Inovação viral para combater o vírus
A partilha de soluções desenvolvidas por cidadãos comuns podem contribuir significativamente para aumentar a capacidade de resposta à pandemia.
Há poucos dias chegaram-nos no Brasil imagens de um confessionário “drive-thru”, uma originalidade de um padre de Santa Catarina, que não quis deixar os seus fiéis sem a possibilidade de se confessarem durante a quarentena neste período Pascal, respeitando ao mesmo tempo o distanciamento social. O sacerdote instalou o confessionário no estacionamento da igreja e os fiéis aproximam-se de carro, podendo confessar-se sem sair do veículo.
Costumamos dizer que a necessidade é mãe de muitas invenções. Se de facto isso é verdade, como o exemplo do confessionário “drive-thru” parece confirmar, uma situação como a pandemia que atualmente vivemos (em que há mais de 1,5 milhões de infetados e mais de 100.000 mortos), deve ser um período propício ao aparecimento de muitas inovações. E de facto isso é verdade e tem-se observado em todos os domínios, em que da saúde às atividades sociais, da higiene ao isolamento, têm aparecido soluções interessantíssimas para ajudar a pessoas a lidar com esta nova situação.
Na Patient Innovation, uma plataforma digital global sem fins lucrativos que criámos com o objetivo de promover a partilha de soluções inovadoras desenvolvidas por doentes e cuidadores para lidar com uma doença, identificámos num curto espaço de tempo cerca de 60 soluções viáveis e seguras que temos vindo a publicar no site criado para o efeito e o número aumenta diariamente.
Estas soluções foram desenvolvidas por cidadãos comuns, incluindo também profissionais de saúde, startups e empresas. As soluções concentram-se em diferentes tópicos que variam desde ferramentas médicas incluindo ventiladores e máscaras protetoras, iniciativas comunitárias organizadas por voluntários para colmatar dificuldades criadas pelo isolamento social (por exemplo, compras para grupos em risco), e serviços oferecidos por grandes empresas ou instituições (por exemplo, robôs para ligar para membros da família em casas de repouso).
Em termos quantitativos, prevalecem as soluções direta ou indiretamente relacionadas com ventiladores em que recebemos mais de 20 inovações, merecendo destaque os projetos de novos ventiladores low-cost e open-source de simples produção, como o exemplo do ventilador português da OpenAir, ou o OxiGEN de Barcelona, entre outras iniciativas semelhantes que surgiram em vários países europeus. Outra abordagem para colmatar os problemas de escassez de ventiladores tem sido a utilização dos ventiladores já existentes para servir simultaneamente vários doentes a partir do mesmo ventilador. Há também exemplos de impressão 3D de componentes necessários à ventilação, como sejam a impressão de válvulas.
Numa categoria diferente, existem muitas soluções relacionadas com os novos desafios relacionados com higiene. Por exemplo, os alunos de uma escola primária no sul de Taiwan criaram um robô em peças Lego que distribui automaticamente desinfetante para as mãos, para que as crianças possam esterilizar as mãos sem tocar na garrafa, reduzindo o risco de infeção. Nos EUA, um antigo “sem-abrigo”, percebendo os problemas que os milhares de sem-abrigo iriam enfrentar relacionados com a dificuldade de manter higiene adequada (e.g. lavar as mãos), lançou uma rede de estações para lavagem de mãos para estes cidadãos que foram espalhados em Atlanta e depois alargada a outras cidades.
Depois há um conjunto vasto de soluções de natureza social que incluem as redes de apoio às populações mais vulneráveis, por exemplo, para compras de mercearia ou medicamentos.
A partilha rápida destas soluções, ou dos planos de fabrico, pode ser de enorme utilidade para toda a sociedade. Em Itália, Christian Fracassi e Alessandro Romano, engenheiros de profissão, aperceberam-se que as máscaras de snorkelling da Decathlon poderiam ser adaptadas de modo a serem usadas nas UCI para ventilação de doentes em estado grave e logo puseram mãos à obra. Estas máscaras têm estado a ser usadas por vários hospitais italianos com grande sucesso e levaram outros a criarem máscaras ainda melhores, como a Pneumask, desenvolvida por uma engenheira biomédica de Stanford durante a sua quarentena.
Veja-se também como a partilha de designs de viseiras protetoras e dos respetivos códigos para impressão 3D permitiu que, em todo o mundo, dezenas de milhares de voluntários e empresas imediatamente começassem a contribuir para um esforço coletivo de produção destes equipamentos, colmatando as inesperadas necessidades mercado. Ou como a partilha de planos de produção de máscaras protetoras (de tecido, plástico e outros materiais) está a permitir que a produção massiva de máscaras de diferentes designs se tornasse “viral”, envolvendo interessantes inovações, como a produção de máscaras transparentes que permitem a surdos fazer leitura de lábios.
A Patient Innovation reúne hoje um portfólio de mais de 1200 inovações validadas medicamente (não apenas para COVID-19) e é usada por mais de 120.000 utilizadores frequentes de todo o mundo, refletindo-se em mais de 1 milhão de visitas por ano – tendo o trafego da plataforma aumentado significativamente nas ultimas semanas em busca de soluções viáveis, seguras e gratuitas para ajudar as pessoas a lidar com a pandemia, e que podem ser vistas aqui.
Esta experiência da Patient Innovation mostra como a partilha de soluções desenvolvidas por cidadãos comuns podem, em complemento a outros esforços desenvolvidos por cientistas e empresas para encontrar uma vacina ou desenvolver melhores testes e fármacos, contribuir significativamente para aumentar a capacidade de resposta à pandemia que estamos a viver, bem como futuras eventuais vagas pandémicas ou outros desastres naturais.
O Prémio Nobel da Medicina Richard Roberts disse a propósito desta abordagem: “Eu acho que essa é uma ideia muito criativa e útil, porque quando as pessoas se deparam com uma situação difícil, elas geralmente apresentam soluções bastante inovadoras para si próprias, mas nem todos criam o mesmo. Se houver um fórum no qual eles possam compartilhar suas soluções, isso poderá ser muito útil para outras pessoas, pois algumas pessoas olharão e perceberão que poderiam combinar algumas dessas ideias e apresentar uma solução ainda mais inovadora e útil.”
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