O CEO da Ocidental, braço do grupo Ageas para Vida e Pensões, prepara-se para mais alguns anos a cativar novos clientes em cenário de juros baixos e supervisão apertada.
Nelson Machado, 59 anos, integra a Comissão Executiva da Grupo Ageas Portugal desde 2016, sendo CEO dos negócios Vida e Pensões, cabendo-lhe ainda a responsabilidade pelo canal de distribuição bancassurance. Com carreira no BCP e Millennium exerceu posições em diversos países pelo que a parceria privilegiada entre a Ageas e o banco não é novidade. A luta principal desde março é tornar interessantes produtos Vida de capitalização ou investimento em cenário longo e anormal de baixas taxas de juro que não se sabe quando irá terminar.
Como está a ser o ano de 2019 em Vida com as taxas de juro cada vez mais baixas?
É um ano extraordinariamente difícil para atividade toda e a tornar-se cada vez mais difícil nos últimos meses. No entanto temos realidades diferentes para duas grandes famílias de produtos: O que se chama os produtos de risco, de proteção e os produtos financeiros ou de investimento. Nos produtos de risco eu diria que o ano está a correr muito bem. Há maior sensibilidade das pessoas, embora ainda a um nível pequeno, para se protegerem. O crédito à habitação e o crédito pessoal, tem crescido nos últimos anos e, como há seguros de vida associados a isso, o seguro de vida risco tem tido uma evolução positiva. Nos seguros financeiros temos duas situações, uma primeira até março deste ano e outra de março em diante. Em março acelerou muito a evolução negativa das taxas de juro, nomeadamente a da dívida pública portuguesa.
"Há tanta liquidez no mundo, e na Europa particularmente, que as taxas são negativas. Isto, obviamente, é ótimo para o Estado e péssimo para quem quer poupar.”
Boas notícias para o país…
É evidente que isto é bom para Portugal que há um ano e meio pagava 2% de juros a 10 anos e há um ano e pouco pagava 1,25%. Atualmente Portugal consegue emitir dívida a 10 anos pagando menos de 40 basis points. A 5 anos já emite dívida com taxa negativa, ou seja Portugal vai aos mercados e diz que tem dívida a 5 anos e os mercados em vez de exigir uma remuneração a Portugal, estão disponíveis para pagar para a ter. Há tanta liquidez no mundo, e na Europa particularmente, que as taxas são negativas. Isto, obviamente, é ótimo para o Estado e péssimo para quem quer poupar.
Para as poupanças não há bom rendimento?
Quem quer poupar atualmente, se vai ao banco recebe zero. Não porque os bancos sejam maus, mas porque os bancos têm neste momento mais dinheiro do que aquele que conseguem emprestar. O dinheiro que sobra nos bancos tem que ir para o Banco Central Europeu que paga zero ao cliente, mas depois tem que pagar 40 basis points ao Banco Central Europeu só para ter o dinheiro lá parado.
É uma situação que pode inverter?
É uma situação anormal, é a primeira vez na Europa que se vê taxas de juros negativas, mas a anormalidade no Japão dura há 15 anos, portanto ninguém diz que é passageira, não sabemos. Já estudei o que está a acontecer no Japão, exatamente porque eles andam a lidar com este problema há muito, mas arranjaram umas soluções e temos uma equipa de estudo a pensar essas e outras soluções.
Qual a resposta a dar nos produtos financeiros?
Das duas uma, ou tentamos construir produtos a 10 anos baseados em ativos com muito pouco risco, que é isso que devemos fazer e oferecemos as taxas de juros que podemos dar, muito pequenas. Ou então, para pagar taxas de juro interessantes, temos que colocar risco nas carteiras, que é algo que não queremos. Queremos que os clientes, quando apostam em seguros, se sintam tranquilos que o dinheiro vai correr bem de certeza. E, por não querermos ter risco nas carteiras, de há três ou quatro meses para cá, estamos com muita dificuldade em ter “matéria-prima” para poder construir produtos.
"Por não querermos ter risco nas carteiras estamos, de há três ou quatro meses para cá, com muita dificuldade em ter “matéria-prima” para poder construir produtos.”
Essas dificuldades em montar produtos competitivos são generalizadas?
Sim, o que digo vale para os outros colegas em Portugal e para os espanhóis, os franceses, os belgas ou os alemães. Toda a Europa está neste momento a tentar ver como é que vai reinventar o negócio da poupança num ambiente em que as taxas de juro são negativas.
Quanto tempo pode durar este cenário de taxas de juro negativas?
Ninguém sabe! Ninguém sabe se isto vai ser durante um ano ou durante três ou durante cinco. É um desafio novo por que uma coisa é vivermos com taxas de juro baixas de 2%, outra é vivermos com taxas de juro negativas. Não podemos estar aqui só parados à espera que esta nuvem passe e temos que pensar como é que vamos reinventar o negócio se as taxas de juro forem sistematicamente tão baixas.
O problema é de novas poupanças ou é própria rentabilidade da operação atual?
A operação atual é rentável e boa mas tem como base as rendas do passado com taxas de juro ditas normais. Com essas tivesse taxas de juro normais, teríamos este ano o melhor de sempre. A questão é para o futuro. Os bancos, nomeadamente o nosso parceiro Millennium, têm dinheiro a mais e ficariam contentes se pudessem canalizar todo o dinheiro a mais, falo em linguagem bancária, para fora do balanço. Para fundos, para seguros para produtos unit- linked, para outra forma de seguros ou para PPR.
" Aumentar um pouco a nossa exposição a ações e aumentar mais que pouco a nossa exposição a imobiliário, é a forma de tentar compensar as taxas de juro estarem tão baixas”
Por definição quando as taxas de juros estão baixas o mercado de ações melhora. Deixou de ser verdade?
Continua verdade e as ações de mitigação que nós fazemos passam por duas vertentes: aumentar um pouco a nossa exposição a ações e aumentar mais que pouco a nossa exposição a imobiliário. É a forma de tentar compensar as taxas de juro estarem tão baixas naquilo que são ativos com pouco risco, nomeadamente as obrigações do Estado português, porque se vamos para as espanholas, para as francesas, para as belgas ainda é pior.
Já não aquelas ações pai de família, aquelas que no longo prazo valerão sempre?
Há menos do que havia. Nas 500 maiores empresas que estão na lista da Forbes ou outros rankings, muitas delas não estavam lá há 25 anos. O mundo muda muito mais depressa do que mudava antes.
A gestão dos fundos é feita pelo pelo Grupo?
Temos uma parceria com BMO – Bank of Montreal, que é dos maiores gestores de investimentos do mundo que corre muito bem, eles são muito profissionais, muito disciplinados, muito controlados. No Canadá e nos Estados Unidos o compliance, o controlo e a supervisão é brutal e isso para nós é um conforto.
A gestão interna não é hipótese?
Temos escala para fazer essa gestão interna mas as coisas correm bem com o BMO e não temos nenhuma pressão nesse sentido. É uma discussão que de vez em quando temos, mas não prometo que daqui a cinco anos seremos nós a gerir ou não.
Qual o papel do Brexit no futuro?
Prevejo incerteza e a incerteza traz turbulência, mas estamos todos de acordo que ninguém sabe concretamente o que vai acontecer e os que menos sabem são os ingleses, o que é verdadeiramente assustador. De imediato, as consequências para nós são zero.
No lado da distribuição como está a bancassurance?
Está bem. Ao longo dos anos houve teses que indicavam que os bancos iam ocupar tudo, houve várias teorias dominantes. A realidade, é que o canal banco é dominante no que tem a ver com seguros de vida e o canal tradicional – agentes e corretores – é completamente dominante com tudo o que tem a ver com seguros patrimoniais e reais, como nos ramos Automóvel, acidentes de trabalho, viagem ou multirriscos e essa realidade tem-se mantido bastante estável nos últimos anos.
E os canais digitais já terão 25% do mercado Qual o peso da no negócio da Ageas?
Os consultores dizem que será 15% de vendas digitais a nível geral. No nosso grupo representam 11% se incluir todos os produtos ou 23% quando referidos apenas os que se podem vender no digital. Vai ser crescente em mais do que a dimensão, vai haver um aumento de outras funções no digital.
A ligação ao Millennium vai manter-se?
Até 2029 temos um acordo de distribuição com o Millennium BCP que só pode acabar por mútuo acordo e como a relação não poderia estar a correr melhor, não há nenhum motivo para terminar. O banco é um parceiro muito exigente, no sentido que quer sempre o melhor para os seus clientes, os melhores produtos, os melhores processos, os melhores níveis de serviço e isso obriga-nos a nós a ser muito focados para garantir isso com um nível de integração brutal, construído ao longo de trinta anos. Além disso este nosso parceiro está a apostar brutalmente no digital e, para eles, digital é tudo mas é fundamentalmente mobile.
"A ASF conseguiu uma coisa notável que foi que durante os anos de crise houve lesados de vários bancos, mas não houve nenhum lesado por companhia de seguros.”
Considera os produtos Unit-linked todos seguros? Os ativos que lhes estão subjacentes terão sempre grande segurança?
Deve haver ativos melhores que outros e carteiras com mais riscos que outras, mas não conheço as carteiras de toda a gente por isso tenho dificuldade em comentar em concreto, posso comentar em abstrato. A ASF conseguiu uma coisa notável que foi que durante os anos de crise houve lesados de vários bancos, mas não houve nenhum lesado por companhia de seguros. Caso tenham existido investimentos mais arriscados, que não conheço, o certo é que foram geridos com tempo, as companhias fizeram as ações de mitigação com tempo e permitiram que os clientes fossem protegidos
Então considera que a intervenção da ASF foi eficaz. Continua a ser?
Tenho a certeza que foi!. É estatisticamente impossível que não tenha havido problemas nos anos da crise e portanto, se os problemas foram resolvidos sem penalização para os clientes, só pode ter acontecido uma supervisão eficiente da ASF há oito anos, sete e seis anos. Hoje eu admito que não haja nada preocupante.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Nelson Machado. “Toda a Europa pensa como reinventar o negócio da poupança”
{{ noCommentsLabel }}