O que é uma catástrofe económica? É isto

O que se está a passar é uma catástrofe económica. Por razões sanitárias as pessoas estão altamente limitadas no desempenho das funções centrais na equação da economia: produzir e consumir.

Há dois dias, no Twitter, li o desabafo de Carlos Fernandes, responsável numa cadeia de restauração: “O meu dia de trabalho: Andar de loja em loja a informar as pessoas que não vai ser renovado o contrato ou demitir quem se encontra no período experimental, tudo devido ao coronavírus. As quebras nas vendas estão nos 70%. Puta de sorte”. Explicou que há lojas com quebras de vendas de 90% porque os centros comerciais começaram a ficar vazios e os clientes não aparecem. São cerca de três dezenas de pessoas que perdem o emprego para tentar manter os outros cerca de 200.

Não é difícil adivinhar que neste momento há centenas de Carlos Fernandes e de empresas com a mesma sorte e largos milhares de trabalhadores que, de um momento para o outro, ficaram sem emprego. As estatísticas vão mostrá-lo brevemente.

E daqui por menos de duas semanas, quando chegar o momento de pagar ordenados, muitas empresas vão ver-se impedidas de o fazer porque não há dinheiro. Em muitos sectores do consumo, em que a quebra da procura foi quase instantânea e em que a tesouraria vive dos fluxos de caixa de curtíssimo prazo, esse drama vai ocorrer.

O que se está a passar é uma catástrofe económica. Por razões sanitárias as pessoas estão impedidas ou altamente limitadas no desempenho das duas funções centrais na equação da economia: produzir e consumir.

E perante isto não há milagres. Se assim tivermos de ficar durante um ou dois meses – e as perspectivas, neste momento, não são mais bondosas do que isso – as economias vão parar completamente para além daquilo que é o fornecimento e consumo dos bens e serviços básicos: água, luz, combustível, alimentação, transportes essenciais, comunicações, informação, conteúdos e entretenimento online.

Mesmo áreas não relacionadas directamente com o consumo, como os serviços prestados entre empresas, estão a sofrer um abalo. Ainda que em muitos casos se tenha optado pelo teletrabalho, isso não é a mesma coisa, há projectos cancelados ou adiados, há uma travagem em tudo aquilo que não seja absolutamente essencial para manter a empresa a funcionar até passar a crise. Quando? Não sabemos.

A imagem do efeito dominó é estafada mas é a que melhor se adequa.

É provável que esta crise seja mais profunda do que a crise financeira e 2007-2008, com uma maior e mais rápida queda do PIB. Mas a boa notícia – se há boas notícias no meio da “guerra” que estamos a viver – é que a recuperação deverá também ser mais rápida.

Porquê? Porque esta ruptura não é provocada por nenhum desequilíbrio, excesso ou práticas ilegais do sistema económico e financeiro – não é que não os haja, simplesmente desta vez não são eles que estão na origem da crise – mas por um factor demolidor externo absolutamente inesperado, de difícil controlo e de impacto global.

Espera-se, por isso, que passada a crise pandémica tudo regresse rapidamente à normalidade. Nessa altura, as pessoas deverão voltar às suas rotinas habituais, de trabalho, de consumo e de lazer.
Até lá perde-se obviamente muita produção porque uma boa parte do que as empresas estão a deixar de vender já é irrecuperável. A viagem, o congresso, o jogo de futebol ou o jantar fora que deixaram de se fazer já não se fazem.

Previsivelmente, a economia sairá desta crise com um nível maior de desemprego do que o que tínhamos no início do ano e haverá muitas empresas que não vão sobreviver.

Porque não eram viáveis? Não, aqui não há lugar a lógicas shumpeterianas de destruição criativa. Há empresas que não sobrevivem porque não estão preparadas – nem têm de estar – para fechar portas durante dois ou três meses, deixarem de ter qualquer receita – ou verem as receitas reduzidas a 10% ou 20% do normal – e ainda assim sobreviverem suportando custos fixos que se mantêm: rendas e alugueres, salários, obrigações contratuais, juros, etc.

Uma crise como esta nada nos diz sobre a viabilidade e competitividade de cada empresa. Quanto muito, pode dizer-nos sobre a folga de tesouraria de cada uma mas isso é outra coisa.

Este é então o tipo de emergência onde as políticas públicas e as acções do Estado têm um papel absolutamente fundamental para fazer a ponte entre o início e o fim da crise, amortecendo ao máximo o seu impacto devastador em cidadãos e empresas – para além, claro, de todo o reforço de meios que são necessários na Saúde para lidar com a crise.

As medidas que já foram anunciadas pelo Governo – e que estarão em preparação na União Europeia – vão nesse sentido. Linhas de crédito de emergência para acorrer ao rombo na tesouraria das empresas, condições para amortecer custos fixos durante períodos de layoff, flexibilização dos prazos de pagamento das obrigações perante o Estado, apoio aos rendimentos das famílias durante o período em que estejam afastadas do local de trabalho.

São certamente medidas iniciais que deverão ser reforçadas à medida que a crise de desenvolver. O seu sucesso vai depender da rapidez, clareza e facilidade com que possam chegar a cidadãos e empresas. Temos de assumir o risco de abusos e de oportunismo que acontecem sempre.

Do lado financeiro, compete essencialmente aos bancos centrais garantir que a crise sanitária e económica não resulta numa crise financeira e bancária num momento em que muitos agentes económicos terão dificuldades em cumprir os seus compromissos de crédito. A liquidez fornecida aos bancos é essencial, pois estes são o veículo para a fazer chegar às empresas.

No caso concreto da União Europeia e da Zona Euro, espera-se uma coordenação efectiva e co-financiamento das políticas e medidas numa crise que é global e transfronteiriça. Importa também prevenir que este choque económico não acaba numa segunda crise das dívidas públicas, como aconteceu há uma década.

Porque uma coisa é certa: os défices vão subir bastante e, com eles, a dívida também vai aumentar. E bem, porque se há cenário em que o Estado deve abrir os cordões ao orçamento e praticar políticas contra-cíclicas este é precisamente um desses cenários.

A despesa vai subir porque todas as medidas custam dinheiro e o pagamento de subsídios de desemprego aumenta. E a receita vai cair porque o consumo e os rendimentos caem.
A amplitude destes movimentos é, neste momento, incalculável.

Quem nunca quis perceber porque é que os Estados devem ter as contas equilibradas ou excedentárias nas fases positivas do ciclo económico, cá está a resposta.

Como as contas públicas portuguesas estão, neste momento, virtualmente equilibradas, há pelo menos uma margem de 6.000 milhões de euros até se chegar a um défice de 3% do PIB – isto se considerarmos o limite que está no Pacto de Estabilidade e que poderá ser suspenso.
Temos agora, e pela primeira vez em muitas décadas, uma boa margem para acudir à crise, deixando funcionar os estabilizadores automáticos.

É preciso agir depressa, sem hesitações e com medidas efectivas e com dimensão suficiente.
Este não é o tempo de disputas partidárias ou ideológicas oportunistas e descabidas.

Nem tão pouco o momento para discussões bizantinas. Estar agora a discutir se vai haver ou não orçamento rectificativo é ridículo e totalmente fora de tempo. É como estar a debater em pleno incêndio do Chiado se após a reconstrução as paredes iam ser pintadas de branco de ou amarelo.

O Orçamento do Estado que está para promulgação presidencial já está manifestamente desactualizado mas é o que temos e deve entrar em vigor. Não há neste momento condições nem informação para o refazer. Mais tarde no ano, se os limites de despesa e de dívida ultrapassarem os que foram autorizados pelo Parlamento, haverá orçamento rectificativo. Essa formalidade é, neste momento, a nossa menor preocupação e os líderes políticos têm mais com que se incomodar.

Nota: por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

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