Helicopter money em tempo de Covid-19
Os governos continuam a querer intervir num problema novo e de dimensões inesperadas com ferramentas económicas convencionais e que já falharam no passado.
O mundo já viveu várias crises económicas. Em 1929, a superprodução pós-guerra levou ao crash da Bolsa de Nova Iorque e arrastou o mundo para uma crise global. Quase um século depois, o mundo enfrentou nova crise, desta vez provocada pelo setor financeiro — a chamada crise do sub-prime. O denominador comum foi a falência das empresas, o crescimento exponencial do desemprego, a quebra do consumo e a consequente depressão económica.
O SARS -Cov -2 apanhou o mundo desprevenido e não se consegue antever o fim da pandemia nem as suas consequências sanitárias. Na economia, porém, os resultados já são evidentes, ainda que a dimensão seja proporcional ao tempo necessário para resolver a questão sanitária. Os impactos (se os governos não utilizarem medidas económicas não convencionais) serão idênticos aos das duas crises descritas: falência das empresas, o crescimento exponencial do desemprego, quebra do consumo e uma depressão sem precedentes.
Os governos continuam a querer intervir num problema novo e de dimensões inesperadas com ferramentas económicas convencionais e que já falharam no passado. Há que lançar mão de novas medidas.
Enquanto as ciências da vida testam medicamentos e procuram vacinas, a ciência económica já tem à sua disposição as ferramentas de que precisa.
Entre outras, do chamado Helicopter Money, termo com origem numa imagem de Milton Friedman: um banco central literalmente atira dinheiro do céu a partir de um helicóptero. O objetivo é semelhante à ideia de ir consultar o saldo bancário e ter dinheiro extra na conta, dinheiro que serviria para dinamizar a economia através do aumento do poder de compra e consequente procura.
Mais recentemente, o conceito foi promovido por Adair Turner. Segundo ele, a ideia de Friedman é simples e ilustra três verdades cruciais: podemos sempre estimular a procura nominal criando moeda fiduciária; se imprimirmos demasiada, provocaremos inflação prejudicial; mas, se imprimirmos apenas uma pequena quantidade, produziremos apenas efeitos pequenos e potencialmente desejáveis. Willem Buiter concorda e vai ao ponto de afirmar que o Helicopter Money não só resulta, como resulta sempre. Esta ferramenta tem vindo a ter um crescente apoio de outras figuras de relevo, como Paul Krugman, Tony Yates, Adair Turner e até Mario Draghi.
O que nos impede, então, de o usar? O debate tem vindo a ser alimentado pelas preocupações relativas ao controle da inflação, particularmente na Europa e no Japão. Os guardiões da estabilidade monetária optaram pelo Quantitative Easing para fazer descer os custos dos empréstimos, depois de fazer descer as taxas de juro que eles próprios controlam. O método convencional de estímulo monetário não conseguiu fazer o milagre de que precisámos há dez anos, mesmo quando as taxas de juro foram reduzidas até zero e depois para valores negativos, e não vai conseguir o milagre de que precisamos agora. Ao mesmo tempo, os governos têm sido incapazes, ou não têm tido vontade, de implementar estímulos fiscais através da descida de impostos ou de aumentar o consumo, o que coloca pressão nos bancos centrais.
Todavia, nem o QE nem o HE chegam para resolver o problema do sobre-endividamento herdado do passado. Há que assumir que há dívida que nunca poderá ser paga. Tecnicamente, a solução também é possível. A vontade e as implicações políticas é que poderão impedir que seja tomada.
A pergunta que se deixa aos líderes e decisores é quanto custa “aterrar uma economia e fazê-la novamente levantar”? E se estão dispostos arcar com as consequências futuras da falta de coragem de tomar medidas ambiciosas hoje. Na dúvida, não devemos hesitar na aplicação de medidas não convencionais. Para situações excecionais, medidas excecionais. Como disse Einstein, “loucura é querer resultados diferentes fazendo tudo igual”.
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