Ventura e outras desventuras
A combinação de compreender a comunidade, associada a uma oratória que tem a sua raiz «no homem que diz as verdades» é diabólica num político astuto.
É de ódio que se alimenta um populista. É do ressentimento e ira da comunidade que ele vai sugar a sua energia. Depois, vitimizando-se, usa as chamadas de atenção de pessoas racionais que percebem o seu oportunismo ao fomentar a semente da divisão, agrega a minoria que vai crescendo, sentindo que ele é o paladino ideal que monta um cavalo branco contra os males do sistema. Quanto mais se falar de André Ventura mais ele aumentará a sua expressão social e eleitoral.
Relembro para os mais esquecidos que durante a pandemia, nos tempos iniciais, ele saiu do radar. E para voltar teve de encenar uma demissão da liderança do Chega marcando eleições para Setembro para clarificar uma oposição interna que ninguém sabe quem é. Porque um populista sem media não vale nada, sem ruído nem algazarra a sua base dilui-se e é por isso que Ricardo Quaresma, ou quem escreveu aquele texto por ele, tem toda a razão do mundo e eu subscrevo, mas veio colocar os holofotes num homem que sem luz não tem dimensão. E ainda contou com mais o disparate do CDS ao atacar Rui Tavares por estar na telescola, algo que era mentira, para provar que o partido de Amaro da Costa está morto mas só o Chicão e amigos não entenderam, enquanto o Chega lhe vai comendo espaço sem cessar.
Eu não desqualifico André Ventura, não lhe chamo imbecil, pateta ou nulidade, como já vi por aí. Pelo contrário, é um homem inteligente e que ganhou traquejo mediático. Ora, esta combinação de compreender a comunidade, associada a uma oratória que tem a sua raiz «no homem que diz as verdades» é diabólica num político astuto e torna-se perigosa. Com o tempo os que o apoiam irão descobrir que ele é igual aos outros, apenas isso. Quando tiver dimensão de poder, terá inevitavelmente de «centrar-se» e assim perderá a narrativa do cavalo alado contra o sistema. Assim acontece com todos os populistas. São artesãos do caos, não são anjos da ordem. São puros como a lama e não transparentes como as fontes mais cristalinas.
Mas até lá têm de levar com ele. Para já as suas tropas são fracas e falta um estratega, uma equipa com notoriedade, porém, a subida nas sondagens atrairá quem aguarda pelas delícias do poder e outros quadros com valor poderão engrossar as suas fileiras. Ainda não descobriu outros filões para lá do discurso que os descamisados querem ouvir, essa é uma lacuna que terá de colmatar. Se afinar os temas fracturantes e não abusar deles, se descortinar dois temas que entrem num eleitorado de centro-moderado, aí é um caso sério e até o PSD, este pobre, abúlico e desvitaminado PSD de Rui Rio, sentirá na pele o seu crescimento. Tal como ainda não se descobriu a vacina contra o Covid-19, também não se vislumbra cura para o populismo a não ser o confinamento e o silêncio. E até este texto que pretende desmontar esta praga contribui para o alastramento desta pandemia, a do populismo, apenas porque falei nela.
Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia
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