Um Programa de estabilidade ou de desinformação?
Como poderá o presidente do Eurogrupo criticar eventuais falhas dos programas de estabilidade dos outros Estados, quando apresentou em Portugal um programa de estabilidade que não cumpre as regras?
A crise pandémica que vivemos levou a um adiamento da entrega do Programa de Estabilidade em cerca de um mês. Mas Portugal foi o único país que optou por não apresentar um cenário macroeconómico e um cenário orçamental para 2020 e 2021. A maioria dos países da zona Euro optou por apresentar previsões para 2020 e 2021. Apenas 3 países apresentaram projeções para os anos 2020-2023, conforme o que era habitual (e previsto) num Programa de Estabilidade.
O governo optou por se limitar a elencar as medidas já tomadas para o combate à pandemia e as medidas de resposta às dificuldades de liquidez e rendimento das empresas e famílias, como o lay-off e as linhas de crédito.
Ora, o governo e o Ministro das Finanças não só violaram a Lei de Enquadramento Orçamental, mas também as próprias regras e instruções da Comissão Europeia. E a Comissão Europeia foi clara naquilo que indicou que os países teriam de incluir nos seus programas de estabilidade.
A Comissão indicou que para 2020 era necessário apresentar (até se necessário com vários cenários) o crescimento do PIB e os seus componentes, bem como o deflator do PIB, emprego e taxa de inflação. Em matéria orçamental, para 2020, seria necessário apresentar uma estimativa orçamental preliminar, nomeadamente os rácios de receita e despesa, podendo ser apresentados vários cenários. Também é preciso apresentar uma projeção relativa à evolução da dívida pública.
O governo português nada apresenta sobre estas variáveis.
Para 2021, a Comissão indicou que era necessário apresentar as projeções detalhadas de um cenário base ou projeções económicas para dois cenários. Já em matéria orçamental, os Estados devem apresentar projeções orçamentais detalhadas para um cenário de base, incluindo da dívida pública. Em alternativa, podem ser apresentados diversos cenários.
O governo português também nada apresenta sobre estas variáveis.
Ora fica a dúvida: o que dirá o presidente do Eurogrupo ao ministro das Finanças de Portugal? Como poderá o presidente do Eurogrupo criticar eventuais falhas que os programas de estabilidade dos outros Estados tenham, quando apresentou em Portugal um programa de estabilidade que não cumpre as regras? E quando apresentou um programa de estabilidade que prefere fugir às responsabilidades de apresentar projeções macroeconómicas e orçamentais?
O ministro das Finanças tem feito críticas por exemplo ao caso francês. O Doutor Centeno criticou na semana passada o facto de o governo Francês ter feito já duas revisões das suas projeções. Mas que mal existe em rever cenários e projeções? Ou é preferível esconder-se numa posição confortável de não apresentar previsões, deixando os agentes económicos sem qualquer ideia do que prevê o governo em matéria económica e orçamental.
É verdade que o nível de incerteza que ainda vivemos é muito grande. Isso afeta, naturalmente, qualquer previsão económica. Mas teria sido útil conhecermos com que projeções está o Ministério das Finanças a trabalhar. Isto porque as previsões existem. Ninguém acreditará que o governo não esteja a tomar decisões com base em projeções macroeconómicas e orçamentais, mesmo que elas vão sendo atualizadas em função de novas informações. E é com essas previsões, que não conhecemos, que as medidas de apoio à economia, às empresas e às famílias estão a ser desenhadas e implementadas.
Em cima disso, temos a crítica já formulada pela UTAO, de que em Portugal, ao contrário de outros países, a execução orçamental não está a desagregar o que é efeito orçamental das medidas que resultam da pandemia, do que é o efeito orçamental da normal atividade do Estado. Ou seja, o mesmo problema de sempre na gestão pública, seja ao nível político, seja ao nível dos serviços: não há informação nem dados e por isso não há um planeamento eficaz, mas sobretudo não há uma monitorização e controlo dos resultados. Um baixo nível de escrutínio, um dos problemas estruturais do setor público em Portugal.
Também na quantificação das medidas de combate à pandemia e de apoio à economia, Portugal optou, ao contrário da maioria dos outros países, em fazer uma estimativa apenas para 2020, e apenas para o efeito das medidas considerando um mês inteiro de execução. Isto é, quanto custam as medidas em cada 30 dias de execução. Nada se diz sobre a duração estimada dessas medidas, para que se possa aferir do impacto orçamental previsto.
A UTAO refere também que a pandemia covid-19 tem efeitos orçamentais que são diferenciados no tempo. Para já temos o aumento de despesa na saúde, o aumento de despesa com as medidas de resposta à crise, como o lay-off, e a quebra da receita fiscal e contributiva, que decorre da contração da atividade económica (o que se designa por estabilizadores automáticos). Infelizmente nada se diz no programa de estabilidade sobre a perda dessa receita, embora o Ministro das Finanças tenha adiantado um valor em torno dos 10 biliões (mil milhões € ou bis). A previsão do FMI apontava para um valor de quebra da receita total do Estado de 8 bis, sendo 7 bis de quebra da receita fiscal e contributiva.
Mas a UTAO alerta, e muito bem, que há efeitos nas Finanças Públicas de médio prazo que são de salientar e de alertar. A primeira, que tenho referido já aqui no ECO, prende-se com o financiamento da dívida pública nos mercados financeiros. Como salientei na semana passada, o programa do BCE é muito importante, mas não chegará para todas as necessidades de emissão de dívida pública em 2020. Sendo que para já o programa do BCE está previsto apenas para 2020, o que coloca pressão para 2021 (sobretudo se a recuperação económica for mais lenta que o previsto pelo FMI e pela Comissão Europeia).
A UTAO refere também um aspeto que pretendo abordar em breve, que é a resiliência do setor financeiro nacional. Se na crise anterior, de 2008 a 2013, o nível de imparidades dos bancos ultrapassou os 30 mil milhões de euros, qual é a capacidade e o limite dos balanços dos bancos para esta nova crise?
Entretanto, na sexta-feira, saíram as primeiras estimativas relativas ao PIB do 1º trimestre. Em termos homólogos (isto é, comparando o 1º trimestre de 2020 com o 1º trimestre de 2019), o PIB caiu 2.4%. Mas em cadeia (isto é, comparando com o trimestre anterior – 4º trimestre de 2019), o PIB caiu 3.9%. É a maior queda de sempre em termos trimestrais. E recorde-se que estes dados capturam apenas 3 semanas de crise.
Ainda na semana passada a diretora e a economista chefe do FMI vieram dizer que as suas previsões atuais são bastante mais pessimistas que as divulgadas a 15 de abril. E recorde-se que o FMI previa uma quebra do PIB para Portugal de 8%. O 2º trimestre será muito mais duro.
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