O regime compadrista

Nem sempre o sucesso das empresas depende apenas da qualidade dos seus gestores. Quando o regime capitalista é substituído pelo regime compadrista, muitos desses incentivos deixam de existir.

Há uns meses Augusto Santos Silva disse que um dos graves problemas das empresas nacionais era a qualidade da sua gestão. Passemos ao lado da ironia de ter alguém que fez parte dos governos de Guterres, Sócrates e Costa, responsáveis pela estagnação de décadas deste país, a queixar-se da falta de capacidade de gestão dos outros, e concentremo-nos apenas no conteúdo da frase.

Como em todas as profissões, há bons e maus gestores. Numa economia de mercado, com empresas a competir livremente, os bons gestores têm sucesso e prosperam e os maus não têm e acabam afastados. Este é um mecanismo de selecção permanente que premeia bons gestores (mesmo que aqueles que tenham sido maus e aprendido com essas experiências) e castiga maus gestores (mesmo os que foram bons e relaxaram). Numa economia de mercado, os gestores têm grandes incentivos a aprenderem e actualizarem os seus métodos de gestão e a adaptarem-se de forma permanente. Quando o sucesso de uma empresa depende da quantidade e qualidade do produto vendido, existe uma pressão permanente para gerir bem, inovar, reter talento e usar recursos da forma mais eficiente possível. Ou seja, existem incentivos individuais para ser bom gestor.

Mas nem sempre o sucesso das empresas depende apenas da qualidade dos seus gestores. Quando o regime capitalista é substituído pelo regime compadrista, muitos desses incentivos deixam de existir (há quem lhe chame “capitalismo de compadrio”, mas eu prefiro apenas “compadrismo” porque capitalismo e compadrio são expressões antagónicas). Se o sucesso de uma empresa depende mais das relações que essa empresa tem com o poder político do que com a sua capacidade de inovar e gerir de forma eficiente, ser bom gestor deixa de ser importante para se ter sucesso numa empresa. Aquilo que ganha relevância nas empresas é a capacidade de estabelecer as ligações certas.

Um bom exemplo disto é o socialista Seixas da Costa, um dos grandes acumuladores de cargos de administração em grandes empresas e, por “pura coincidência”, um grande adversário político das ideias liberais e da economia de mercado (os beneficiários dos regimes compadristas tendem a detestar o capitalismo e a economia de mercado). Seixas da Costa foi embaixador de Portugal na UNESCO. No exercício das suas funções, Seixas da Costa influenciou a UNESCO para permitir a construção da barragem do Tua, que destruiu parte do Património Mundial do Alto Douro. Teve sucesso na sua empreitada e quando deixou o cargo público tinha à sua espera um lugar de administrador na empresa concessionária da barragem (a EDP Renováveis) e na empresa que a construiu (a Mota-Engil). Para além destas duas empresas no sector da energia e da construção, ainda consegue ter “capacidade de gestão” para ser administrador da Jerónimo Martins no sector da distribuição.

Não sei se Seixas da Costa é um bom gestor, mas estou convicto que não é por ser um bom gestor que conseguiu os cargos para os quais foi nomeado. O Ministério Público desconfia de ilegalidades, mas acho altamente improvável que haja alguma, afinal agiu sob as ordens de um governo que nem era da sua área política. Será certamente apenas mais uma situação em que as empresas precisam de alguém com boas ligações ao poder político, seja para tentar obter vantagens, seja para não serem prejudicadas. Precisam de alguém que fale a linguagem dos políticos, que frequente os mesmo clubes e saiba defender os seus interesses junto deles. O sucesso das empresas em Portugal acaba por depender muito mais deste tipo de ligações do que da boa gestão, o que explica o fundo de verdade nas declarações de Augusto Santos Silva.

Por cada Seixas da Costa a “administrar” uma empresa, há um bom gestor que por não ter ligações políticas é empurrado para cargos de menor responsabilidade ou vai exercer as suas capacidades de gestão para outras empresas noutros países. Outros, mais novos e com vontade de ascender, olham para esse exemplo e decidem logo mudar de vida, de empresa e de país. Por cá vão ficando os gestores com influência nos diferentes níveis de poder, os que conseguem grandes contratos não por gerirem melhor as suas empresas, por inovarem ou terem os custos mais baixos, mas por terem os contactos certos na política.

Durante o tempo que passei fora do país fiquei surpreendido com o número de portugueses em cargos de gestão de topo em grandes e médias empresas pelo mundo fora. Pessoas que nunca tiveram qualquer oportunidade em Portugal e hoje têm altos cargos de administração fora do país. Muito raramente encontrei um que tivesse vontade de regressar. Para além da elevada carga fiscal, davam como razão a “falta de contactos”. Em Portugal sem “contactos” não se vai a lado nenhum. Desde a pequena empresa que precisa de contactos na câmara para não estar sempre a levar com multas e fiscalizações à grande empresa cujo desempenho depende dos contactos no governo.

Talvez Augusto Santos Silva tenha razão. É possível que os bons gestores sejam uma minoria em Portugal. Mas alguém que está há 3 décadas a ocupar cargos políticos talvez devesse colocar a mão na consciência e perceber porque é que é assim e qual o seu contributo para que continue a sê-lo. Enquanto a influência política for mais importante para o sucesso de uma empresa do que uma boa gestão, não haverá qualquer incentivo a termos bons gestores à frente das empresas.

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