A economia portuguesa em 2020
Os riscos não são somente de natureza externa. Há um risco de natureza interna e não meramente conjuntural, a perda de produtividade.
Ao que parece, no debate que se avizinha sobre o Orçamento do Estado do próximo ano, o Governo prepara-se para manter inalterada a previsão de crescimento da economia portuguesa para 2020 em 2%. Entre as entidades oficiais que acompanham a evolução da economia portuguesa e cujas estimativas de crescimento são disponibilizadas no sítio do Conselho de Finanças Públicas (CFP), a estimativa do executivo é a mais alta de todas, sendo que o CFP avança com uma previsão de 1,7%. Ou seja, o Governo está relativamente optimista.
Sobre os 2% do Governo para 2020, a primeira apreciação do CFP à estimativa do executivo deu-se em Abril passado, num relatório anexo ao então Programa de Estabilidade 2019-2023, tendo o CFP endossado a referida estimativa, porém, com a seguinte advertência: “As previsões para este período encontram-se enquadradas dentro do limite de previsões prováveis, ainda que contemplem riscos descendentes acrescidos para o crescimento da economia, que são de natureza sobretudo externa”. Ora, desde Abril, a conjuntura não melhorou. Pelo contrário, a conjuntura deteriorou-se e os riscos agravaram-se.
E na minha opinião, para além do que refere o CFP, os riscos não são somente de natureza externa. Há um risco de natureza interna e não meramente conjuntural que tem sido desvalorizado. Refiro-me à perda de produtividade na economia portuguesa. Assim, se realizarmos um exercício de contabilidade do crescimento económico, para medir a produtividade total de factores, concluiremos que no período 2014-2018 houve perdas de produtividade num contexto de crescimento económico acima da média. Por este caminho, o PIB potencial não aumentará e, assim, a reversão para a média (ou para valores abaixo da média) será apenas uma questão de tempo.
Por outras palavras, a acumulação de capital e o aumento do factor trabalho, registados no referido período, não foram acompanhados de um modo geral do progresso tecnológico. É verdade que há mais capital fixo na economia portuguesa, essencialmente privado (porque o público quase não cresceu), e que também há mais pessoas a trabalhar, porém, da combinação de ambos não saiu uma melhor forma de trabalhar nem um melhor perfil de crescimento da economia portuguesa. Naturalmente, esta caracterização reflecte o agregado da economia, pelo que haverá certamente casos de maior e de menor sucesso.
Corroborando a evidência anterior, a produtividade aparente do trabalho, a relação entre a variação do PIB (real) e a evolução do emprego, também diminuiu no período 2014-2018. Este intervalo de anos (completos) marca o recente período ininterrupto de crescimento da economia portuguesa, desde que esta começou a crescer no final de 2013, durante o qual o emprego cresceu a ritmos superiores aos do produto. Em 2019, ter-se-á dado o oposto, mas não o suficiente para alterar a estrutura do fenómeno. Além disso, o crescimento do emprego tem acontecido sobretudo nos serviços, onde nos últimos anos o valor acrescentado bruto tem crescido menos do que na média da economia como um todo.
Assim, numa altura em que o crescimento do emprego parece ter estacionado e sem que se vislumbrem ganhos expressivos de produtividade – bem pelo contrário, conforme exposto antes –, o crescimento do PIB encontra-se fortemente condicionado. E a isto acresce ainda o facto de o valor acrescentado bruto por trabalhador (a preços constantes de 2016) se encontrar estagnado no conjunto da economia, desde 2014, e até em declínio no sector dos serviços (para onde foi maioritariamente o emprego criado desde então).
O crescimento da economia portuguesa em 2020, segundo as projecções disponibilizadas pelo CFP, estará sobretudo dependente do consumo privado, a exemplo do que sucede desde há muito, e em menor grau do investimento. Relativamente ao consumo privado, os salários reais estão a crescer moderadamente, mas se os mesmos forem comparados com a produtividade do trabalho concluir-se-á que os salários estão a crescer aceleradamente. A prazo, não será sustentável. Quanto ao investimento, será curioso observar de que forma compensará o Governo, através do investimento público em 2020, a eventual retracção do investimento privado caso os riscos descendentes se materializem.
Nos últimos anos, o Governo PS esteve sobretudo preocupado em atender às suas clientelas políticas em função do peso eleitoral das mesmas. Recorde-se o IVA da restauração, as subidas extraordinárias das pensões, as actualizações do salário mínimo, a eliminação da sobretaxa de IRS e o crescimento do emprego público.
Para tal, a preocupação orçamental do Governo esteve em maximizar a cobrança fiscal nos restantes impostos, levando a que as receitas fiscais crescessem acima da taxa de crescimento do PIB nominal (e conduzindo a carga fiscal ao máximo histórico), e, ao mesmo tempo, também em minimizar a provisão de bens, serviços e investimento públicos. Relativamente a este último ponto, é de sublinhar que em 2018 a despesa final de consumo público (excluindo salários) acrescida da formação bruta de capital fixo do Estado foi de apenas 8,2% do PIB – o valor mais baixo desde que entrámos para o euro.
O crescimento registado em Portugal desde 2015, acima da média face ao PIB potencial e face à zona euro, resultou em parte das reformas implementadas pelo Governo PSD-CDS, sobretudo na área laboral e na habitação/imobiliário, e em parte de efeitos conjunturais como a aceleração do crescimento mundial nos últimos anos, a política monetária ultra acomodatícia do BCE, ou as políticas de estímulo ao consumo do Governo PS. Mas, independentemente da melhoria das condições de contexto, que também contribuíram para o crescimento das nossas exportações (sobretudo de serviços), não houve mudança estruturalmente significativa em matéria de valor acrescentado na economia portuguesa. E, assim, continuamos à mercê das condições de contexto. Hoje melhores, amanhã piores.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o antigo acordo ortográfico
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