Era uma vez um país sem custo para os contribuintes…

Porque 2010 está demasiado vivo na memória, sabemos que o problema começa quando nos tornamos no 1º sítio de onde os credores querem sair quando o circo arde. É isso que faz de nós o elo mais fraco.

 

Domingo

O ano é novo mas as ideias são velhas. Marcelo Rebelo de Sousa pede entendimentos sobre as áreas mais importantes, políticas que tragam crescimento económico e que se pense a prazo e não apenas na tática para o dia seguinte. Qualquer Presidente da República podia ter dito a mesma coisa na última década e meia que não se daria pela diferença. O problema é que este discurso já foi feito, de facto, vezes sem conta. Mas a realidade é tão teimosa quanto as palavras: nem uma nem outra mudam. Mudanças só mesmo nos protagonistas e nas folhas do calendário. Se as palavras de gastassem há muito que estas já não estariam disponíveis.

Quinta-feira

O desfecho do Novo Banco continua em aberto. O Banco de Portugal fez o seu ranking dos candidatos e passou o dossiê ao Governo, que vai agora negociar para tentar melhorar as propostas que estão em cima da mesa. Não é seguro que esta segunda tentativa de venda seja bem sucedida, porque há linhas vermelhas traçadas pelas Finanças que são ultrapassadas, pelo menos, pela Lone Star, o fundo de investimento que tem a melhor proposta, de acordo com a avaliação do banco central. O comprador quer uma garantia do Estado para eventuais contingentes não identificados. Ora, isso tem impacto imediato no défice público e transfere para os contribuintes uma parte – mais uma – do risco da operação. E Mário Centeno já disse que essas condições não aceita. Mas na última década também já nos fomos habituando. Estas garantias de “sem custo para os contribuintes” são para levar tão a sério como as promessas de dieta feitas enquanto se comem as doze passas na passagem do ano: duram apenas até à próxima tentação.

Pelo caminho vai-se acenando com a hipótese de nacionalização do banco, mais em jeito de ameaça aos candidatos à compra. Se a ideia é proteger os contribuintes a novos saques não se entende como é que a nacionalização cumpre esse propósito. Ficando no Estado, serão públicos os dinheiros que terão que capitalizar o Novo Banco. E qual a utilidade de ter duas instituições com cerca de 40% do mercado bancário nas mãos do Estado?

A resposta pode ter sido dada indiretamente por Luís Campos e Cunha na Comissão Parlamentar sobre a gestão da Caixa Geral de Depósitos. O economista denunciou as pressões que sofreu de José Sócrates, em 2005, para demitir a administração da Caixa que encontrou quando chegou ao Governo. Campos e Cunha era ministro das Finanças, Sócrates chefiava o governo e Vítor Martins presidia ao banco do Estado. O ministro resistiu às pretensões do primeiro-ministro mas não durou no cargo, que ocupou por escassos quatro meses. Uma semana depois da sua saída, a administração da Caixa era substituída. Entraram Santos Ferreira e Armando Vara, como Sócrates pretendia.

É para isto que servem os bancos públicos? Também será para isto, sim, para serem extensões políticas dos governos, dos partidos que os apoiam e de interesses particulares de ocasião.

Para isto e para participarem em grandes negócios e financiarem grupos empresariais poderosos. Na véspera, na mesma comissão parlamentar, António Domingues revelava que o espantou o facto da carteira de crédito empresarial da Caixa estar sobretudo aplicada em grandes grupos e empresas.

Ironicamente, o Novo Banco cumpre melhor a função de financiamento das pequenas e médias empresas do que a Caixa. É o banco com a maior quota de mercado neste segmento, posição herdada do Espírito Santo que tem sabido manter ou até reforçar.

Nesse sentido, o eventual desaparecimento do Novo Banco com o perfil comercial que hoje apresenta teria um impacto visível na atividade de muitas empresas. O relacionamento entre uma empresa e o seu principal banco é assunto sério, requer muito tempo para se consolidar, para que possa haver um conhecimento que seja mutuamente vantajoso e deixe toda a gente feliz, como se quer num bom e frutuoso casamento.

Se a ideia é ter um banco público que seja um instrumento de apoio ao tecido empresarial talvez não fosse então má ideia trocar o Novo Banco pela Caixa, nacionalizando o primeiro e privatizando a segunda. Mas a racionalidade, se alguma vez existiu, está afastada desta equação. O que está sempre muito presente é a fatura dos contribuintes. Para já vão 5.000 milhões a caminho da CGD, no Novo Banco há garantias públicas de 3.900 milhões e os “lesados” do BES podem custar mais quase 300 milhões. É fazer as contas, como alguém disse em tempos.

Sexta-feira

Os juros da dívida a 10 anos ultrapassaram os 4%. O problema não está num facto como este, que até pode ser isolado e pouco duradouro. A questão está quando se olha para a tendência. E esta não se vê por um dia, uma semana ou mesmo um mês. É um facto que no último ano os juros que os investidores exigem para comprarem dívida pública portuguesa tem subido de forma regular e, aparentemente, sustentada. A subida é generalizada e uniforme na zona euro? Não. E esse é o segundo sinal preocupante para Portugal. O diferencial de juros entre a dívida portuguesa e as alemã e espanhola alargou-se nos últimos meses. Isto significa que mesmo quando uma parte das razões para a subida dos juros vem de fora, o impacto percebido pelos investidores em cada economia é diferenciado. Por exemplo, os efeitos da política económica que se adivinha venha a ser a de Donald Trump serão maiores e mais negativos em Portugal do que noutras economias. Porquê? Porque o país baixou o défice mas não a dívida, porque a economia não sai da anemia e até está a crescer menos do que em 2015, porque o investimento não arranca, porque há muitas políticas que são olhadas com desconfiança e recuos incompreensíveis em algumas medidas. Isto apesar do défice mais baixo da democracia – mas que não deixa de ser um défice e, por isso, gerador de mais dívida -, da quebra do desemprego ou do aumento das exportações.

É isto que dizem aqueles a quem, regularmente, pedimos dinheiro emprestado para financiar o nosso défice e para refinanciar a nossa dívida. E é com esta realidade que temos que lidar e não com a que todos gostávamos de ter.

Claro que um primeiro-ministro não pode dizer outra coisa senão mostrar confiança numa descida próxima dos juros e sublinhar o que de positivo se vai passando na economia, como António Costa fez durante a visita oficial que está a realizar à Índia. E claro que isso servirá de muito pouco em relação à perceção dos investidores, que sabem olhar para a consolidação orçamental, fazer as suas contas e tirar as suas conclusões sobre o nível de risco que estão dispostos a correr.

Porque 2010 está demasiado vivo na nossa memória, sabemos que o problema começa quando nos tornamos no primeiro sítio de onde os credores querem sair quando o circo começa a arder. É isso que faz de nós o elo mais fraco. E é contra isso que, nesta fase, já pouco podemos fazer. O que será, será.

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