A Quibi poderá ser o futuro dos conteúdos mas dificilmente será o futuro da publicidade

Um dos momentos mais esperados do Festival de Cannes é a atribuição do prémio de personalidade de media do ano. A distinção deste ano coube a Jeffrey Katzenberg,

Katzenberg tem uma carreira preenchida, tendo contribuído muito para a reinvenção do negócio do cinema, principalmente na área de animação. Na Disney, deu a volta à empresa e lançou sucessos como “Quem tramou Roger Rabbit”, um filme verdadeiramente inovador em 1988. Depois de sair da Disney, fundou com Steven Spielberg a Dreamworks, responsável pelo lançamento de filmes como o Shrek.

A sua carreira é mais do que suficiente para merecer este cobiçado prémio, mas o motivo do júri para a sua atribuição pode estar mais relacionado com o que Katzenberg vai fazer a seguir do que com o que fez até agora.

Desde o início de 2018 que Katzenberg tem estado a trabalhar na criação de uma plataforma de streaming de conteúdos de vídeo pensados para serem consumidos maioritariamente nos telefones. A empresa chama-se Quibi, diminutivo para quick bites, numa alusão à forma rápida como as pessoas consomem os conteúdos nos dispositivos móveis.

A Quibi tem a data de lançamento marcada para abril de 2020, mas já angariou mais de mil milhões de dólares em capital e, tão ou mais importante, já garantiu 100 milhões de dólares de investimento publicitário – e ainda falta quase um ano para o seu lançamento. A Procter & Gamble, AB InBev (cervejas Budweiser e Corona, entre muitas outras) e a Google são as empresas que estão a apostar neste formato ainda antes do lançamento.

Mas o que é que uma espécie de Netflix para ver depressa no telefone tem de tão especial para atrair tanto investimento?

Em 2019, e pela primeira vez, é esperado que as pessoas passem mais tempo a olhar para o telemóvel do que para a televisão. O investimento publicitário já refletiu isso em 2018, mas ainda há muito para fazer – tanto na na experiência do conteúdo como na experiência da publicidade.

A verdade é que, apesar de os telefones serem o dispositivo onde se consomem mais conteúdos, a maneira como são produzidos ainda não reflete essa realidade. A resposta dos produtores tem sido tornar menos penoso o consumo de conteúdos nos telefones, mas sem apostar em produzir os vídeos especificamente para essa plataforma. Ou seja, é hoje perfeitamente possível ver um filme da Netflix no telefone, mas a empresa de streaming não tem uma oferta no seu catálogo que seja pensada especificamente para o comportamento das pessoas quando estão a usar o telefone para verem vídeo. É aí que a Quibi tem uma proposta radicalmente diferente.

Em termos práticos, a Quibi vai criar séries em que cada episódio terá cerca de 7 a 10 minutos. O principal desafio é conseguir criar uma narrativa poderosa e entusiasmante num período de tempo tão curto. Katzenberg diz que já há séries de televisão construídas com estruturas de storytelling assentes em pedaços de 7 a 10 minutos, como é o caso da série “This is Us”, um sucesso mundial.

A empresa vai iniciar actividade apenas com séries e filmes de produção própria. Conta já com uma série de realizadores de peso, como Steven Spielberg – que está a realizar uma série de terror de 12 episódios e com 7 minutos cada. A série irá chamar-se “After dark” e estará disponível para ver todos os dias entre a meia-noite e o nascer do sol, altura em que é mais fácil assustar as pessoas. Neste caso, não só o conteúdo é pensado para o dispositivo em que as pessoas o estão a ver, como também para o momento em que o estão a ver.

Se Katzenberg pode estar a preparar-se para acertar na produção de conteúdos para o smartphone, em relação à publicidade a sua estratégia não é tão convincente. A Quibi vai ter dois modelos de subscrição: um premium com um custo de 7,99 dólares por mês e sem anúncios e um plano de 4,99 dólares por mês que inclui anúncios.

O grande trunfo de Katzenberg é que as séries terão menos tempo de anúncios do que a média da indústria. Por cada hora de conteúdo visto, a Quibi passará 2,5 minutos de anúncios (também em pedaços curtos), comparativamente menos que a média da televisão nos Estados Unidos que é de 17,5 minutos de anúncio por hora de conteúdo.

Não há dúvida que 2,5 minutos de anúncios é claramente melhor do que 17,5 minutos. Para sermos precisos, é exactamente 7 vezes melhor. Não devemos esquecer que um modelo assente em aborrecer menos as pessoas é uma evolução, mas não é certamente o futuro.

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