Enquanto a recessão dorme
em surdina, já se ouve falar de TGV´s e novas autoestradas, muitos milhares de funcionários para renovar o Estado e afins! É música para políticos!
Pensar que Boris Johnson sonha ser um novo Churchill diz bem do deslumbramento em que caíram as novas lideranças mundiais: de Trump a Bolsonaro, passando pelo eixo Erdogan – Putin, pelos sonhos cúmplices entre Salvini e Viktor Órban, há novos alinhamentos perigosos no horizonte. E uma falta de sensatez comprometedora.
- Parece que, de repetente, a cultura básica das redes socais tomou conta dos destinos dos países. Logo agora, quando se reclamavam estadistas e homens de fôlego para enfrentar a tempestade, que já é mais do que um esboço. Marguerite Yourcenar escrevia que a memória dos homens é um imenso cemitério abandonado: já ninguém recorda que foi por uma estéril querela partidária que David Cameron decidiu colocar o futuro do Reino Unido em referendo. E condenar toda uma geração a um retrocesso sem precedentes. Primeiro, porque toda a votação foi manipulada com ganhos e receios totalmente falsos. Depois, porque os líderes que se seguiram demonstraram ainda maior cobardia perante a mais exemplar das evidências: uma saída do Reino Unido do maior espaço comercial do mundo é uma catástrofe a todos os níveis. Sobretudo – e de forma muito maioritária – para os britânicos.
- Pensar que recuperar fronteiras significa reaver um controlo que a história da integração fez perder é obviar todo o poder financeiro e económico que está a escorregar de Londres para o continente dia após dia. Quanto mais tempo passa, mais claro se torna que o Brexit é o suicídio económico daquela que foi, outrora, a maior potência comercial do planeta. Até porque a ideia de fazer um acordo com os Estados Unidos que compense a saída da União Europeia só pode dar esperança a quem ignora o lado errático e imprevisível de Donald Trump. Exatamente o traço de personalidade política que tem transformado as bolsas numa montanha – russa sempre que diz algo – e o seu contraditório, logo a seguir – quanto a um acordo com a China. Uma paz crucial para a estabilidade da economia global, mas que só será feita depois das presidenciais de novembro do próximo ano.
- Na iminência de uma recessão global há, contudo, uma outra angústia imune a todos os ansiolíticos que os mercados já começaram a tomar: a armadilha da dívida. Nunca como hoje o peso dos juros foi tão baixo. Os receios quanto ao futuro levaram os investidores a refugiarem-se em mais e mais dívida pública, inundando a procura e aproximando o preço do dinheiro de zero ou tornando-o mesmo negativo. A tentação é pedir ainda mais dinheiro emprestado, aumentando o stock de dívida. O risco é ser apanhado num contragolpe, tal como aconteceu durante o início da crise financeira. Mas os dados estão cada vez mais apetecíveis: se na década de 90 os países da OCDE, em média, gastavam 3,77% do PIB em Serviço da Dívida, hoje esse valor caiu para 1,77. Dinheiro a rodos empurra normalmente para maus investimentos. Inflação demasiado baixa hiperventila os erros: da crise do Japão ao subprime, é somar exemplos. A tentação é grande: em surdina, já se ouve falar de TGV´s e novas autoestradas, muitos milhares de funcionários para renovar o Estado e afins! É música para políticos!
- Para terminar, a Gronelândia. O tema abalou a pacatez de agosto, ainda que longe de ser um desvario da administração Trump: é pura geoestratégia. Por detrás de uma oferta que parece descabida nos tempos de hoje, paira uma corrida de fundo com a China pela supremacia neste século XXI. A maior ilha do mundo é um corredor vital no acesso ao Ártico, onde Pequim sonha com uma rota da seda polar por via marítima. As reservas de petróleo e gás natural e, sobretudo, os minerais raros que o imenso gelo ártico encobre, estarão à disposição assim que o aquecimento global faça o seu trabalho. Mais do que pescas ou Zona Económica Exclusiva, mais do que posicionamento entre o Ártico e o Atlântico, a Gronelândia é a base avançada ideal para explorar o que o futuro vai descerrar: pedras e metais raros, cruciais para aplicações de alta tecnologia como veículos elétricos, turbinas de vento ou tecnologia militar. Não por acaso, a resposta dinamarquesa sublinhou uma tripla cobiça: a ilha não poderá ser compradas em dólares, yuan ou rublos…
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