Acts of God: Covid-19 e Direito de Exceção

Os Estados têm que estar preparados para lidar com fenómenos como o Civd-19. Há que perceber: o Direito de exceção começa a ser a regra.

Os anglo-saxónicos costumam apelidar como “Acts of God” os fenómenos naturais que afetam de forma súbita a vida das pessoas e o tráfego comercial. É o caso dos terramotos, incêndios, inundações ou surtos pandémicos como o que atualmente nos atinge.

Para além dos danos que podem causar às pessoas e economia, os Acts of God perturbam também o normal desenvolvimento dos contratos. Por essa razão, é normal que os contratos contenham cláusulas contratuais que disponham sobre o que fazer quando ocorram factos de força maior.

O objetivo é simples — promover o equilíbrio das prestações perante a ocorrência de outbreaks que tornem impossível ou injustamente penosa a obrigação de cumprir os contratos. Quando assim suceda, concede-se ao devedor o direito de suspender o contrato, de requerer uma prorrogação do seu prazo de execução, de exigir o reequilíbrio das prestações ou, no limite, de resolver o contrato.

A doutrina do Act of God existe para dar cobertura a estes casos.

Alguns países, como é o caso de Portugal, dispõem de leis gerais que cobrem estas situações.

No nosso caso, a lei geral dispõe que se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência do cumprimento das obrigações não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato (artigo 437.º do Código Civil).

Por outro lado, a lei laboral admite a possibilidade de os contratos de trabalho serem suspensos em caso de crise empresarial por factos decorrentes de catástrofes que afetem a atividade normal da empresa, se tal for indispensável para assegurar a sua viabilidade e a manutenção dos postos de trabalho (artigo 298.º do Código do Trabalho).

Todavia, se é verdade que estas disposições gerais já existem, é normal que perante Acts of God particularmente gravosos o Estado tenha de intervir e criar regras execionais mais expeditas, simples e protetoras.

Foi o que sucedeu recentemente, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 10 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus — COVID 19, sendo expectável que este diploma seja “confirmado” por lei da Assembleia da República, atendendo a que contém inúmeras medidas que restringem direitos fundamentais e que se inserem na relativa de competência legislativa do Parlamento (artigo 165.º da Constituição).

As medidas de apoio extraordinário envolvem:

  • Um regime excecional de contratação pública e autorização de despesa;
  • Um regime excecional de composição de juntas médicas, de recursos humanos e aquisição de serviços no sector da saúde;
  • Um regime excecional de suspensão de atividades letivas;
  • Um regime excecional de limitação de acessos a espaços públicos;
  • Um regime excecional de adiamento de diligências processuais;
  • Um regime excecional de proteção na doença e na parentalidade;
  • Um regime excecional de apoio a trabalhadores independentes; e de reforço do teletrabalho.

Por outro lado, foram criados em sede laboral: um regime de Lay Off Simplificado; incentivos financeiros para apoio à normalização da atividade da empresa; e a isenção temporária do pagamento de contribuições para a Segurança Social, a cargo do empregador.

Perante circunstâncias excecionais, exigem-se regimes excecionais.

Há quem note, porém, que infelizmente a excecionalidade começa a ser regra.

Ontem, foram os incêndios de Pedrógão, na Austrália e Califórnia; hoje, temos o COVID 19; quanto ao futuro, a comunidade científica vai-nos alertando para o facto destes fenómenos pandémicos se poderem repetir de forma cada vez mais regular. Perante isto, há que reagir.

Os Estados têm que estar preparados para lidar com estes fenómenos; a ciência tem que ser apoiada para das respostas; o Direito, por fim, também tem que se adaptar, estando preparado para criar regimes de exceção.

Há que perceber: o Direito de exceção começa a ser a regra.

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