Feirantes voltam à rua. “É tudo a três euros, amor. Venha ver!”

Voltaram a ouvir-se os pregões dos feirantes nas manhãs de domingo na zona oriental de Lisboa. A feira do Relógio retomou a atividade quase três meses depois de ser "encerrada" pela pandemia.

A nova fase de desconfinamento decretada pelo Governo para a segunda quinzena de maio veio reabrir as portas dos restaurantes, cafés, lojas de maior superfície e de museus e espaços culturais. E trouxe novamente para a rua os feirantes de todo o país. Mas os clientes parecem continuar em casa.

“Não tem nada a ver. Num dia normal a esta hora andava muito mais gente. Podiam não comprar nada, mas andava muito mais gente”, conta um feirante numa banca de roupa logo ao início da extensa avenida ocupada pela feira do Relógio, que retomou a atividade este fim de semana. “Enquanto as pessoas não se mentalizarem e aprenderem a viver com o vírus, vai ser complicado. Mas temos de andar para a frente”, conta ao ECO.

José (de nome fictício) também vende na Póvoa e em Alverca. O dinheiro que consegue fazer depois de vender aqui e ali vai dando para o ordenado e pouco mais. Mas a pandemia veio alterar toda a rotina. “Isto não é fácil. Uma pessoa está habituada a sair à rua para trabalhar e fazer a sua vida do dia-a-dia e de repente não podemos fazer nada. É ingrato!” diz, resignado, enquanto sobe a máscara para atender um cliente que entretanto se aproxima.

Feira do Relógio reabre ao público - 24MAI20
Hugo Amaral/ECO

A conversa chega a uma banca mesmo em frente e atiram-se argumentos em defesa da feira. “Os centros comerciais vão abrir no dia 1 de junho mas aquilo é tudo fechado. Aqui na feira é ao ar livre. É muito melhor.”

Mas apesar de ser ao ar livre, a Feira do Relógio não tem o mesmo movimento de 8 de março, último dia de atividade antes de a pandemia obrigar os feirantes a ir para casa. O fluxo de pessoas é reduzido o que faz com que as distâncias de segurança se cumpram de uma forma natural, sem grandes constrangimentos. Mas depois de percorridas algumas dezenas de metros é possível perceber que também vão faltando alguns feirantes. “Muita gente não sabe que a feira já abriu e os africanos, que agora estão no Ramadão, não vêm vender”, comenta-se junto a uma banca de cortinados e lençóis.

“Olha a t-shirt para homem e senhora a três e meio!”

Mais abaixo, dois vendedores de sapatos justificam a falta de movimento com a crise. Alguns feirantes não têm material para vender e as pessoas também estão sem dinheiro para comprar. O negócio está fraco, dizem: “Hoje como é o primeiro dia, as pessoas podiam estar com aquela ansiedade de vir à feira comprar, mas não…”

Ainda assim, o negócio “vai indo” e a pandemia até trouxe novas oportunidades aos vendedores. Entre sapatos, malas, lingerie, t-shirts e camisas, vão saltando à vista algumas máscaras de tecido de diversos padrões e feitios à venda entre três e quatro euros. Por “cinco eurinhos” há quem venda viseiras acrílicas devidamente embaladas. E já vendeu muitas? “Já vendi algumas, mas agora não dá para ganhar dinheiro. Só dá para as despesas”, lamenta um feirante antes de negociar uma camisola com uma cliente: “É só dez euros, porque você merece. Depois de a vestir nem parece a mesma!”, diz.

Mas o negócio não teve sucesso e a cliente retoma o percurso avenida a baixo porque oportunidades não faltam na feira do Relógio. Mas há que chamar os clientes que por ali andam. “Oh querida, é tudo em algodão. É tudo a três euros, amor! Pode escolher, que é bom e barato!” A julgar pela afluência, o chamamento parece surtir efeito junto de uma banca de lingerie e biquínis, agora que o calor começa a apertar.

Uns metros a seguir, as bancas de roupa e outros acessórios são interrompidas por grades de proteção colocadas pelas autoridades que patrulham a feira. O objetivo é separar a zona dos “comes e bebes” e da venda de alimentos numa espécie de corredor de segurança que, se necessário, pode ser fechado para evitar que as pessoas se agrupem demasiado.

Junto de uma banca de legumes, clientes habituais e feirantes voltam a ver-se e a cumprimentar-se (dentro do possível) depois de quase três meses de ausência: “Vocês têm passado bem? Estão mais magros”, repara a D. Conceição. “Não! Mas há pessoas que engordaram com a quarentena em casa. Só comem bolos!”, respondem do lado de cá da banca.

Feira do Relógio reabre ao público - 24MAI20
Hugo Amaral/ECO

Nesta zona da feira dá para perceber que o movimento é maior e que o negócio retoma a um ritmo um pouco mais rápido. Há mais gente a comprar fruta, legumes e mercearias do que a comprar roupa. Porque numa altura de contenção, é normal que “as pessoas prefiram gastar o dinheiro em comida do que em roupa”, ouve-se numa conversa a meio caminho da zona da alimentação.

E é também ali que se notam as maiores medidas de prevenção entre os feirantes. Barreiras de acrílico, dispensadores de gel desinfetante e algumas marcas para assegurar o distanciamento social de quem vai em busca de uns torresmos para matar a fome, que por volta do meio-dia já começa a apertar.

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