Bitcoin: É realmente uma moeda alternativa?
Bitcoin não irá constituir uma verdadeira alternativa monetária. Ainda está longe de ser um intermediário de trocas comerciais e irá sempre enfrentar a oposição dos governos.
No final de 2017, todo o mundo começou a falar da nova criptomoeda, o Bitcoin. Esta popularidade deveu-se à subida meteórica da sua cotação, tendo atingido 20 mil USD, aproximadamente, no final desse ano, tornando na maior bolha especulativa da história da humanidade.
Deste então, muita gente anuncia que o Bitcoin irá substituir a maioria das moedas que actualmente utilizamos – um monopólio governamental operado através de bancos centrais.
Para analisar o possível sucesso do Bitcoin, importa, em primeiro lugar, indagar o motivo porque os seres humanos necessitam de moeda.
Como sabemos, em sociedades primitivas, sem divisão do trabalho, os seres humanos realizavam trocas directas. Ou seja, se eu necessito de peixe, mas apenas tenho carne para dar em troca, necessito de encontrar alguém que necessite precisamente do contrário e que esteja disposto, não só, a realizar uma transacção, bem como, a aceitar um determinado preço. Por exemplo, se eu proponho 1 kg de carne por 2Kg de peixe, pode a outra parte não aceitar; provavelmente, apenas está disposta a transaccionar 1Kg de carne por 1Kg de peixe como termo de troca. Como vemos, a troca directa é extremamente difícil e impossível de colocar em prática numa economia moderna.
Desta forma, o aparecimento da troca indirecta resultou precisamente da necessidade de superar esta dificuldade, em particular na obtenção do encontro de vontades entre duas partes.
A resolução para este problema resultou da procura por matérias-primas líquidas, ou seja, aquelas que tinham a maior “mercado” – as mais dejadas pela comunidade. Assim, trocavam a sua produção por esta matéria-prima, para posteriormente a venderem no mercado, em troca do bem que pretendiam. Assim nasceu a troca indirecta.
Durante este processo, várias matérias-primas emergiram, no entanto, apenas uma foi eleita para intermediar todas as trocas comerciais de uma determinada comunidade.
Esta matéria-prima passa a beneficiar de dois tipos de procura: (1) a sua utilização na produção de outros bens; (2) na intermediação de trocas comerciais, ou seja, uma procura monetária.
A concorrência entre várias matérias-primas como meio de pagamento sempre gerou um processo inexorável de eleição de uma única, passando esta a considerar-se dinheiro. Dada a sua enorme liquidez, toda a comunidade passa a utilizá-la em todas as trocas comerciais.
Ao longo da história, o homem utilizou distintas matérias-primas como dinheiro: sal (origem da palavra salário), conchas ou tecidos. Todas as funções da moeda derivam da sua eleição como intermediária única das trocas comerciais: como seguidamente se irá constatar.
A primeira é a unidade de conta, ou seja, todos os bens e serviços de uma determinada comunidade passam a ser medidos em unidades de dinheiro. Constatamos isso todos os dias, quando pagamos 0,56 euros por um café ou 10 euros por um bilhete de cinema.
Esta função tem especial relevância para a tomada de decisões, em particular para os empresários quando decidem investimentos. Antes de um empresário enveredar por um determinado projecto, tem que estimar receitas, custos e investimentos. Se não existisse moeda era impossível tomar qualquer decisão. Imaginemos que um dado empresário vende produtos agrícolas, tai como: maças, bananas e tomates. Ao somar kgs de maças, bananas e tomates e depois comparar com os custos, por exemplo, horas de colaboradores, torna-se uma missão impossível tomar qualquer decisão, excepto se tudo está denominado numa única unidade.
A moeda também serve para intermediar crédito. Importa recordar que o crédito é um processo de diferimento de consumo presente. Ou seja, trata-se de alguém que a troco de um sacrifício, decide, por exemplo, consumir 40 maças daqui a 2 anos: para tal, exige receber em cada ano 2 maçãs, 5% ao ano. Será possível tal transacção? Não é impossível, mas de difícil execução, pois existem vários problemas, entre os quais o mais importante: qual a qualidade e tamanho das maçãs a receber daqui a 2 anos?
Assim, todas as transacções de crédito são realizadas através de dinheiro, em que se acorda uma determinada taxa de juro, tendo sempre em conta que os seres humanos preferem o consumo presente ao consumo futuro, o que significa que as taxas de juro são obrigatoriamente positivas, ao contrário do propalado e decretado pelos bancos centrais na actualidade.
Por fim, e última função, a reserva de valor. Ou seja, a moeda eleita deverá assegurar que caso alguém deseje adquirir um bem daqui a 5 anos, usando dinheiro em troca, este irá manter o seu poder aquisitivo sobre os bens e serviços de uma sociedade. Ou seja, se, por exemplo, eu hoje adquiro um carro por 1Kg de ouro e tenho a percepção que irei necessitar da mesma quantidade daqui a 5 anos, utilizo o ouro como reserva de valor, pois posso armazená-lo e estar descansado que o seu poder aquisitivo se irá manter ao longo do tempo.
A dificuldade em desempenhar a função de reserva de valor foi um problema importante apontado a muitas matérias-primas no passado, pois ao longo do tempo, perdem as suas características, ou seja, são perecíveis.
Vamos imaginar cigarros, uma das moedas utilizadas em prisões e campos de concentração. Ao fim de algum tempo deterioram-se e não permitem adquirir a mesma quantidade de bens e serviços, atendendo que são perecíveis e não apresentam as mesmas características com o decorrer do tempo.
Adicionalmente, a qualquer momento, poderá surgir uma nova tecnologia que permita produzir a matéria-prima em enormes quantidades, resultando na redução da sua escassez e, por conseguinte, na sua perda de valor.
Como sabemos, o ser humano valoriza o que é mais escasso, tal como determina a lei da utilidade marginal. Se um agricultor possui cinco cavalos equivalentes, irá utilizar o primeiro na necessidade mais urgente – puxar um arado, por exemplo- e o quinto na sua necessidade menos urgente – carregar feno, por exemplo. Ou seja, quanto mais necessidades são satisfeitas, através da disposição de quantidades adicionais, menor é a importância que um ser humano atribui a um determinado bem. Por essa razão, quando os portugueses exploraram a costa africana durante o período dos descobrimentos, as populações africanas aceitavam trocar ouro por espelhos, pois este últimos eram inexistentes nessas sociedades.
Um dos grandes problemas do excesso de quantidade de uma determinada divisa é precisamente o que chamamos de inflação. Se num determinado momento um maço de cigarros custa 2 Euros e passado algum tempo 5 euros, significa que o poder aquisitivo da moeda sobre os bens e serviços de uma dada sociedade diminuiu. Por essa razão, a boa moeda é precisamente aquela que não sofre esta erosão.
Foram precisamente as características dos metais preciosos, em particular o ouro, que as tornou as moedas eleitas pela humanidade durante milénios. Senão vejamos: são facilmente divisíveis, podendo-se fundir e cunhar em diferentes tamanhos (moedas, lingotes…); as suas características mantêm-se inalteradas ao longo de milhares de anos, ao contrário de outras matérias-primas que são perecíveis; até ao momento, ainda não existe outro método de as obter, para além da exploração mineira, limitando, desta forma, a quantidade existente.
A actual experiência que estamos a viver, em que as notas e moedas que transportamos não são convertíveis em metais preciosos, não é inédita. A China foi o primeiro país do mundo a usar papel moeda não convertível em metais preciosos, ou seja, baseada apenas na confiança depositada no governo – o detentor do monopólio da emissão. Foi durante a dinastia Yuan (1271–1368) que esta experiência foi tentada, terminando em hiperinflação, em resultado da emissão em excesso de papel moeda para financiar guerras; como todos sabemos, algo muito dispendioso.
Para nossa desgraça, o actual estado social é mais dispendioso que as guerras, em que os políticos para comprarem eleições prometem subsídios, pensões e ajudas sem os correspondentes recursos; no final, a única solução, consiste em imprimir moeda. Por isso, os Bancos Centrais, todos os dias, afirmam que a inflação é baixa para justificar a compra de obrigações emitidas por estados em apuros, caso contrário, nenhum particular, no seu perfeito juízo, as compraria. Para estas compras, necessitam, obviamente, de emitir moeda sem limites, justificadas ao abrigo de nomes altissonantes: “afrouxo monetário quantitativo” ou “alívio quantitativo” – sabe Deus onde encontram estes nomes.
O aparecimento das criptomoedas, destacando-se destas o Bitcoin (BTC), visou, precisamente, combater o monopólio dos Bancos Centrais. O grande argumento dos entusiastas desta nova proposta monetária foi o limite da sua expansão – a emissão máxima do Bitcoin são 21 milhões de moedas virtuais –, a independência face aos bancos centrais, supondo que a privacidade das transacções incrementa, e a facilidade e os baixos custos das transferências, ao contrário das moedas tradicionais que, regra geral, ainda implicam elevados custos no processamento de transferências.
Efectivamente, em países com problemas de hiperinflação, como a ditadura socialista na Venezuela, o Bitcoin tem-se relevado uma boa alternativa, atendendo que muitos habitantes destes países a utilizam para proteger as suas poupanças. É fácil e simples, atendendo que o controlo governamental destas transferências é complicado.
Apesar de todas estas vantagens, no meu entender, o Bitcoin não irá constituir uma verdadeira alternativa monetária. Em primeiro lugar, ainda está longe de ser um intermediário de trocas comerciais, ou seja, o número de lojas e negócios que a aceitam como meio de pagamento ainda é muito reduzido.
O Bitcoin irá sempre enfrentar a oposição dos governos. Estes últimos têm uma voracidade incessante por mais impostos, pelo que necessitam de controlar todas as transacções dos seus cidadãos, visando assegurar que nada se lhes escapa. Além disso, os governos possuem uma arma muito poderosa nos tempos modernos: a liquidação de impostos é necessariamente realizada na moeda oficial do governo. Infelizmente, hoje a carga fiscal atinge 40% ou mais do PIB em vários países, obrigando a uma procura pela moeda do governo para que os pagamentos de impostos se possam processar.
A nacionalização do sistema financeiro também diminuiu a possibilidade de sucesso das moedas virtuais. Hoje, os bancos comerciais são simples repartições dos Bancos Centrais, pelo que também se opõem a negócios que necessitam da abertura de contas para captar depósitos e processar pagamentos. Obviamente, a simples menção de uma moeda virtual pode eliminar a sua possível cooperação.
A possibilidade de uma moeda virtual vir a ser utilizada numa grande maioria de pagamentos, ou seja, na intermediação de trocas comerciais entre empresas e particulares, ainda está muito longe de ser uma realidade e afigura-se, no meu entender, difícil.
Outra importante objecção também se poderá colocar ao seu sucesso, talvez a mais importante. A escassez, ao contrário do propagado pelos entusiastas das criptomoedas é algo que não existe, apesar de toda a publicidade. Sendo verdade que o Bitcoin tem um limite de emissão, o número de moedas virtuais que podem aparecer é praticamente infinito, senão vejamos: Ethereum, Litecoin, Dash e Ripple são apenas algumas das múltiplas criptomoedas que apareceram nos últimos anos. Ou seja, aquela que podia ser a sua principal vantagem, apresenta-se como a sua principal debilidade. Tal como os governos podem emitir quantidades infinitas, com o simples carregar de um botão no computador, as criptomoedas também podem aparecer como cogumelos.
Este entusiamo reflectiu-se no seu preço nos últimos anos, tornando-se na maior bolha especulativa da história da humanidade, superando a euforia da Tulipa Negra no séc. XVII.
No final de 2017, a loucura especulativa atingiu o clímax, com o Bitcoin a ser negociado num valor próximo de 20 mil USD. Entre o princípio de 2017 e o máximo que atingiu no final desse mesmo ano, o retorno foi de 2.150%! No entanto, desde então, iniciámos uma tendência descendente até Maio de 2019, onde o preço rompeu uma resistência importante em torno aos 6 mil USD por Bitcoin. Esta nova tendência ascendente esgotou-se em Junho/Julho de 2019, iniciando-se a formação de uma bandeira, que foi rompida recentemente, apesar de um “pull-back” à linha de resitência dessa formação, no sentido ascendente. Em conclusão, do ponto de vista técnico, as perpectivas para os próximos tempos é positiva.
Em conclusão, as características do Bitcoin, bem como de todas as criptomoedas, não parecem habilitá-la como alternativa. A sua escassez é um mito e a sua emergência como moeda não resultou de um processo natural de mercado, em que os agentes para realizar trocas comerciais procuraram a matéria-prima mais líquida, ou seja, a que tem mais “mercado”, para utilizá-la na transacção final no bem ou serviço que desejavam.
A oposição dos governos não augura um caminho fácil, atendendo ao peso dos impostos e do estado em que se encontra o actual sistema financeiro: praticamente nacionalizado.
Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
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