Do oásis para o pântano

Andreotti dizia, de forma jocosa, que o poder desgastava muito... sobretudo a quem não o tinha! Afinal, do oásis para o pântano pode bastar apenas um passo.

Com uma campanha eleitoral onde Rui Rio se mostrou muito acima do que prometia em quatro anos de oposição, com Tancos a ensombrar António Costa e a esquerda a negar Cristo com a mesma veemência de São Pedro, basta juntar os primeiros sinais de uma crise séria na Europa para mergulharmos num impasse político.

Um cenário interessante para analistas e comentadores. Não necessariamente para os interesses da economia portuguesa. Muito menos dos portugueses. Andreotti dizia, de forma jocosa, que o poder desgastava muito… sobretudo a quem não o tinha! Afinal, do oásis para o pântano pode bastar apenas um passo.

  1. São desafios interessantes aqueles que nos esperam no domingo. O primeiro de todos: de quem ficará o PS refém? Em queda nas sondagens, rondar os 103 deputados é uma espécie de naufrágio com terra à vista. O PCP, leal e elogiado por António Costa, arrisca-se a não chegar para um acordo de maioria. Já o PAN, a cada entrevista que passa e a cada lado insubstancial que vai desnudando, afasta-se ainda mais daquela que era a solução mais confortável para um PS minoritário. Resta somar os dois para um acordo a três, mas Verdes e PAN colidem como átomos! E seria ainda mais inaudito se António Costa conseguisse inventar uma fissão a frio…
  2. A chave entre o pântano de Guterres e o oásis propagado por Mário Centeno está naquilo que vai ser a dimensão do Bloco de Esquerda. Quem escuta Catarina Martins não ousa acreditar que durante toda uma inteira legislatura segurou António Costa como primeiro ministro. E viabilizou quatro orçamentos. Apesar do Euro, do défice zero, do desinvestimento na saúde e nos serviços públicos, dos professores, dos enfermeiros, dos motoristas ou da lei do trabalho. De entre todos os políticos, Catarina Martins tem sido a mais estratégica e assertiva na comunicação, quer nas entrevistas quer na capacidade de gerar sound bites. E prepara-se para cobrar juros.
  3. E aqui começam as angústias. Depois do que António Costa disse do Bloco de Esquerda, qualquer acordo tem fatura acrescida. Remoques significam mais exigências. Mais votos implicam mais reivindicações. Mais exigências aprofundam clivagens e diminuem a amplitude de uma plataforma. Até porque António Costa, ao contrário de há 4 anos, já não luta pela sua sobrevivência política. Luta por um projeto de governação que ameaça esboroar na armadilha de ter que dar quase tudo a quase todos numa altura em que as reservas estão a acabar. O que fica por construir depois de ter revertido a troika e quatro anos de direita? É a pergunta que o futuro primeiro ministro terá de fazer a si mesmo, agora sem os meios e a docilidade de antigos aliados.
  4. Um PSD fraco, em convulsão e mergulhado numa longa noite de facas longas, poderia servir de apoio para uma governação de António Costa ao centro e à vista. Mas rondar os 80 deputados dá a Rui Rio o papel daquele jogador que, embora não tenha um grande naipe na mão, pode esperar e pagar para ver! Até porque arrisca anestesiar a oposição interna num resultado que o deverá deixar próximo de Passos Coelho num contexto PàF, a coligação expropriada da possibilidade de governar com a melhor conjuntura económica do século. Já Assunção Cristas é o elo mais fraco de uma noite eleitoral onde o resultado de uma campanha agressiva e de uma combatividade enorme nos debates e nos frente a frente não a vai catapultar para mais do que vale hoje o CDS: um partido em terra de ninguém, acantonado entre a social democracia e os movimentos emergentes de direita, entre o liberal e o radical. Parece curioso, mas Espanha nunca pareceu tão próxima…

Nota: Há um estranho Benfica que perdeu toda a alegria de jogar e que, depois de um início de época fulgurante do ponto de vista físico, se arrasta agora em campo sem soluções nem ideias. Agora, arrumou as contas da Champions e está virtualmente fora das competições europeias já em dezembro, umas escassas semanas depois de Luís Filipe Vieira falar em sonho e projeto europeu. A verdade é que Jonas e Félix – ao lado de quem Seferovic até parece grande jogador – mascaravam muita coisa, mas não explicam tudo.

Sem intensidade. Sem agressividade. Sem magia. O Benfica não fez uma jogada envolvente em toda a partida diante do Zénite, apenas remates fora da área numa equipa quase sempre mal posicionada e demasiado estática. Bruno Lage está a perder o encanto. E isso, normalmente, acaba mal perante adeptos cada vez mais exigentes. Resta saber se ainda não perdeu o plantel com sucessivas mudanças incompreensíveis.

  • Jornalista. Subdiretor de Informação da TVI

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