O Colégio Eleitoral e o poder da União

Os EUA têm um modelo político assente no Colégio Eleitoral, o que permitiu que Trump ganhasse as eleições com menos dois milhões de votos do que Clinton. Mesmo assim, deve manter-se.

Esta segunda-feira, Donald Trump foi confirmado pelo Colégio Eleitoral como presidente dos Estados Unidos. Tomará posse no dia 20 de janeiro, seguindo a tradição do “inauguration day”. Colocará a mão esquerda sobre a Bíblia e com a mão direita levantada fará o juramento solene: “I do solemnly swear that I will faithfully execute the Office of President of the United States, and will to the best of my ability, preserve, protect and defend the Constitution of the United States”.

Contudo, Trump teve cerca de dois milhões de votos a menos que Hillary. Foi a quarta vez, em 200 anos de Democracia, que os Estados Unidos tiveram um presidente com mais votos no Colégio Eleitoral, mas com um voto popular inferior ao do seu opositor. Aconteceu em 1876 com o presidente Hayes e em 1888, com o presidente Cleveland. E claro, todos nos lembramos da eleição de George W. Bush em 2000.

Estas duas eleições, a de 2000, e a do passado mês de novembro, relançaram o debate sobre se o Colégio Eleitoral faz sentido? Ou seja, se os Estados Unidos deveriam passar para um sistema em que o voto no Presidente fosse um voto direto, ganhando o candidato em que o maior número de pessoas tivesse votado.

Neste sistema eleitoral, cada pessoa vota num candidato presidencial, mas em cada Estado (o Maine e o Nebraska são a exceção) o candidato mais votado recolhe todos os grandes eleitores (que irão depois votar no Colégio Eleitoral). Ou seja, mesmo que um candidato tenha um milhão de votos e o seu opositor um milhão e um voto, será o segundo a ficar com todos os votos no Colégio Eleitoral referentes a esse Estado.

A somar a este aspeto, há um outro, menos visível: os estados mais pequenos têm uma representação maior. Por exemplo, o Estado da Califórnia tem cerca de 34 milhões de habitantes e 55 votos (o que dá cerca de 700 mil por voto). O New Hampshire tem cerca de 1,4 milhões de habitantes e quatro votos (o que dá 300 mil por voto). O Wyoming é o Estado mais pequeno, com 600 mil habitantes e três votos, o que dá 200 mil por voto.

Importa, antes de mais, perceber o porquê de a Constituição Americana, datada de 1787, ter estabelecido este sistema eleitoral. Na altura, as 13 colónias que se tornaram independentes demoraram cerca de 10 anos a estabelecer a sua Constituição.

Ao contrário do que muito julgam, não foi um processo fácil. Durante muito tempo houve sérias dúvidas que após a independência, as 13 colónias viessem a formar um único Estado.

Um dos motivos apontados pelos Founding Fathers (sobretudo Hamilton e Madison, nos Federalist papers) era criar um sistema em que fosse mais difícil a um tirano usar o populismo para ganhar a eleição. Note-se que os Estados Unidos, ao contrário da Europa, nunca tiveram nem fascismo, nem comunismo.

Mas a principal razão era dar poder aos pequenos Estados. Já na altura, as colónias tinham populações e dimensão muito díspares. A forma de atenuar os conflitos foi o de promover algum equilíbrio de poder na representação de cada estado no poder Federal (e daí a capital Washington ter ficado no “District of Columbia”, e não no estado do Maryland, de forma a que nenhum estado invocasse o privilégio de ter a capital).

Contudo, nos dias de hoje, é o Colégio Eleitoral um anacronismo?
Na minha opinião: Não.

Não deixo de reconhecer que em alguns Estados pode levar a que algumas pessoas não votem, dado que o seu voto não tem impacto. Por exemplo, um Republicano na Califórnia ou um Democrata no Texas sabem que dificilmente o seu candidato sairá vencedor no seu Estado.
Mas creio que as vantagens para um país como os Estados Unidos são várias, e superam as eventuais desvantagens.

A principal vantagem é que o sistema de Colégio Eleitoral, junto com o Senado (que elege dois senadores por Estado, independentemente da população, tendo o Congresso, esse sim, uma composição em virtude da dimensão de cada Estado), que permite aos Estados Unidos manterem há 200 anos a sua União (mesmo com uma guerra civil).

Num sistema de votação direta, os candidatos centrariam a sua campanha nos grandes Estados, e mesmo dentro destes, nas principais cidades e centros urbanos (cerca de 50 condados têm cerca de metade da população Americana). Isto levaria a que grande parte do país se sentisse excluído, ou pelo menos esquecido.

Nenhum candidato faria campanha no Iowa, no New Hampshire ou no Colorado, por exemplo. Os candidatos centrariam toda a sua campanha nos grandes estados, como a Califórnia, o Texas, o Michigan, a Florida ou Nova Iorque. Se a isso se somasse uma representação apenas pelo Congresso, e não pelo Senado, levaria a que uma parte significativa do país fosse esquecida, quer nas eleições, quer depois na governação.

Uma nação federal tem obrigatoriamente de equilibrar os poderes. De outra forma, se a grande maioria dos estados e o campo rural se sentirem marginalizados, que incentivo têm para continuar na União?

A importância de um Colégio Eleitoral para os Estados Unidos é vital. Mas esta experiência deveria também ser útil para a União Europeia.
Quando a União Europeia foi fundada, os seis países fundadores também se dividiam em três países grandes (França, Alemanha e Itália, embora os últimos dois com o peso de terem sido derrotados na 2ª Guerra Mundial) e três países pequenos (Bélgica, Holanda e Luxemburgo).

A forma de equilibrar as forças foi estabelecer que as decisões mais relevantes teriam de ser tomadas por unanimidade. Esse princípio manteve-se praticamente inalterado até ao dia de hoje. Se a unanimidade a seis pode não ser difícil, a 28 é simplesmente impossível. E se a esta inércia juntarmos o facto de que, muitas vezes, os países grandes tendem a não cumprir as regras (veja-se no caso orçamental), existe hoje um problema de representatividade na União Europeia.

E nesse sentido, olhar para a experiência americana, de equilíbrio de poder entre estados muito díspares, de forma a reforçar a União, seria seguramente útil para a Europa.

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