Montepio: uma pescadinha de rabo na boca, sem Norte e sem pudor!

  • João Simeão
  • 30 Junho 2020

O Montepio precisa de encontrar parceiros, que exigirão preços justos, o que destapará o “buraco” oculto, com repercussões imprevisíveis que forçarão as decisões de que todos fogem.

Após seis complicados meses de trabalho de parto, a Mutualista do Montepio deu, finalmente, à luz as contas do exercício de 2019. O parto ocorreu após o supervisor dos seguros (ASF), no princípio de Junho, ter vindo a público relembrar que “a responsabilidade efectiva da supervisão da Mutualista pertence ao Governo enquanto decorrer o período transitório de 12 anos”, ao mesmo tempo em que convocava a totalidade da administração da Mutualista (e não apenas o seu presidente) para exigir o fecho das contas. A declaração e o timing escolhido foram entendidos como demarcação profiláctica da ASF, face à desavença entre o auditor (PwC) e o presidente, Virgílio Lima, com o ineditismo de este ter recorrido a auditores “amigos da casa” (KPMG e BDO) para confrontarem o actual.

A discórdia focou-se nas participadas, com a PwC a pretender desvalorizá-las para preços próximos dos de mercado, e Virgílio Lima a querer valorizá-las ainda mais. No final, vingou o compromisso, com o Banco Montepio (BM) contabilizado em 1.500 milhões de euros – comparável ao BCP – e o auditor a enfatizar reservas ao valor. Outro desacordo incidiu sobre o cálculo dos activos por Impostos Diferidos (DTA’s), com a PwC a considerá-los “sobreavaliados por um montante materialmente relevante…”.

Em resumo, não errarei por muito ao estimar que, afastadas as ilusões do “contabilês”, os 3,1 mil milhões de responsabilidades assumidas, pela Mutualista, com os seus associados e pensionistas, têm por “garantia” um activo a rondar os 1,5 mil milhões – sem DTA’s (que não são património efectivo) e valorando as participadas por referências de mercado – o que, em termos reais, deixa a descoberto cerca de metade das poupanças dos mutualistas. (Nos doze anos da presidência de Tomás Correia, para cobrir perdas nas participadas, a Mutualista financiou 2,1 mil milhões de euros que não se traduziram em valorização das mesmas).

O desnorte dos corpos sociais, estende-se ao Conselho Fiscal, presidido pelo ex-deputado Ivo Pinho, que produziu um extenso Relatório a insurgir-se contra a “subjectividade” do auditor, não obstante o Banco Montepio, claramente sem estratégia e à deriva nos últimos anos, continuar: a minguar em negócio e clientes e a só contabilizar mil milhões de euros em capitais próprios (sem DTA’s); a ter o mais elevado rácio de crédito mal parado do sector; a descer no rating de “lixo”; E de não conseguir financiar-se nos investidores institucionais, mesmo oferecendo juros de 10,5%.

Defender que o Banco Montepio vale mais que o BCP e que a Mutualista tem capacidade para gerar lucros que justifiquem os 833 milhões de euros de DTA’s, é incoerente com propor a redução para ZERO, do já escasso rendimento garantido aos mutualistas, como fazem os Corpos Sociais na Proposta de Revisão do Regulamento de Benefícios (0,3%, nos produtos de previdência; 0,003% a 1,5%, nos de capitalização), que apresentam à AG de 30 de Junho. É despudor de quem vive da mentira e para a mentira.

Após 170 anos de existência credível e fiável, o país conformou-se e já interiorizou que o Montepio: “vai ser mais um para nós pagarmos”, enquanto atribui ao Partido Socialista (PS) responsabilidades nesta desventura, quer pelo seu domínio nos corpos sociais da Instituição, nos últimos 15 anos, quer pela predominância dos seus governos no período.

Acredito que Costa e Centeno desconhecessem a extensão do “problema” Montepio quando chegaram ao Governo, julgando-o resolúvel com “pensos rápidos” como as parcerias estratégicas com os chineses (que acabaram presos) e com a Santa Casa (que investiria 200 milhões de euros no banco), iniciativa que morreu na praia pela reacção que desencadeou.

Há três anos, os conselheiros no Banco de Portugal questionavam o “rebentar a bolha” do Montepio, um sinal da profundidade da sua preocupação, seguramente extensiva ao Governo que, no ano seguinte, apresentou a “grande solução”: o novo Código das Associações Mutualistas (CAM), com o anúncio do supervisor dos Seguros (ASF) no controlo financeiro e a promessa dum Plano de Transição, a implementar em doze anos sob controlo duma Comissão de Acompanhamento.
A esperança da “grande solução” residia na acção disciplinadora da ASF na defesa dos critérios da gestão dos seguros que, convém realçar, já existiam no CAM, desde 1990, grosseiramente desprezados com o consentimento da tutela de Vieira da Silva.

Passados dois dos doze anos da transição, vai-se tornando claro que a “grande solução” não passou dum expediente para empatar e adiar. De concreto, nada se cumpriu, nada se resolveu e tudo se agravou: não há novos estatutos; não há Plano de Transição e a Comissão de Acompanhamento é um fantasma. Entretanto, a exaurida Mutualista continua a hipotecar-se nas insaciáveis necessidades de capital do banco e dos seguros que na próxima década não remunerarão o accionista – devido às reservas negativas que acumulam -, prosseguindo no rumo oposto ao necessário para a transição.

Este é o contexto por detrás da algazarra das contas, compreendido pelo novo auditor e pelo novo supervisor e que os leva a distanciarem-se de responsabilidades que não são suas e a não alinharem no excesso de cosmética que os venha a responsabilizar no futuro.

Compreenderam que a Mutualista, pelos seus próprios meios, não consegue aproximar-se dos padrões das seguradoras, pois tem de reduzir a sua exposição aos investimentos em acções e à concentração no grupo – 80% do Activo estão investidos no grupo, com 83% sob a forma de acções.

Para diversificar o Activo, necessita de encontrar parceiros, que exigirão preços justos, o que destapará o “buraco” oculto, com repercussões imprevisíveis para a Instituição e com custos políticos associados, e que forçarão as decisões de que todos fogem. Uma “pescadinha de rabo na boca” que explica o jogo do empurra a que assistimos que satisfaz a incompetência e a falta de ética paga a peso de ouro. No Montepio só a cabeça cresce e prospera no corpo que definha.

Já afirmei várias vezes que, na crise financeira de 2008, o Montepio, de diferente face aos restantes bancos, só teve a particularidade de, não tendo sido atingido directamente pela crise, nela foi envolvido pelo “triângulo nefasto”, identificado pelos parlamentares. O descalabro do Montepio, tutelado pelo Governo e supervisionado pelo Banco de Portugal, continua a ser a excepção no escrutínio do Parlamento.

Cento e oitenta anos de história de projecto popular e solidário merecem mais coragem e espírito republicano dos representantes da Nação.

O elefante Montepio continua a passear-se entre S. Bento e Belém.

ASSOCIADO 28.332 DO MONTEPIO GERAL

  • João Simeão
  • Antigo diretor adjunto do Montepio

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Montepio: uma pescadinha de rabo na boca, sem Norte e sem pudor!

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião