TAP! Saiu-nos a fava… rígida e farinhenta

Apadrinhámos mais um Novo Banco, desta vez com asas, que, além do buraco financeiro, traz consigo um posicionamento de mercado mais fragilizado e a promoção do centralismo.

Dizem-nos que a TAP é “estratégica”, “demasiado importante para deixar cair”, um motivo de “orgulho” para os portugueses. O ministro Pedro Nuno Santos destaca ainda que “a companhia aérea portuguesa é fundamental” e que “todos temos a obrigação de explicar ao povo português a [sua] importância” – e ele tanto se tem esforçado para cumprir este propósito no longo tempo de antena que tem tido. Acrescenta também que “do ponto de vista económico e social, seria um desastre para o país perder a TAP”. No alto da sua habitual sobranceria refere, além disso, que “só os fanáticos da Iniciativa Liberal acham que podemos deixar cair a TAP”, apesar de a maioria dos portugueses ser contra a injeção de capital do Estado na TAP (e não creio que a Iniciativa Liberal já tenha 55% de seguidores). No entanto, vou fazer a vontade ao Sr. Ministro. Ele mencionou que “quando falamos da TAP, não podemos ficar limitados aos resultados [financeiros] da empresa, é um desastre de análise”. Vamos a isso. Não falemos de dinheiro, isso é coisa de capitalistas e de liberais, e o Dr. Pedro Nuno Santos faz questão de se distanciar desses revolucionários. Além de que 1,2 mil milhões de euros é uma ninharia, não vale a pena aborrecermo-nos com isso.

Posso evitar falar de resultados financeiros, mas terei de recorrer, pelo menos, a números e rankings (peço desculpa Sr. Ministro). Os últimos anos têm sido a época dourada do nosso turismo. Várias companhias estrangeiras reforçaram as suas rotas para Portugal. Apesar do contexto bastante favorável, a TAP, em contraciclo, evidenciou as suas fragilidades estruturais (que não são de agora e não se prendem exclusivamente com a gestão privada). Nos “óscares” da aviação, a TAP alcançou um modesto 76º lugar em 2019 – com tendência de degradação nos últimos 3 anos –, e foi-lhe atribuída a classificação de apenas 3 estrelas pela mesma consultora (Skytrax), evidenciando resultados medíocres na maioria dos parâmetros avaliados, sobretudo nas rotas de longo curso. A TAP distancia-se neste ranking das companhias aéreas estrangeiras a operar em Portugal, inclusive as privadas low cost (a EasyJet e a Ryanair estão nos lugares 37 e 59, respetivamente). Bem sei que a TAP prefere dar destaque a outros rankings onde aparece bem classificada, apesar das evidentes debilidades metodológicas desses questionários e reduzida diversidade e tamanho da amostra.

Continuando a falar de indicadores que pouco nos orgulham, a TAP foi também notícia por ser a companhia com mais atrasos do mundo, tendo sido pontual em apenas 58% dos voos em 2019 (considerando o limite de 15 minutos de tolerância). Aparentemente, os atrasos teriam custado mais 40 milhões de euros face a 2017. Mas como o ministro não quer que olhemos para os impactos financeiros (que, como sabemos hoje, direta ou indiretamente seremos nós a pagar), limitemo-nos à angústia de ter a nossa companhia bandeira no último lugar de um dos indicadores operacionais mais críticos para a indústria da aviação. Tem impacto na credibilidade da empresa, na satisfação e no nível de lealdade dos seus passageiros. No limite, os seus maus resultados podem comprometer a sustentabilidade da empresa no futuro.

Uma companhia que, apesar de algumas notórias ineficiências operacionais, é conotada de “estratégica” para Portugal, mas revela – sempre revelou – e fomenta um excessivo centralismo da capital. Mais de metade dos passageiros que chegam ou partem de Lisboa viajam pela TAP. Em Faro, uma das regiões com maior dependência do turismo, o peso da TAP reduz para apenas 4%. Uma região que desde o início do boom do turismo em Portugal, em 2013, aumentou cerca de 50% de passageiros a chegar ao Aeroporto de Faro. Contudo, este crescimento foi graças à forte aposta de companhias low cost, como a Ryanair ou a EasyJet. No outro extremo de Portugal Continental, o Aeroporto de Sá Carneiro duplicou os passageiros desde 2013. O Porto e a região do Douro têm sido recorrentemente recomendados e reconhecidos por várias revistas internacionais. No entanto, mais uma vez, este crescimento foi potenciado maioritariamente pelas companhias estrangeiras, onde, pasmem-se, o peso da TAP baixou de 27% para apenas 20% (que, relembro, compara com mais de 50% em Lisboa). Uma companhia ao serviço de cada vez menos portugueses, mas paga por todos. Se fosse uma empresa privada, naturalmente que nada disto nos incomodaria, sendo livre de assumir as suas opções estratégicas em prol – legitimamente – de uma melhor rentabilização dos seus ativos.

Por outro lado, há que reconhecer que a TAP tem sido sistematicamente reconhecida como uma das companhias mais seguras do mundo. No entanto, perante o restante descalabro descrito, parece não conseguir alavancar positivamente este indicador tão importante neste setor. O facto de termos a tripulação mais bonita do mundo também não nos serve de consolo.

O ministro Pedro Nuno Santos assume, sem receios, a representação da ala mais à esquerda – mais perigosa, portanto – do PS. Como tal, como bom socialista que é, gosta de intervir na economia e teve na TAP essa grande oportunidade. Alimenta a supremacia estatal (por vezes, em forma de monopólio), promovendo uma concorrência desleal e distorcendo o mercado perante os agentes privados – os tais que tanto têm contribuído para o aumento de visitas de estrangeiros ao nosso país e que, num setor tão complicado, esforçam-se para manter níveis positivos de rentabilidade. É, por isso, difícil de reconhecer para um socialista que a companhia aérea bandeira deixou de ser o colosso tão indispensável que foi outrora, apesar do ainda elevado peso e contributo para o setor da aviação em Portugal. Mais, não é fácil admitir por Pedro Nuno Santos que poderíamos viver sem a TAP, sem uma companhia aérea bandeira. Isto porque, no meio de alguma desonestidade intelectual ou, talvez, pura iliteracia de como funciona a dinâmica de mercado, apregoou-se uma hecatombe se a TAP implodisse. Mesmo que este pior cenário se concretizasse, seria “trágico” apenas no curto prazo – sobretudo pelo desemprego imediato gerado. No entanto, o mercado saberia, como sempre, adaptar-se e colmatar as oportunidades de mercado deixadas vagas pela companhia aérea extinta. Provavelmente – aliás, certamente – de modo mais eficiente. Mas isto, mais uma vez, creio que nunca seria admitido pela ala socialista que o ministro representa. A oportunidade foi aproveitada para uma pseudo-nacionalização da TAP. Continuaremos, portanto, a alimentar com os nossos impostos as paixões ideológicas de quem nos governa.

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