“A perseguição fiscal”
Há que atender às questões de princípio quando falamos de impostos. Pede-se, portanto, equilíbrio e bom senso. Qualidades que as propostas do PCP não revelam.
Causou pouco impacto o anúncio das propostas fiscais do PCP rumo às legislativas que se avizinham. Recorde-se que o PCP propôs três grandes ideias em matéria fiscal. Primeiro, a reformulação do IVA, propondo a redução da taxa normal de IVA para 21% e o alargamento da taxa reduzida de 6% a alguns outros bens e serviços, em particular sobre a electricidade. Segundo, o aumento do IRS através da criação de novas taxas marginais de imposto: 65% e 75% para rendimentos superiores a 152 mil euros e 500 mil euros, respectivamente. Terceiro, o aumento do IRC para a taxa normal de 25% e, incluindo derramas, para 35% no caso das empresas com lucros superiores a 3 milhões de euros. E, quarto, a criação de um novo imposto sobre o património, que taxaria em 0,5% os depósitos bancarios e restante património mobiliário acima de 100 mil euros. No balanço, assumindo como boas as contas do PCP, tal reconfiguração dos impostos representaria um enorme aumento da carga fiscal.
Enfim, não deixa de ser estranho que, num momento em que a carga fiscal do país atingiu o valor máximo em percentagem do PIB, e que a relação de valor entre o que se paga pelos serviços públicos e o que deles se recebe atingiu o mínimo, continuem a existir partidos a defender que é preciso aumentar ainda mais a carga fiscal. A sanha persecutória face aos que mais ganham, e que já mais contribuem para as receitas fiscais, parece-me igualmente incompreensível e reveladora de uma mentalidade que urge mudar.
Não é a primeira vez, nem será a última, que escrevo sobre a progressividade dos impostos sobre o rendimento em Portugal, que é enorme porquanto uma pequeníssima franja de agregados paga a grande maioria de receitas fiscais de IRS. E, de igual modo, também não é a primeira vez, nem será a última, que critico os impostos sobre o património que, quase sempre, qualificam como confisco. Seria certamente o caso do imposto sobre os depósitos proposto pelo PCP, tal como já é o caso do IMI ou o do adicional ao IMI.
Ora, quando pensamos nos impostos há várias dimensões que devem ser de imediato consideradas.
- Qual é o gasto público (indiferenciado ou previamente identificado) que se pretende financiar através dos impostos?
- Representa o aumento de impostos uma tributação original ou uma dupla tributação do mesmo?
- Vai o aumento de impostos operar-se através de um imposto já existente ou de um novo imposto?
No caso do imposto sobre o património proposto pelo PCP, a exemplo do que sucede com o IMI, trata-se de um imposto que taxaria activos patrimoniais que, por sua vez, resultam de fluxos de rendimento que em princípio já foram taxados. É, pois, nesta fronteira, no risco da dupla tributação, que reside o risco de confisco associado à generalidade dos impostos sobre o património.
A evasão fiscal deve ser combatida, mas não pode servir para legitimar a dupla tributação. Se os rendimentos originais não são taxados em sede própria, isso não pode servir para indirectamente justificar a imposição de dupla tributação aos sujeitos passivos cumpridores.
Se há um problema de evasão, ele tem de ser corrigido no contexto do imposto aplicável e sobre o incumpridor, mas não no domínio de outro imposto como uma espécie de mecanismo de compensação. Por uma simples razão: ao aceitarmos o mecanismo como legítimo, a excepção constituída para a situação de uns torna-se a regra para todos os outros. Este estado de situação tem um nome e chama-se totalitarismo. O justo paga pelo pecador e isso não está certo.
Quanto ao aumento do IRS e aos novos escalões, enfim, voltamos à impressão de que, em vez de se querer acabar com a pobreza, o objectivo é mesmo acabar com o incentivo a produzir.
Voltamos também à ideia de que é possível e desejável distribuir riqueza antes de a produzir.
Quer uma, quer outra, são perspectivas negativas e economicamente ineficientes. A alternativa deve passar por uma fiscalidade que incentive o trabalho, seja em que nível de rendimento for, bem como a maximização da produção, algo que dificilmente se conseguirá com tamanha progressividade.
Quanto ao aumento proposto para o IRC, atendendo às taxas praticadas por alguns dos países nossos concorrentes directos na Europa, seria também um formidável tiro nos pés.
Felizmente, nem tudo na proposta do PCP é mau. A redução que se propõe na taxa de IVA sobre a electricidade parece-me muito apropriada. De facto, foi um erro ter-se aumentado a taxa de IVA para a taxa máxima sobre um bem essencial como a electricidade. É uma contradição evidente e que torpedeia a racionalidade que assiste à diferenciação das taxas de IVA. Além disso, do ponto de vista da regressividade do imposto, o seu impacto regressivo será tanto mais significativo quanto mais relevantes no orçamento familiar forem os bens e serviços sobre os quais recai a taxa máxima.
A tributação resulta de uma autorização cidadã, através da qual os cidadãos delegam no Estado o monopólio da coerção fiscal. Mas, dado que nas democracias constitucionais essa autorização cidadã vai sempre acompanhada da delimitação do poder governamental, supõe-se que o Estado, e a maioria de cidadãos que delegam poder no Estado, não pode subjugar nenhum contribuinte ao totalitarismo fiscal que se observaria nas propostas do PCP.
Mais do que nunca, sobretudo num momento histórico em que a tecnologia é cada vez mais invasiva, há que atender às questões de princípio quando falamos de impostos. Pede-se, portanto, equilíbrio e bom senso. Qualidades que as propostas do PCP não revelam.
(O autor escreve segunda as regras do antigo acordo ortográfico.)
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