Socialismo Místico

Falhada a crónica perfeita da maioria absoluta, o Primeiro-Ministro tenta agora a comédia de uma “frente de esquerda” com dois traços afectuosos: não é uma frente, nem é exclusivamente de esquerda.

O Primeiro-Ministro é um comprador de promessas. A procissão socialista por todos os recantos da esquerda serve para convencer os portugueses de que a solução política será sempre de estabilidade. Sem “papel” passado, a “união de facto” funciona com todas as cores políticas de esquerda. Homem com homem; mulher com mulher; homem com mulher; qualquer variação à esquerda do universo LGBT Trans Plus. Os Socialistas não discriminam quando estão no Governo.

Falhada a crónica perfeita da maioria absoluta, o Primeiro-Ministro tenta agora a comédia de uma “frente de esquerda”. Uma frente de esquerda que exibe dois traços afectuosos — primeiro, por que não é uma frente, mas é mais uma esquina; depois, por que não é exclusivamente de esquerda, mas de todas as variações da esquerda. Na conjugação do calor e da energia, no amor insondável aos portugueses, as esquerdas costumam alimentar um ódio político de estimação pelos camaradas próximos, mas politicamente distantes.

Assim, o Primeiro-Ministro pretende liderar o leilão da consciência social à esquerda, dividindo para reinar, governando para unir, num exercício cínico em que o PS é o centro sentimental da vida política nacional. O exercício pós-eleitoral socialista projecta um maximalismo extremo que se torna quase hipnótico. Costa no seu jardim habitado pelos “duendes eléctricos” da esquerda promete manter as ilusões dos portugueses na paz da ordem, na garantia dos direitos, na promessa da prosperidade.

Mas sem “papel”, sem compromisso, o “arco da governação” é substituído pela “grande tenda”, um lugar colorido onde entra quem quer e sai quem lhe apetece. Na rota do trapézio voador ou no voo de um contorcionista, o jardim socialista poderá ser abandonado pelos gatos, vadios por natureza, transformando-se a estabilidade prometida num jardim de cimento. Costa não entende que todo o palácio político contém o místico mistério de uma prisão política.

No outro lado do país político, as sombras acumulam-se num teatro de escombros. O PSD é cliente habitual das turbulências políticas e das crises de identidade. Acontece quando se muda tantas vezes de rosto que as máscaras vão-se acumulando na desordem e no barulho.

Neste momento, o partido prepara-se para mais uma incursão psicanalítica a propósito das desventuras eleitorais. Reúnem-se no teatro habitual, assistem à farsa do costume, e depois embarcam numa discussão inconsequente e enervada sobre os destinos do partido e a herança do fundador. Há barões e baronetes, génios, candidatos e pretendentes, que de modo fulgurante e fratricida pretendem resgatar a verdadeira alma do partido.

O PSD tem a característica peculiar de não saber fazer oposição e de não saber estar na oposição. A sua matriz política coincide com a mais pura vontade de poder. Curiosa é a convicção política de um partido que pensa que só sabe fazer bem o trabalho no topo da pirâmide, no cume do poder, no conforto do Governo. Quando perdem, à saída, cruzam-se como ratos com os gatos que entram na “grande tenda” Socialista. Este tem sido o drama recorrente e cansativo do Partido Social-Democrata.

Depois há a crónica escassez de ideias políticas que coincide com a soberba acumulação de todas as ideias políticas. Eis um partido que querendo ser tudo e todos, acaba por ser nada e ninguém. Este efeito político bipolar tem como consequência a configuração de um partido que falha demasiadas vezes na energia e na visão política, ficando na dependência sistemática da autobiografia de um líder de ocasião. Esta é talvez a grande característica do PSD enquanto partido político genuinamente português, pois a sua história coincide com a autobiografia dos sucessivos líderes. Pobre na ideologia, exuberante no “personalismo”, o PSD prepara-se para exibir ao país mais um capítulo da sua infindável questão freudiana. Os portugueses deixaram de esperar pelo PSD, os portugueses deixaram de confiar no PSD. Seja qual for o próximo líder, não é apenas o problema da “refundação” do partido, por que é sobretudo o problema que recuperar a confiança política de Portugal.

Uma frase para o CDS. Desaparecido com o alívio de um sorriso na noite eleitoral, haverá de regressar numa noite de nevoeiro, entre a bruma e os rumores de um romeiro.

Depois há a grande exuberância dos pequenos partidos. Todos os circos políticos carecem de animação nos momentos mortos. A Arcádia do PAN cresce e multiplica-se; um deputado liberal floresce num país sem vestígios de tradição liberal; a primeira deputada de uma minoria étnica marca presença no Parlamento; o primeiro deputado de uma espécie populista a tocar os tiques de uma vaga “direita radical” assume o seu lugar no Hemiciclo.

Esta insignificante fragmentação da representação parlamentar representa mais os vícios da democracia estabelecida do que a virtude das “novas” propostas políticas. Na “grande tenda” Socialista, uns estão no lado de dentro a iluminar a política com os mais distintos “duendes eléctricos”. Liberais e Radicais ficam no lado de fora do pano a gritar “Contra” e a fulminar “Abaixo”. A contribuição para o progresso da nação é nula. E a prosa dos discursos sem sangue pretende acelerar a decadência e reduzir a lixo aquilo que em si mesmo já lixo é. No Portugal cansado só cresce o código para o Socialismo Místico.

* O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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