remuneração nula ou mesmo negativa do aforro, situação que os alemães compensam… com aumento da poupança. Visto deste prisma, a política monetária do BCE está revelar-se contraproducente na Alemanha, uma vez que o estímulo monetário gera poupança ao invés de despesa. (Veremos se estas agruras não contribuirão para alargar a base eleitoral dos partidos eurocéticos alemães.)
Perante a inércia da procura privada e dada a considerável folga orçamental existente na Alemanha, uma cura para o torpor em que se encontra a economia seria a implementação de um pacote orçamental extensivo. Acontece que as forças que compõem a Grande Coligação não se entendem quanto à arquitetura do estímulo, com a CDU a advogar corte de impostos e o SPD a defender aumento das transferências sociais. Assim sendo, e na ausência de uma rápida recuperação da economia global, as perspetivas para a Alemanha no futuro próximo não se afiguram animadoras.
Todos os países têm os seus momentos. A questão fundamental é saber se esta fase menos boa da Alemanha é temporária ou não.
A verdade é que a enorme relevância do segmento automóvel na economia alemã torna-a muito suscetível às guerras comerciais de Trump, dada a ênfase que o presidente americano põe, na disputa com a Europa, no setor auto. O Brexit também deverá ter um efeito negativo por via da importância do mercado britânico para as marcas de carros germânicas.
A acrescentar a estas ameaças geopolíticas impedem ainda sobre o setor automóvel alemão uma enorme incerteza quanto ao tipo de combustível que se imporá no futuro, num contexto em que o domínio das marcas alemãs nos motores de combustão não é, de todo, extensível ao segmento elétrico. Para além disso, é provável virmos a assistir a um declínio secular da procura global por automóveis, dadas as tendências de reforço da economia da partilha e de estonteante inovação ao nível das soluções urbanas de mobilidade.
A combinação de todos estes fatores cria uma situação de grande vulnerabilidade numa nação, que não só tem a maior economia da Europa, como também é o único dos três maiores países da UE que ainda não sucumbiu às forças populistas antieuropeístas. É essencialmente por esta última razão que a atual circunstância da Alemanha é extremamente preocupante. Até porque na próxima crise já não poderemos contar com a Srª Merkel.
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