A saúde já é um negócio
Os defensores da gestão pública na saúde não acreditam verdadeiramente que seja melhor do que a gestão privada, por isso usam o argumento falacioso de que a saúde não pode ser um negócio.
O acesso universal a cuidados de saúde é hoje um pilar das democracias em grande parte dos países desenvolvidos. Uma das grandes conquistas civilizacionais que o crescimento económico do último século permitiu foi termos recursos suficientes para garantir o acesso a cuidados de saúde a todas as pessoas.
Na discussão política em Portugal é habitual abanarem-se espantalhos retóricos como forma de evitar discussões sérias. Um desses espantalhos é do que quem propõe alterações ao modelo de gestão da saúde quer acabar com o acesso universal. Um argumento que tenta evitar discussões necessárias apelando ao medo da perda de algo tão essencial como o acesso a cuidados de saúde. Uma desonestidade própria de quem é incapaz de esgrimir melhores argumentos.
O outro argumento para evitar uma discussão séria é o de que a saúde não pode ser um negócio. Este argumento é particularmente ingénuo (na melhor das hipóteses) porque a saúde já é um negócio. A saúde é um negócio para médicos, enfermeiros e outros funcionários, todos pagos para exercerem a sua profissão (nalguns casos mal pagos, mas isso é outra história).
A saúde é um negócio para quem vende equipamento e medicamentos aos hospitais. A saúde é um negócio para quem fornece serviços de segurança, alimentação e limpeza aos hospitais. A saúde é um negócio para quem constrói e faz obras em hospitais. Para todos estes intervenientes na prestação de cuidados de saúde, a saúde já é um negócio, e ainda bem que assim é. Se não fosse um negócio haveria muito menos médicos, enfermeiros, medicamentos e equipamentos porque seriam poucas as pessoas disponíveis para fazê-lo de borla. Sempre que o governo tenta fingir que a saúde não é um negócio, pagando mal a pessoal e atrasando pagamentos a fornecedores, o sistema de saúde sofre: falta equipamento, pessoal e medicamentos.
Grande parte da saúde é um negócio porque só assim é que pode ser prestado um bom serviço. É assim tanto em hospitais públicos como em privados. A diferença entre estes dois modelos é saber se a gestão de todos estes negócios em torno da saúde deve ser feita sob uma perspectiva política (como no sector público) ou empresarial (como no sector privado).
Para percebermos a diferença entre estas duas abordagens podemos voltar a 2015. Segundo António Costa, em 2015 havia falta de meios no SNS e dezenas de milhares de pessoas em listas de espera. Perante esta situação, uma gestão empresarial procuraria contratar mais pessoal, convencer o pessoal existente a trabalhar mais horas e investir em mais equipamento (é isso, aliás, que têm feito os privados nos últimos anos). Já António Costa fez uma gestão política: reduziu o horário de trabalho dos funcionários, aumentou salários, diminuindo o investimento para compensar. Em vez de resolver os problemas, agravou-os, porque o seu objectivo principal não é servir os doentes, mas sim ganhar votos. Quando se faz uma gestão empresarial premeiam-se os melhores médicos e enfermeiros, quando se faz uma gestão política trata-se todos por igual porque o voto dos maus profissionais vale tanto como o dos bons.
A gestão privada também traz custos, claro. Um dos quais é a remuneração dessa gestão através do lucro, mas as margens de lucro no sector da saúde tendem a ser muito baixas (menos de 2% no caso das PPPs na saúde). Alguém acredita que as perdas de ineficiência por haver gestão política dos hospitais não são muito superiores aos 1% a 3% que os privados recebem de lucro?
Independentemente de acreditarem ou não, só existe uma forma de perceber qual o que funciona melhor: colocá-los ao mesmo nível em termos de financiamento, permitindo que seja o doente a escolher onde quer ser tratado.
Se uma consulta custa X num hospital público, porque não permitir ao doente pegar nesse mesmo montante X e ter a consulta noutro hospital evitando listas de espera? Até quem considera que um sistema de gestão público é mais eficiente não deveria ter nada a temer com a atribuição de liberdade de escolha aos utentes.
Afinal, se for mesmo melhor, nada mudaria: os hospitais públicos continuariam a receber os mesmos pacientes e o mesmo financiamento. Com uma diferença importante: desta vez as pessoas poderiam escolher.
O que a oposição à liberdade de escolha revela é uma profunda insegurança de quem defende o modelo de gestão pública. Se acreditassem que esse é o melhor modelo, não teriam qualquer receio com a liberdade de escolha. Mas não acreditam verdadeiramente que seja melhor e por isso usam o argumento falacioso de que a saúde não pode ser um negócio quando a saúde já é um negócio em tudo menos na gestão (a componente que funciona pior). Escolhem um modelo pior, sabendo que é pior, sabendo que ficam consultas e operações por fazer, pessoas por serem atendidas, apenas por cegueira ideológica.
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