Coronavírus. A política orçamental tem de atuar rapidamente

Se em 2010 o mundo mudou, e houve imaginação suficiente para impedir a desagregação do euro, porque não há agora a mesma imaginação para reduzir ao máximo as consequências de uma crise como esta?

O impacto económico do coronavírus é ainda incerto já que depende do tempo que irá demorar até a epidemia estar minimamente controlada. No entanto, é cada vez mais evidente que será maior do que o esperado, mesmo há uma semana. Depois da China, é cada vez mais certo que a Europa passará também por uma recessão. Na maioria dos cenários, e tomando a China (com restrições acentuadas) e Coreia (com menos restrições) como referências, a epidemia só deverá “passar” no final da primavera, levando a praticamente dois trimestres de forte quebra da atividade económica.

Assim, tal como no final de 2008, chegou a hora da intervenção dos bancos centrais e, principalmente, dos governos. Mas quais as lições a retirar da crise financeira de 2008/2009?

A crise de 2008, foi uma crise ao nível da procura. A crise financeira e o elevado endividamento das famílias e empresas levaram a uma forte contração do crédito. Contração essa que levou a uma forte quebra da procura (principalmente do consumo privado e investimento).

Desta vez é mesmo diferente. Estamos perante um choque com impacto não só na procura, mas principalmente na oferta, havendo assim pouca margem para a politica económica impedir uma recessão no curto prazo. No entanto, a política económica pode, e deve, evitar efeitos permanentes desta crise, garantindo que este choque não degenere numa quebra permanente da oferta devido a menor confiança ou falência de empresas. Deve ainda evitar o contágio entre setores, e principalmente que a fragilidade dos setores mais expostos (turismo, viagens e industria) passe para o balanço dos bancos.

Ao contrario de 2008/2009, ou de outros episódios de grande incerteza e de volatilidade nos mercados, a presente crise não está a deteriorar as condições de financiamento de Estados nem sequer, para já, dos bancos. Isto deve-se não só ao baixo nível de taxas de juro, mas principalmente devido à grande intervenção dos bancos centrais no mercado, que asseguram uma liquidez incomparavelmente superior à verificada há 12 anos.

Tendo em conta estas condições, a capacidade de intervenção dos bancos centrais para contrariarem uma recessão global é bastante reduzida. Podem reduzir o seu impacto, mas dificilmente a conseguem contrariar. Basta constatar que mesmo depois do corte de 50 pontos das taxas de juro por parte da FED na passada semana, os mercados continuaram, ou acentuaram a tendência de aversão ao risco.

Nesta fase, e com medidas “tradicionais”, como cortes de taxas e compras de ativos, os bancos centrais apenas conseguem garantir liquidez (algo que já existe generalizadamente), e taxas baixas para os bancos, empresas e governos (algo que também se verifica).

Na última semana tem surgido um (raro) consenso entre as várias instituições internacionais, intervenientes de mercado e economistas de vários quadrantes: pertence aos governos o principal papel para contrariar (ou minimizar) esta crise. Genericamente, a política orçamental deve focar a sua intervenção em duas áreas prioritárias:

  1. Conter a doençaConter a doença passa não só por garantir todo o financiamento aos sistemas de saúde, mas também por garantir que as medidas restritivas de circulação não são adiadas por se temer o seu impacto na atividade económica e por arrasto nas finanças publicas. Por outras palavras: as restrições orçamentais não devem impedir que se combata a epidemia – algo crucial para países como Portugal.
  2. Mitigar os seus impactos económicos de curto e de médio prazo.Em primeiro lugar, os governos devem evitar que esta crise severa mas de “curto” prazo, tenha um impacto permanente. Isso passa por evitar que as empresas ou setores com problemas de liquidez devido à epidemia acabem por falir, reduzindo a oferta e aumentando o desemprego. Concretamente, esta mitigação pode passar por linhas de crédito ou garantias financeiras para os setores mais afetados, mas também eventualmente cortes de impostos (ou de contribuições sociais) para estes setores. Especificamente, no curto prazo, nos casos do turismo ou do sector têxtil em Portugal importa garantir que quando a procura regressar ainda exista o mesmo nível de oferta para a aproveitar.

    Para além disso, e para evitar efeitos de médio prazo, os governos devem também intervir caso este choque e a incerteza a ele associada levem também a uma quebra do consumo privado e/ou do investimento por parte das empresas dos setores menos diretamente afetados. Neste caso, tal como em 2009, os governos devem aumentar o investimento público (não a despesa corrente) para compensar a quebra da procura agregada.

Há ainda assim, há duas lições a tirar da crise de 2008/2009 que se aplicam na situação atual.

A primeira lição prende-se com a necessidade de coordenação global. Em 2009, a economia global só começou realmente a recuperar assim que os governos e bancos centrais se coordenaram e acordaram estímulos orçamentais e monetários concretos a uma escala global. Na semana passada, as reuniões do G7 e do Eurogrupo, ainda que tenham sido primeiros passos importantes para uma resposta global, resultaram em muito pouco. Tendo em conta a velocidade da progressão da epidemia, o seu cada vez mais evidente impacto económico, e a deterioração das condições dos mercados financeiros, é precisa uma resposta concertada e concreta nos próximos dias, não semanas.

A segunda lição foi que nem todos os governos tinham a mesma capacidade de intervenção. Como ficou claro alguns anos depois, com a crise da área do Euro, os Estados mais endividados acabaram por pagar a fatura. Desta feita, tal como há 12 anos, nem todos os estados Europeus têm a mesma capacidade. A Itália, está até em piores condições financeiras do que na altura. Não existem ainda instrumentos financeiros europeus suficientemente robustos para casos como este. Mas urge criá-los. Porque não criar um fundo Europeu para financiar (pelo menos) as despesas diretas com esta epidemia?

Já em 2010, não existiam mecanismos de resgate da área do euro, mas foram criados dada a urgência. E este caso, é pelo menos tão urgente como o resgate da Grécia e dos outros países em dificuldades… Já se vai falando em retirar as despesas com saúde das metas orçamentais ou até mesmo em relaxar estas mesmas metas. Mas uma crise como esta não é contrariada com meros ajustes contabilísticos, já que mesmo que não contem para os objetivos de Bruxelas, as despesas acabam por contar sempre para a dívida…

Há 10 anos, os países da moeda única entenderam que uma crise financeira nos mais frágeis afetava também os mais ricos. Agora, estamos na mesma situação quer no que respeita à saúde e à economia. Neste caso, uma intervenção orçamental coordenada tornaria não só todas as ações individuais mais eficazes economicamente, mas teria também uma maior eficácia em termos de saúde publica.

Assim, se em 2010 o mundo mudou, e houve imaginação suficiente para impedir a desagregação do euro, porque não há agora a mesma imaginação para reduzir ao máximo as consequências de uma crise como esta? Quantas mais semanas terão que passar para o mundo (voltar a) mudar?

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