A Internet é a nova rua

O esforço conjugado das autoridades, docentes e alunos para manter um sistema de aprendizagem com as escolas encerradas, tem chocado com a ausência de acesso a computadores e a redes de qualidade.

Não aconteceu de repente. A Internet já era uma “rua” por onde circulavam informação, serviços, dinheiro, lazer, conexões pessoais e profissionais e soluções colaborativas em múltiplos domínios. Com o confinamento imposto pelas normas para fazer face à pandemia, para uma grande percentagem das pessoas deixou de ser uma rua, para passar a ser a rua.

O teletrabalho, o ensino à distância, as plataformas de encomendas com entrega rápida, o uso partilhado de meios de deslocação, os serviços públicos online, o trabalho colaborativo e as cadeias virtuais de produção são apenas alguns dos múltiplos exemplos do que já fazíamos na rua, em casa, no escritório, no laboratório ou na fábrica, com recursos às redes de comunicação e transmissão de dados.

Entre 2005 e 2011, com particular ênfase nos primeiros 4 anos, dado o tsunami financeiro que se abateu sobre os últimos dois, Portugal foi pioneiro na aplicação de uma estratégia de cooperação pública e privada para preparar o País para a nova era tecnológica.

A resiliência do País à crise, a apetência externa por jovens trabalhadores portugueses durante o ciclo de austeridade e empobrecimento que se seguiu, o reconhecimento de Portugal como uma plataforma para o empreendedorismo, a atração sistemática de empresas com necessidade de trabalhadores qualificados no domínio das tecnologias da informação e o elevado desempenho relativo em termos da disponibilidade de serviços públicos online, são alguns dos frutos de uma agenda pública e privada para melhorar o potencial de conhecimento, tecnologia e inovação, que se designou por Plano Tecnológico e que agregou mais de 100 medidas concretas.

Passou uma década. Antes da pandemia alertei várias vezes para a necessidade de Portugal relançar de novo uma agenda transversal de capacitação digital, procedendo à atualização das tecnologias, das ofertas e da literacia dos cidadãos, fazendo um esforço redobrado para diminuir a dupla exclusão que sofrem todos os que por razões económicas, técnicas ou de competências não tem acesso ao que lhe pode ser proporcionado através de uma internet de qualidade. Com a pandemia e o confinamento profilático de milhões de portugueses, aquilo que era uma medida necessária tornou-se uma prioridade absoluta.

O esforço conjugado das autoridades, dos docentes e dos alunos para manter um sistema de aprendizagem com as escolas encerradas, tem chocado com a ausência de acesso a computadores e a redes de qualidade por muitos docentes e discentes. Alguns serviços públicos passaram a estar disponíveis apenas online. O acesso seguro a muitos bens de primeira necessidade, sobretudo para os grupos de maior risco, ganhar em ser feito por encomendas à distância. A saúde psicológica em confinamento é protegida com a multiplicação de contactos virtuais com quem mais gostamos ou com quem nos pode ajudar. A possibilidade de contactar virtualmente com grupos de risco, suspeitos ou infetados também facilita a monitorização da crise pelas equipas especializadas.

Os exemplos que enumerei são apenas alguns dos muitos que justificam que numa segunda vaga do pacote de emergência, Portugal e a União Europeia se empenhem no lançamento de um plano ambicioso de generalização do acesso a computadores e a internet de alta qualidade para todos os cidadãos e em todos os territórios.

A iniciativa WIFI4EU, um exemplo piloto que visa levar a internet gratuita de alta qualidade aos espaços públicos de toda a União tem enfrentado algumas barreiras burocráticas, mas pode ser facilmente escalado e enriquecido com um sistema de autenticação única para acesso a conteúdos de interesse geral.

Em Portugal é preciso conjugar recursos públicos e também a colaboração dos produtores de equipamentos, das entidades formadoras e das operadoras, para avançar com uma agenda de capacitação urgente de toda a população para as oportunidades tecnológicas que podem ajudar a responder melhor à pandemia e ao mesmo tempo preparar o País para o relançamento económico e social que se seguirá.

A Internet é a nova rua. Esperemos que em breve passe a ser de novo apenas mais uma rua, mas mesmo que seja apenas mais uma, deve ser uma rua pública e onde todos possam circular. Sem estigma tecnológico. Sem exclusão social e económica. Para o bem comum.

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