Draghi no labirinto e o fim da bazuca para Portugal
Mário Draghi está a esgotar a capacidade de defender a estabilidade financeira do euro e Portugal não está a aproveitar o tempo que o BCE deu aos países da moeda única.
Na semana passada, Mário Draghi fez um anúncio importante relativamente à política monetária do BCE. Anunciou que mantinha a taxa de depósitos em -0,4% e que reduziria o montante mensal de compras de 80 mil milhões de euros (80 bis) para 60 bis, bem como o prolongamento do programa de Quantitative Easing (QE) para além de março de 2017, pelo menos, até dezembro de 2017. Mas também anunciou que o Eurosistema (BCE e Bancos Centrais nacionais) vai poder comprar obrigações com uma taxa de juro inferior à da taxa de depósito do BCE, ou seja, com yields inferiores a -0,4%. E alargou as compras a obrigações com maturidade residual entre um e dois anos.
Como salientou o Ricardo Santos aqui no ECO, a “geringonça” no BCE tem sido bem gerida por Draghi, que tem conseguido manter a paz entre os “falcões” e as “pombas”. Ou seja, Draghi tem conseguido uma política monetária suficientemente expansionista para aguentar as taxas de juro dos países periféricos, ao mesmo tempo que vai mantendo alguma união no conselho de Governadores. Digo alguma porque é público que as votações não têm sido unânimes, e o governador do Bundesbank já por várias vezes fez críticas fortes à política monetária do BCE.
Desde 2012 que o BCE tem sido o sustentáculo dos mercados financeiros no que à dívida pública da maioria dos países europeus diz respeito. Começou em maio de 2012, com o discurso “save the euro, whatever it takes”, e desde há um ano e meio, com a “bazuca” do QE, que tanta gente pedia.
No entanto, Draghi tem agora pouco espaço de manobra. O movimento de subida das taxas de juro pela FED, que se anuncia inevitável em 2017 (ou mesmo já este mês), trará grandes dificuldades ao presidente do BCE. Por outro lado, a questão de o BCE não poder comprar mais de 33% da dívida elegível de cada país (conjugado com o limite de 33% de cada emissão), dá pouco espaço de manobra para 2017. Isto porque para a maioria dos países esse limite está praticamente alcançado.
Ou seja, Draghi tem a FED do outro lado do Atlântico a subir as taxas de juro, tem uma “bazuca” menor e começa a estar fortemente limitado na sua utilização em vários países.
Mas Draghi tem outro aspeto a jogar contra si: o tempo. É que Draghi já deu aos países da Europa cinco anos de estabilidade e baixas taxas de juro! Cinco anos! E o que fez a Europa com esse tempo? A nível das instituições Europeias pouco, mas ainda assim alguma coisa.
A Europa criou o ESM, tendo assim um mecanismo de assistência financeira aos países da zona Euro, coisa que em 2010-2011 não existia. Mas paradoxalmente, a União Europeia tem hoje o mecanismo, mas talvez já não tenha a vontade política de resgatar financeiramente países em dificuldades. E nestas coisas, a vontade política é bem mais importante que os instrumentos.
Criou a União Bancária, embora de forma muito incompleta, a começar pelo fato de o mecanismo de garantia de depósitos na prática ainda não existir. Apenas o mecanismo de supervisão está de fato em funcionamento. As regras de resolução existem, mas parece-me que foram criadas, mas ninguém vai ter coragem de as usar.
Tomem nota: temos uma União Bancária que ninguém quer usar, porque ninguém vai querer ter o ónus político de fazer pagar os depositantes pela falência de um banco.
Já ao nível dos países, foi feito ainda menos. Estes cinco anos deveriam ter sido usados para promover reformas estruturais e aumentar a competitividade da Europa. Mas a maioria dos países optou, simplesmente, por recolher os benefícios das taxas de juro baixas e do excesso de liquidez. É mais fácil gerir sabendo que há liquidez no mercado para o “roll-over” da dívida, e que, ainda por cima, será feito a taxas de juro mais baixas.
Quanto a Portugal, após a decisão do BCE, as taxas de juro, que já rondavam os 3,5% subiram e começaram a aproximar-se dos 4%.
Contudo, o problema não é de agora. No verão de 2015, Portugal tinha taxas a 10 anos de 1,5%, com spreads face a Espanha próximos de 50 bp. Agora, mesmo antes da última subida, os spreads face a Espanha já rondavam os 200 bp! Mesmo com as compras do BCE, Portugal foi o único país que viu as suas yields subirem no último ano.
O BCE apenas “anestesiou” os mercados financeiros. Mas estes claramente perceberam que um país com uma dívida pública acima dos 130% não se pode dar ao luxo de reverter num ano, quase tudo o que foi feito nos anos de assistência financeira.
À fragilidade económica junta-se assim a fragilidade financeira e a incerteza que permanentes alterações geram nos decisores económicos.
Parece-me evidente que se houver uma crise nos mercados financeiros, as yields de Portugal dispararão e rapidamente ficarão acima dos 4%, próximo mesmo dos 5%. E recordo que acima de 4% torna-se praticamente impossível refinanciar a dívida pública Portuguesa. E também me parece evidente que a “bazuca” de Draghi perdeu força. E que provavelmente será ineficaz a proteger Portugal no caso de turbulência nos mercados.
Podia ter sido diferente? Claro que muitos irão, como fizeram em 2010-2011, culpar os mercados, a Europa e a Senhora Merkel. Mas se Portugal tivesse mantido o ímpeto reformista, teria continuado a crescer e a ter taxas de juro muito baixas. E estaria hoje em condições muito mais favoráveis para enfrentar os tempos adversos e os ventos de tempestade que se aproximam.
“Se os nossos príncipes de Itália, depois de governarem, vierem as perder os seus reinos, que não acusem a sorte, mas sim a falta de coragem”. Maquiavel
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