Prolongar o lay-off é errado

O prolongamento do “layoff” simplificado servirá um propósito político, mas pouco mais do que isso. Na realidade, seria preferível o apoio à requalificação e à formação profissional dos trabalhadores.

O regime de “layoff” simplificado termina no final do mês, mas será com certeza renovado, pelo menos, até ao final de Setembro. A pressão sobre o Governo no sentido do seu prolongamento é alta e, em boa verdade, também deverá ser essa a orientação seguida pelos governos na maioria dos outros países europeus. Mas o prolongamento do “layoff” simplificado, agora que a economia vai deixando de estar confinada, transformará a medida num subsídio às empresas, em vez de um apoio aos trabalhadores. Na minha opinião, tratar-se-á de um sinal errado do Governo, que aumentará o risco de ossificação da economia portuguesa.

O “layoff” simplificado foi importante para salvaguardar a situação individual dos trabalhadores que, por motivos alheios à sua vontade, ficaram impedidos de trabalhar por ordem administrativa do Estado. A meu ver, poderia até ter sido mais generoso. Recorde-se que em Portugal o “layoff” simplificado tem vindo a assegurar dois terços das remunerações brutas, mas noutros países os plafonds foram estabelecidos acima daquele patamar. Um plafond mais alto, eventualmente de 100% dos salários brutos e inteiramente pago pela Segurança Social, teria permitido evitar diversas moratórias, designadamente de prestações bancárias e rendas habitacionais, cujo pagamento os contribuintes poderão ainda vir a comparticipar no futuro.

Segundo dados do Governo, depois de numa fase inicial terem sido 100 mil empresas a solicitar o apoio, abrangendo 780 mil trabalhadores, a mais recente prorrogação do mesmo foi solicitada por apenas 46 mil empresas, representando cerca de 350 mil trabalhadores. São ainda muitas centenas de milhares de beneficiários, mas à medida que vão sendo retiradas as restrições administrativas à actividade económica, que justificaram o apoio inicial, o número de beneficiários continuará a diminuir face ao máximo de Abril. Assim, o próximo passo deveria passar pela transformação do “layoff” simplificado em apoio à formação.

Ao prolongar o “layoff” simplificado, não estando cumprida a condição de confinamento que o justificou, o Governo transformará o apoio aos trabalhadores em subsídio às empresas, desequilibrando as relações laborais. Por um lado, porque será introduzida uma incerteza remuneratória sobre os trabalhadores que, à luz do “layoff” tradicional, apenas seria admissível em circunstâncias muito restritas. Por outro lado, porque será desincentivada a reestruturação das empresas que, em face da pandemia, serão confrontadas com mudanças estruturais nos seus negócios. Sobre isto, não tenhamos ilusões. Há negócios e trabalhos que não regressarão tão cedo e outros há que evoluirão para novos paradigmas de forma irreversível.

Como regra, o Estado não deve envolver-se na subsidiação das empresas. Coisa diferente, sobretudo em alturas de crise, é o Estado deixar de se envolver na promoção de condições favoráveis à recontextualização das pessoas no mercado de trabalho. Neste sentido, é altura de reforçar o plano extraordinário de formação que o Governo também anunciou no início da pandemia. Ora, tal como foi apresentado, o programa de formação afigura-se insuficiente, na medida em que limita a formação ao período de um mês, limitando-o também ao “consumo” de 50% do horário de trabalho, e a um montante máximo de 635 euros. Além disso, a bolsa de formação substitui o salário, em vez de o complementar.

Ainda sobre o plano extraordinário de formação definido pelo Governo, parece-me bem que a bolsa de formação seja paga directamente aos trabalhadores. Munidos de uma bolsa de formação relevante, os trabalhadores teriam outra capacidade negocial junto dos empregadores e estes valorizariam mais determinadas aptidões. Pelo contrário, já não me parece tão bem que o plano formativo tenha de ser definido e organizado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), mesmo que em articulação com as entidades empregadoras. Na verdade, caberia às empresas, e não ao IEFP, identificar e gerir as lacunas, bem como as oportunidades, formativas.

Os novos modelos de negócio, como o “direct to consumer” (DTC), que estão a evoluir a um ritmo avassalador, bem como o impacto do teletrabalho na forma de prestação laboral, exigem aptidões e investimentos que em muitos casos escasseiam. A utilização de fundos europeus, que para este fim existirão de forma abundante nos próximos anos, seria coerente com a transformação digital da economia e com o reforço de competências sem as quais não haverá digitalização possível. A digitalização não será uma panaceia para todos os negócios, mas é indiscutivelmente a tendência dominante. Já o é hoje e seguramente sê-lo-á amanhã. O mesmo sucederá com a letra S (“Social”) da sigla ESG, que norteia a nova sustentabilidade empresarial.

Em breve, teremos em Portugal entre 500 mil e 750 mil desempregados. A tentação política será grande no sentido de evitar a escalada daqueles números, mantendo, pela via de subsídios directos às empresas, muitos empregos e muitas empresas provavelmente inviáveis. O prolongamento do “layoff” simplificado servirá um propósito político, mas pouco mais do que isso. Na realidade, seria preferível o apoio à requalificação e à formação profissional dos trabalhadores, promovendo o investimento proactivo nos recursos humanos, em contexto de empresa ou em modo de reintegração no mercado de trabalho. A qualidade do emprego e das empresas melhorariam. A empregabilidade das pessoas também.

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