Discurso na Autoeuropa

Governo está parado, mas gesticula imenso esmagado pela maior pressão que deriva do facto de Portugal ser o “milagre da Europa”.

Comove os Portugueses até às lágrimas os dramas do Governo da República. Em plena crise de saúde pública, na plenitude de uma crise social, na véspera de uma crise económica, o Governo resolve desenterrar os velhos truques da pequena e medíocre política à portuguesa. Auditorias, descoordenação interna, falta de comunicação, desautorização do Primeiro-Ministro, e no poço da morte roda o Ministro das Finanças como traidor da Nação e ambicioso sem escrúpulos. O dinheiro público flui em cascata para cobrir as incompetências seculares. O Presidente da República como qualquer patriota indignado defende o Primeiro-Ministro que promove o Presidente a Candidato Presidencial do Partido Socialista. Existe uma lógica absurda e demagógica irresistível na ilusão de um intervalo na pandemia. As incontinências marcelistas e o oportunismo costista têm estes actos de malabarismo tóxico que em muito diminuem à política e que em nada acrescentam ao País e aos Portugueses.

E sobre o Mundo? E sobre a posição estratégica de Portugal no Mundo? Essas questões não interessam aos Portugueses, soam ao silêncio do Sermão dos Pássaros. Para os Portugueses é a praia e a fila nos Bancos Alimentares. Aliás, aproveitando os semáforos nos acessos ao areal, o Governo podia organizar um serviço de transporte gratuito entre a praia e os Bancos Alimentares, servindo a senha da praia para atendimento no Banco, tudo no espírito do distanciamento social e na regra da etiqueta respiratória com máscaras alusivas aos clubes do coração. Para as Autoridades ficam reservadas as máscaras modelo Ninja.

O Governo está parado, mas gesticula imenso esmagado pela maior pressão que deriva do facto de Portugal ser o “milagre da Europa”. Enquanto a Europa não decide sobre a forma, a modalidade e o destino das subvenções e dos subsídios, o Governo tem de manter a digressão nacional do espectáculo sobre os carris da paz social, seja com promessas optimistas, perspectivas realistas e outras formas progressistas de playback político. A presença do Ministro das Finanças como Presidente do Euro-Grupo é uma mais-valia para Portugal e um seguro de vida para o Governo. O Primeiro-Ministro está à espera do karaoke de Bruxelas.

Que importa que a globalização esteja em recessão, que o nacionalismo tenha tendência a crescer quando se tem o argumento político da “trivela”; para quê falar sobre a tendência para o restabelecimento das fronteiras, ou sobre a regressão da transição para uma economia verde; por que razão lembrar as tensões históricas entre a Europa Ocidental e a Europa Oriental, ou as divergências económicas entre a Europa do Norte e a Europa do Sul.

Se a pandemia é uma versão pós-moderna do “Momento Chernobil”, se a Solidariedade da Europa é um Requiem em slow motion com uma melodia indecifrável ao ouvido humano, deixem os Portugueses usufruir do espaço que separa a máscara da normalidade das profundas e complexas transformações entre a segurança e a sentença de morte. A Banda Sonora Nacional é uma versão ininterrupta da “Ode à Alegria” de Beethoven, com as palavras que relembram até à náusea a visão idealista da Raça Humana como uma Irmandade – a mesma Irmandade protagonista da linguagem administrativa de uma Directiva Burocrática de Bruxelas.

Por que razão deve o Governo incomodar os Portugueses com as incidências políticas da relação entre a China e a América. A “Coordenação Económica” entre as duas Potências tem sido possível apesar da incompatibilidade dos Universos Políticos. A razão para esta coordenação reside talvez na “Convergência de Interesses” que a pandemia veio destruir com estrondo e fantasia. Subitamente a possibilidade de uma “Liderança Global” protagonizada pela China surge no horizonte político, no entanto a China pouco ou nada faz para a concretização de uma “Acção Colectiva Internacional”.

A perspectiva política corrente com o foco centrado na América simplesmente se demite e abdica de uma Liderança Internacional historicamente e estrategicamente consagrada. Neste outro Mundo em que o Estado-Nação parece recuperar a primazia no puzzle político, a ideia de colaboração, o conceito de interdependência, o valor do Multilateralismo parece uma palavra distante num romance de ficção científica dos gloriosos anos 70 do século XX. Veja-se a competição impiedosa e chauvinista entre as Nações da Europa em busca de material médico essencial em tempos de pânico e de pandemia.

Uma nota final entre a esperança e a realidade. O que estamos a assistir é o retomar do movimento da Grande Máquina da História. Toda a evidência sugere que a nova Época exige uma gramática política capaz de enfrentar e de controlar tendências para além das ideologias clássicas, capaz de decifrar e entender “Forças Primordiais” associadas ao Impulso Social e à Urgência da Sobrevivência, dois valores subitamente em flagrante conflito.

O Nacionalismo, a Religião, o Darwinismo, a destruição da Harmonia Histórica poderá inaugurar uma Nova Zona da Existência Humana, uma Zona transformada em terreno de Grandes Rivalidades, onde o Arcaísmo e o Futurismo se enfrentam numa imprevisível e perigosa confrontação entre o regresso ao Paraíso Perdido e o progresso na Busca da Felicidade.

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