Trump é mais estratégico que as suas palavras
O que Trump fez foi erigir um primeiro paredão no projeto de poder iraniano para o Médio Oriente, mas regenerou um regime que estava sob grande pressão interna.
Kahmenei foi hábil e encontrou o equilíbrio entre a necessidade de vingança e uma resposta que não implicasse uma guerra total. Ficou-se por um ataque simbólico. Já Trump restabeleceu o equilíbrio no Médio-Oriente em termos de força, mesmo se as palavras são desastradas e as ameaças incompreensíveis: fizeram um favor ao regime mais medieval, retrógrado e anacrónico do planeta.
- O Mundo está na iminência de uma guerra no Médio Oriente? Claramente negativo. O Irão nunca atacará diretamente os Estados Unidos. Está cercado por bases, não tem poder nuclear – nem nunca o terá, porque Israel e Washington jamais o permitirão – e seria um suicídio desafiar a supremacia tecnológica ocidental. A habilidade de Kahmenei foi vingar sem exasperar, num delicado jogo de equilíbrios, onde o próximo sacrificado poderá ser Israel, através de um ataque do Hezbollah. Daqui por uns meses, talvez mais um ataque a uma embaixada ou base militar. Mas nunca de forma ostensiva, antes sub-reptícia, como alguém que atira a pedra e esconde a mão. Na prática, muito por via das dezenas de organizações que Teerão financia. Um ataque frontal colocaria em risco a sobrevivência do próprio regime dos Aiatolás: Kahmenei não vai querer que lhe aconteça o mesmo que a Saddam Hussein.
- Os Estados Unidos precisavam de dar uma resposta no Médio-Oriente depois dos episódios em que a sua autoridade foi minada: ataque a petroleiros, drones abatidos e, ainda mais desafiante, um assalto à embaixada em Bagdad que chegou a durar dois dias, mesmo no virar do ano. Uma escalada sem precedentes na ambição iraniana de expandir a sua influência numa região estratégica onde gravitam dois dos maiores aliados americanos: Arábia Saudita e Israel. Na teoria da dissuasão, a administração americana obrigou o Irão a não escalar, reconhecendo que os benefícios de uma retaliação mais forte seriam infinitamente inferiores aos ganhos. Foi isso que Trump fez, mesmo se as palavras usadas desvalorizam o resultado estratégico alcançado.
- O que Trump fez foi erigir um primeiro paredão no projeto de poder iraniano para o Médio Oriente. Uma ambição que aproveita o vazio criado pela queda de Saddam Hussein, o facto do Iraque ser maioritariamente xiita e o fracasso de anos da política americana para a região. O desacerto de Washington começou com a avidez de Bush e Rumsfeld pelos poços de petróleo iraquianos e acabou num Estado falhado, com a retirada das tropas norte-americanas em 2011. Regressaram em 2014 para combater o ISIS – forjado na minoria sunita que foi corrida do poder no Iraque e dominava o exército de Saddam – e deparam-se com uma crescente influência das milícias xiitas coordenadas por Soleimani e pagas pelo Irão.
- ISIS e Irão odeiam-se e são extremos opostos do Islamismo. Mais interessante é que são dois atores favorecidos pela tradicional política americana de avançar impulsivamente sem cuidar do futuro. Foi o desagregar do Estado iraquiano e o combate ao ISIS – em que as milícias xiitas se envolveram em paralelo com os Estados Unidos – que germinaram a crescente influência iraniana no país. E que passou rapidamente para a economia e depois para a política: a Fatah, controlada por Teerão, chegou a segunda força no parlamento iraquiano nas eleições de 2018.
- Se o assassinato de Soleimani gravou uma mensagem clara quanto ao potencial americano face às veleidades do Irão, implicou outras consequências assimétricas. Trump regenerou um regime que estava sob grande pressão interna e debaixo de críticas internacionais. Qualquer contestação que vise uma mudança da liderança política será agora duramente reprimida. Pior ainda: quando se ameaça destruir património da humanidade ao falar de alvos culturais, já não é um regime que está em causa, mas todo uma civilização. Desceu ao nível dos talibans, quando apontaram os lança rockets aos Budas de Bamiyan e destruíram 2000 anos de História.
- Os mercados reagiram sem sobressalto. A ideia de uma guerra absoluta foi desde o início entendida como improvável e a ameaça de encerrar o Estreito de Ormuz – uma via de comércio vital para o mundo – só iria tornar a situação económica de Teerão ainda mais exangue: a China é o maior cliente do petróleo iraniano e ambos dependem dessa saída. No fundo, nada que comprometa seriamente um 2020 reanimado pelo esfriar da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Afinal, Trump quer ser reeleito e importa manter a América no maior ciclo de sempre em termos de crescimento e no mais baixo desemprego das últimas 5 décadas.
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