Pandemia: crise e oportunidade

A habilidade política do primeiro-ministro é reconhecida, mas do que o país necessita é de um estadista e não de um politico com habilidade.

A pandemia em Portugal criou uma crise a nível económico, sem precedentes, com impacto profundo nos rendimentos de grande parte dos portugueses e cujos efeitos têm sido minorados pelos apoios disponibilizados pelo Estado quer aos cidadãos quer às empresas. Estes apoios provocam um enorme crescimento das despesas públicas prevendo-se que estas, em 2020, possam atingir 49,7% do PIB (42,7% em 2019).

Em 2020, de acordo com estimativas tornadas públicas por entidades nacionais e internacionais, a contracção do PIB será de entre -7% a -10% com impacto directo nas receitas públicas o que, conjugado com aquele aumento das despesas públicas, dará origem a um défice orçamental que se estima ser da ordem dos 7 a 9% do PIB.

Os efeitos da crise farão aumentar significativamente o endividamento público, que se situará previsivelmente entre 138% a 140% do PIB, e também os níveis de desemprego que atingirão entre 12 a 13% da população activa.

Face a esta situação uma primeira constatação parece evidente: o combate a esta crise e a recuperação do país, sem passar por um dramático ajuste através de duras medidas de austeridade , só será possível com a ajuda da União Europeia.

Esta constatação parece óbvia, mas vale a pena sublinhá-la quando os partidos da extrema esquerda sempre se opuseram à participação de Portugal no projecto europeu.

De acordo com o Plano de Recuperação proposto pela Comissão Europeia, e se este vier a ser aprovado pelo Conselho Europeu, Portugal beneficiará de cerca de 15,5 mil milhões de euros em subsídios a fundo perdido e cerca de 10 mil milhões sob a forma de empréstimos com taxas e maturidades muito favoráveis.

A crise criou uma grande debilidade no tecido empresarial por efeito da contracção brusca da procura , quer interna quer externa, com consequências dramáticas e abruptas sentidas em toda a economia e particularmente em sectores como os transportes aéreos, hotelaria, restauração e de uma maneira geral em todas as actividades turísticas.

Face a esta debilidade das empresas e à magnitude dos meios que só o Estado, ajudado pela União Europeia (UE), poderá disponibilizar, é fácil às forças politicas de esquerda tentarem persuadir a opinião pública de que o sector público deve ter um papel crescentemente mais importante na economia.

A solução para os problemas do país não está em ter “mais Estado” mas sim “melhor Estado” no quadro da manutenção e reforço do modelo económico e social, que tem comparativamente dado provas de garantir melhores condições de bem estar às populações, e que é baseado numa economia de mercado, de iniciativa privada, com protecção social e combate às desigualdades, e com regulação eficiente do Estado.

Este modelo contrasta com aqueles em que o Estado se sobrepõe, como motor económico, e que historicamente só conduziram ao subdesenvolvimento e à penúria generalizada em termos de condições de vida das populações (e também à perda de liberdades, no plano politico) como foi o caso, no passado, na ex-União Soviética e nos países da sua órbita da Europa do Leste ou que se observa hoje na Venezuela ou em Cuba.

Os meios disponibilizados pela EU, para além da sua natural utilização no sector da saúde e nos apoios sociais, como no caso dos “lay off” e dos efeitos dramáticos do desemprego, devem ser aplicados no âmbito de uma estratégia que vise o desenvolvimento do país.

Esta estratégia não pode ser meramente de tipo assistencial, colocando os recursos apenas para compensar rendimentos perdidos ou colmatar os défices das contas públicas (que devem respeitar as regras europeias) mas sim aproveitar estes tempos de crise, que sempre comportam oportunidades, para aplicar aqueles recursos no combate à falta de competitividade do país e aos desequilíbrios da economia que estão na base do nosso atraso em relação à grande maioria dos países da EU.

Esta necessidade de uma estratégia é tanto mais importante quanto, no passado recente, o crescimento económico foi medíocre, muito inferior aquele dos países com os quais nos comparamos, tendo muitos deles já ultrapassado Portugal, em termos de riqueza per capita, mesmo os países atrasados que saíram do colapso da União Soviética, havendo a perspectiva de, em poucos anos, no “ranking” dos 27 países europeus, Portugal estar na cauda da Europa apenas com a Grécia atrás de si.

Por outro lado continuamos a ter uma produtividade inferior à média dos países europeus o que afecta a competitividade do país e portanto a possibilidade de dar melhores condições de vida à população, por exemplo, salários mais elevados.

É certo que o desemprego diminuiu nos últimos anos mas a criação de emprego foi precária, de baixa qualificação e de baixos salários, muito em resultado do novo emprego ter sido, em grande parte, devido ao forte crescimento do turismo, sector que agora, face à crise do covid 19, sofre uma crise profunda sendo dos sectores de mais difícil e demorada recuperação.

Também se registou a melhoria dos défices orçamentais, e inclusivamente a obtenção de um excedente, pela primeira vez, de há muitos anos, mas em resultado, por um lado, de uma enorme carga fiscal que atingiu em 2019 o nível mais elevado de sempre e, por outro lado, da redução do investimento público para valores abaixo nos níveis registados nos tempos da Troika e de capitações da despesa que penalizaram fortemente o funcionamento dos serviços públicos (no SNS-Serviço Nacional de Saúde, nos transportes etc). Ou seja aquela melhoria não se deveu a uma maior eficiência na despesa pública para a qual seria indispensável reformas estruturais que o Governo não realizou.

Até à manifestação da pandemia o Governo usufruiu de uma conjuntura altamente favorável: forte crescimento económico da União Europeia, com efeitos de arrastamento na economia portuguesa; baixos custos do petróleo; muito baixas taxas de juro devido, em grande parte, à politica do Banco Central Europeu, forte expansão do turismo e apesar disso, nos últimos anos, não foram efectuadas reformas de fundo que preparassem o futuro do país.

Por todos estes motivos, este período de crise deve ser transformado numa oportunidade de, com o apoio dos recursos disponibilizados pela União Europeia, definir uma estratégia para o crescimento e desenvolvimento do país.

Estratégia que efectue as reformas de que o país necessita e que, sem preocupação de ser exaustivo, terão que ser realizadas:

  • Na reforma do Estado, tornando-o mais ágil, menos burocrático e suporte do tecido empresarial e não, como hoje, uma máquina ineficiente propiciadora de maus serviços públicos que consome uma parte substancial da riqueza pública;
  • Na Saúde, onde apesar da Constituição determinar o acesso geral, universal, tendencialmente gratuito aos cuidados de saúde, cerca de 40% da população ( 2,7 milhões de portugueses com seguros de saúde + 1,1 de funcionários públicos e suas famílias) recorre ao sector privado , pagando através de seguros de saúde privados ou de descontos para a ADSE;
  • Na Segurança Social, onde o envelhecimento crescente da população, por um lado, e a entrada mais tardia dos jovens na vida activa e a precariedade laboral, por outro, determinarão que existam cada vez mais mais pessoas a depender da SS e menos pessoas a contribuírem para ela, o que a prazo, mais ou menos curto , colocará em risco a SS, o que impõe, desde já, a necessidade de uma reforma cujos efeitos benéficos só se poderão sentir a prazo dada a rigidez do sistema.
  • Na Justiça, onde é público e notório o mau funcionamento, no que respeita ao tempo da administração da justiça , com prazos de conclusão de processos inaceitáveis que penalizam particulares e empresas (sendo um obstáculo muito importante para o investimento estrangeiro) e em que existe a necessidade de uma maior “accountability” dos operadores do sistema.
  • No Sistema Eleitoral, em que se registam níveis crescentes e alarmantes de abstenção por parte dos cidadãos o que leva à corrosão da saúde das nossas instituições democráticas.

Nesta estratégia é importante o investimento público, facilitado pelos recursos disponibilizados pela União Europeia, em infraestruturas e nos sistemas de prestação de serviços públicos (educação, saúde, transportes etc) sendo fundamental o apoio do Estado às empresas, que serão o motor da recuperação económica, em particular no seu esforço de aumento das exportações.

Este apoio do Estado às empresas deverá passar, nomeadamente, pela via fiscal e pela facilitação, rápida e eficiente, do acesso aos fundos disponibilizados pela União Europeia.

A importância deste apoio às empresas é de tal forma decisivo, a meu ver, que se justificaria, agora, a criação de um Programa especifico, dirigido ao tecido empresarial, como se verificou no passado com o PEDIP.

Outros eixos, na estratégia a desenvolver, são também fundamentais:

  • na canalização de recursos para a digitalização da economia e dos serviços do Estado, aspecto decisivo para a competitividade do país num mundo global altamente competitivo;
  • na aposta da captação de investimento directo estrangeiro como factor de criação de emprego e, fundamentalmente, como veículo de inovação e modernização da economia portuguesa (como foi o caso da Autoeuropa);
  • no aproveitamento das oportunidades criadas pela ruptura das cadeias de valor internacionais (supply chains) provocada pela pandemia. De facto a pandemia evidenciou a vulnerabilidade destas cadeias, a nível global, o que levará, previsivelmente, a um movimento crescente de deslocalização de produções e actividades para destinos que minimizem riscos de dependência. Portugal poderá aproveitar esta tendência por deter factores competitivos em alguns sectores.

O Governo do PS, quer nesta solução governativa, quer na experiência da legislatura anterior, teve sempre uma atitude de tacticismo , nunca tendo uma visão estratégica para o futuro do país, necessitando do apoio, para se manter no poder, dos partidos da extrema esquerda , que defendem um outro tipo de sociedade ( querem uma economia em que o Estado é o motor da iniciativa económica, defendem a nacionalização dos sectores da actividade fundamentais, toleram apenas a iniciativa privada e rejeitam a participação de Portugal na construção europeia e na zona euro).

Ou seja , a acreditar que o actual PS continua a ser fiel aos princípios que sempre defendeu- de uma sociedade democrática, de economia de mercado, com iniciativa privada, em que o Estado tem um papel fundamental mas na regulação da economia e na protecção social – a satisfação das condições ( exigências ) da extrema esquerda para se manter no poder, levaram o Governo a preferir uma atitude táctica em detrimento de uma visão estratégica com a realização de reformas estruturais que são decisivas para o futuro do país.

Esta contradição entre os princípios e valores fundamentais tradicionalmente defendidos pelo PS e aqueles que a extrema esquerda defende foi habilmente superada pelo primeiro-ministro. De facto, é reconhecida a habilidade politica ao primeiro-ministro, mas do que o país necessita é de um estadista e não de um politico com habilidade.

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