O Código de Conduta de Marcelo Jerónimo da Costa Centeno
Como se esperava, e contra uma maré de nãos, António Costa ganhou a nomeação de Mário Centeno para o Banco de Portugal. Mas que políticas usou para vencer onze meses de dificuldades?
Se Mário Centeno tivesse terminado as suas funções políticas quando queria, ou seja, com o encerramento da legislatura em outubro passado, a sua indicação para governador do Banco de Portugal levantaria apenas um sopro de dúvida. Iríamos debater a independência do banco central face ao poder político, na medida em que as afinidades entre o governador e o governo se advinhariam grandes e ágeis, mas a matéria não receberia suficiente semeadura. A credibilidade ganha por Centeno ao longo do seu ministério serviria para relaxar os receios de instrumentalização. Saindo em setembro ganharia a prova de que tinha vindo para cumprir uma missão exemplar.
Mas a António Costa não pareceu bem que Centeno ficasse por fora da campanha das legislativas ou que alguém pudesse afiançar que ele não faria um segundo mandato nas finanças. Tal risco eleitoral não se podia tomar.
António Costa decidiu, portanto, cortar o elefante às postas e enfrentar cada problema à vez. Primeiro ganhar Centeno, depois ganhar as eleições, de seguida formar governo. Não se obtendo isto, outro governo certamente decidiria por outro governador. Logicamente, o interesse de Costa e o interesse de Centeno estavam absolutamente inseparáveis. Centeno embarcou. Diante deles havia onze meses até ao limite do mandato de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal.
Dobrada a esquina das eleições, urgentemente, a tarefa de Centeno no novo governo era o Orçamento do Estado para 2020. O trilho íngreme do negócio político foi calcorreado em 2019 num aperto de tempo e num espírito parlamentar muito distinto do de 2015. No final, acabou por se fazer orçamento, sempre com Marcelo a definir a linha de precipício e com Jerónimo de Sousa a definir a posição final da ala esquerda. Estávamos no início de fevereiro. Cinco meses para o final do mandato de Carlos Costa.
Fazendo contas ao encurtar do tempo, Marques Mendes apontara a saída de Centeno para a fase pós orçamento, tentando pressionar a agenda de Costa. Mas ainda não tinham corrido 20 dias sobre a aprovação do orçamento e já o extraordinário evento pandémico ceifava gente a apenas três horas de distância. Sob a emergência, nenhuma programação política, económica, cultural, pessoal, nenhuma previsão sobreviveu. A agenda passara a ser apenas os Direitos Humanos mais fundamentais.
Mesmo assim, e muito à boleia da crise, em meados de abril, Centeno e Costa puseram a conversa em dia. Em entrevista, Centeno não recusou a hipótese de abandonar o Governo para ir para governador. No dia seguinte, Costa esclareceu que se fosse necessário prolongar o mandato de Carlos Costa, assim se faria. Mas que não estava a ver que fosse necessário. Em tudo, até no tempo, ele é que mandava.
A meio de maio, tudo ficou mais claro quando Carlos Costa, o governador cessante, aquele que tinha travado a ascensão de Centeno no Banco de Portugal, aquele que levou um puxão de orelhas do ministro Centeno, veio dizer que Centeno tinha todas as condições para ser o próximo governador. A partir daqui tudo acelerou.
Os media passaram a ferver com opinião e editoriais sobre moralidade política, ideias para processos diferentes de escolha de governadores, razões lógicas para travar Centeno. Os partidos jovens desmultiplicaram-se em declarações críticas e atiraram-se à tarefa administrativa de promover o bloqueio legislativo. Montou-se um grande chinfrim, com notável acumulação de argumentos de todos os quilates, mas muitos verdadeiramente interessantes e valiosos.
Foi a vez de Centeno se defender dizendo que havia dois exemplos de iguais práticas na União Europeia. Argumento infeliz, porque a existência de casos semelhantes não faz prova da sua qualidade. Depois, Costa extremou-se. Acusou os partidos jovens de estarem a mover uma perseguição a Centeno, como se se tratasse de um criminoso. Logo a seguir Marcelo, muito pouco inspirado, muito diferente do habitual, veio dizer que já na monarquia constitucional era assim que se fazia, na primeira república e no estado novo também, querendo tirar razão aos partidos jovens, mas acabando por lhes reforçar o argumento. E logo no mesmo dia, Jerónimo de Sousa rematou a coisa dizendo que não lhe parecia mal a nomeação. Se fosse caso de nomear um banqueiro privado para a função, isso já seria outra conversa.
Portanto, o bloco do realismo político fechou-se contra o bloco do moralismo político, Centeno vai ser o próximo governador e Costa, de frente para os maiores obstáculos, leva mais uma avante. Ao contrário do que se possa pensar, este largo episódio só tem coisas boas.
De um lado, Mário Centeno é o governador mais capaz para, no concerto do Banco Central Europeu, ajudar Portugal a enfrentar a enormíssima crise social e financeira que nos está a devorar. Como está errado Marques Mendes quando acusa Centeno de cobardia e acomodamento por largar as Finanças em momento de crise. Como estão distraídos os que julgam que o lugar de governador é uma função eminentemente técnica, com vantagem da solução concursal na base de currículo académico.
Do outro lado, os partidos jovens, com o PSD à cabeça, ganharam o compromisso de promover um Código de Conduta amplo, abrangente para todos os cargos políticos, que escreva, preto no branco, qual é a legitimidade que os ex-governantes têm para ocupar cargos no Estado e nas empresas privadas. Isto seria extremamente útil. Um Código de Conduta que melhore as regras do jogo, preservando o realismo político, mas forçando-o a maior transparência.
Códigos éticos que sirvam de exemplo não faltam. Inúmeros países e empresas têm-nos. É normalmente através de códigos éticos e de integridade que a sustentabilidade tem avançado.
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