A Deputada Única e a Liberdade LIVRE

O colapso das grandes narrativas políticas, Liberal e Marxista, deixa à superfície da política os fragmentos de um deserto e de um desastre feitos de fragmentos de ideias esquecidas ou reinventadas.

O LIVRE não escolheu um candidato a deputado. No exercício de um amplo processo de democracia participativa, o LIVRE teve como propósito escolher uma convergência de tendências políticas na figura de uma pessoa promovida a símbolo de uma causa. O símbolo da causa interpretou-se como a causa em si mesma, logo o ridículo e infantil conflito entre o LIVRE e a “Deputada Única”. Nada disto é sério, especialmente vindo de um partido político que se leva a sério.

O episódio da Palestina é um sopro dentro de um cubículo. O que importa é que a “Deputada Única” entende o seu mandato como uma propriedade individual, um chamamento da consciência, o desempenho histórico de mudar o Mundo, mas não sabe como votar sobre a Palestina. Se existe uma unanimidade na Esquerda fragmentada e impulsiva é sobre a questão da Palestina. No Médio Oriente domina a cor sépia e o sangue palestino. Qual é a dúvida?

O que importa sublinhar é que a “Deputada Única” reúne na circunstância da sua pessoa três visões do Mundo pós-marxista que juntas perfazem uma estranha e ortodoxa ideologia, a saber: a ideia de justiça social; a política da identidade; e o peculiar universo político da interseccionalidade.

A justiça social é a mais disseminada e abrangente das tendências, tanto mais que incorpora na própria designação o antídoto da resistência contra qualquer esboço de oposição – ninguém tem coragem hoje para defender a “injustiça social”. Depois vem a política da identidade, o fórum onde a justiça social é a ideologia afirmativa e dominante. O efeito resulta numa fragmentação das sociedades em grupos de interesse antagónicos e de acordo com o género, a etnia, a opção sexual, sendo estas identidades o impulso moral para a intervenção política.

Na lógica da política da identidade a sociedade é atomizada, organizada em torno do discurso das identidades renovadas e exclusivas. Finalmente, a interseccionalidade é a sobreposição ou a intersecção de identidades sociais e sistemas relacionados de opressão, dominação ou discriminação. O resultado político projecta-se no ajuste perpétuo das identidades e vulnerabilidades e na procura de uma organização social de um novo sistema de justiça.

A “Deputada Única” consegue preencher positivamente todas as quadrículas do formulário progressista. Neste sentido, o LIVRE não tem uma deputada, mas uma versão “mandatada” com uma visão fechada, dogmática, intolerante, inflexível, que não se comporta como um actor político porque assume a personalidade moralmente superior de um compêndio político. E como todos os compêndios políticos, a “Deputada Única” é a estátua de uma causa, um repositório vazio de palavras soltas.

O LIVRE entrega a representação parlamentar não a uma perspectiva construtiva de uma visão à Esquerda, pois através da “Deputada Única” o que se manifesta é o ressentimento histórico, a perpétua identificação de inimigos e não de soluções, a crítica de uma organização social que se afirma como motor da opressão e da exploração, sexista por definição, patriarcal por essência, racista por natureza. Na economia geral da sociedade democrática, para a “Deputada Única” tudo são relações de poder que só podem ser ultrapassadas e dissolvidas pela desconstrução das estruturas estabelecidas de dominação – no panorama artificial da política é o discurso das sociedades radicais democráticas porque absolutamente igualitárias.

O que torna toda a situação ridícula e incompreensível é o facto da “Deputada Única” ser destituída de qualquer sensibilidade para o princípio do contraditório, por exibir uma lógica abusiva e absurda no seu discurso político, por ser completamente opaca à disfunção hipócrita do seu discurso político.

Na bipolaridade discursiva de uma visão política simplista, porém de uma verbosidade exponencial, na superioridade moral de uma postura pessoal e política que desafia o mínimo aceitável, a “Deputada Única” acrescenta nada à política portuguesa e parece não pretender acrescentar nada à política portuguesa. Seja no estatuto de privilégio que reclama, seja pela exibição da “fluidez de género” na figura de um assessor, o contributo político resume-se à exibição pública de uma personalidade que representa todas as definições e todas as prescrições de um estereótipo da política contemporânea. A “Deputada Única” não pretende fazer política, pois o seu projecto pessoal e intransmissível é a destruição da política.

O colapso das grandes narrativas políticas, Liberal e Marxista, deixa à superfície da política os fragmentos de um deserto e de um desastre feitos de fragmentos de ideias esquecidas ou reinventadas. Não existe um destino positivo na política, apenas o reflexo fantasma de uma economia moral miserável e em decadência política. O discurso político está transformado num romance histórico que abre as portas para um mundo secreto feito de conspirações, traições, vítimas, sobreviventes. O mundo redondo das emoções está em conflito com o mundo plano do poder. A “Deputada Única”, na sua aparente ingenuidade, está no vórtice deste conflito, um vórtice que absorve ódio e que projecta ódio. A “radicalidade discursiva de base democrata e igualitária” não é uma proposta política, mas a negação da política em deslocação rápida para os trópicos. É o mundo fechado no lado extremo do espelho.

Nota: Por opção própria o autor escreve ao abrigo do anterior acordo ortográfico.

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