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“5G é importante para o país não perder competitividade tecnológica”

António Martins da Costa defende que Portugal pode e deve ser um 'early adopter' da tecnologia do 5G. Câmara de comércio americana promove conferência sobre 5G, cibersegurança e transformação digital.

António Martins da Costa é presidente da Câmara de Comércio Americana em Portugal e um dos promotores, com a Accenture, da conferência “5G, Cibersegurança e Transformação Digital”, que decorre esta quarta-feira de forma virtual (pode inscrever-se aqui). O gestor explica, em entrevista por escrito ao ECO, o que está em causa para as empresas e para os estados.

Já há um novo calendário para o 5G. Face à resposta das redes atuais na pandemia, o 5G é mesmo necessário a curto prazo?

No contexto de grande transformação digital que o Mundo vive nos últimos anos, já verificámos relativamente a outras tecnologias que ser “early adopter” pode trazer vantagens competitivas importantes. Com efeito, se hoje podemos confiar na infraestrutura nacional de redes de telecomunicações e esta tem efetivamente dado uma resposta notável no contexto de confinamento, é por Portugal ter também sido “early adopter” investindo fortemente na cobertura do país com fibra ótica e redes 4G. Nesse sentido, o investimento no 5G é igualmente importante e faz sentido estratégico, garantindo que o país não perde competitividade a nível tecnológico.

De resto, o “novo normal” provocado pela pandemia dependerá ainda mais da disponibilidade e performance das tecnologias móveis, que serão muito superiores no 5G, abrindo portas a que mais atividades possam ser executadas remotamente.

Em que parte da economia é que o 5G pode ser mais disruptivo?

A tecnologia 5G promete multiplicar significativamente a capacidade de transmissão de dados sem fios, tanto em volume como em velocidade. Assim sendo, as aplicações onde hoje se identificam limitações ao nível da transmissão de dados móveis serão naturalmente beneficiadas, esperando-se uma evolução natural ao nível da logística e distribuição, por exemplo. Mas a maior disrupção surgirá provavelmente do potencial combinatório da tecnologia 5G com outras tecnologias digitais, tais como Inteligência Artificial ou a Realidade Aumentada, potenciando aplicações disruptivas na mobilidade (massificação dos veículos autónomos), na saúde (medicina e cirurgia remota) ou nas cidades inteligentes. É também de esperar uma disrupção significativa no próprio setor tecnológico, uma vez que assistiremos a uma nova vaga de crescimento massivo na geração e comunicação de dados, que terão de ser tratados e armazenados em volumes exponencialmente crescentes, tornando o que hoje chamamos “big data“ em algo numa escala ainda maior.

Onde é que as empresas devem começar já a investir para aproveitar totalmente o potencial da próxima geração de rede móvel?

Em diferentes escalas, todas as indústrias serão impactadas pela introdução do 5G. Nesse sentido, e tratando-se de um avanço tecnológico potencialmente disruptivo, será prudente às empresas avaliarem a que níveis a introdução do 5G irá causar disrupção no seu modelo de negócio, ajustando assim o seu posicionamento estratégico em antecipação. Por outro lado, há também que avaliar de que forma o 5G trará oportunidades, quer de otimização operacional, quer de transformação de processos, ou até de abordagem a novos mercados.

Lembremo-nos que, grosso modo, o 5G trará ao mundo das comunicações móveis a performance que até aqui tínhamos visto apenas nas redes fixas. Apesar de hoje em dia a rede de fibra chegar a uma boa parte do território português (53% das áreas rurais têm cobertura de fibra segundo dados de Maio deste ano), há ainda uma fatia significativa do território onde o 5G fará a diferença, contribuindo para harmonizar a qualidade da infraestrutura de telecomunicações entre o litoral e o interior e, numa perspetiva internacional, entre países desenvolvidos e emergentes. As empresas podem e devem desde já preparar abordagens ao mercado, tendo em conta esta mudança de paradigma, traçando os seus planos estratégicos para um mundo que, ao nível das comunicações, tenderá a ser mais igualitário.

Que papel deve ter a União Europeia ao nível do 5G nesta que já é apelidada de “guerra fria” tecnológica?

Tradicionalmente, a UE tem assumido um papel mais conservador na adoção de novas tecnologias, dado que estas decisões requerem, antes de mais, um consenso interno. Mas esta posição não significa passividade. A UE é composta de dezenas de nações fortemente industrializadas, informatizadas, com infraestruturas sólidas e cujas populações estão disponíveis e recetivas a novas tecnologias.

Em simultâneo, a UE já demonstrou no passado a sua capacidade de ver para além das motivações económicas e tecnológicas, criando mecanismos reguladores e normalizadores (como o GDPR) que permitem aumentar a confiança das populações na adoção de novas tecnologias.

Ainda que não esteja na liderança do R&D global de 5G, a UE poderá desempenhar um importante papel na homogeneização de requisitos, normas e demais mecanismos de salvaguarda da idoneidade das soluções tecnológicas subjacentes ao 5G e promover consensos que criem condições para que se extraia o melhor da tecnologia a nível global.

E que papel é que o 5G pode assumir na promoção do comércio global? Que oportunidades vê no horizonte?

O 5G alterará não só o paradigma global das interações interpessoais, mas também as interações com máquinas e inter-máquinas, amplificados pelo crescimento do IoT e das tecnologias de processamento Edge.

Ao tornar as interações em tempo real uma realidade acessível e disponível, abrirá caminho a que a prestação de serviços remotos seja global, feita em larga escala e dê origem à criação e proliferação de novos serviços globais e relações pessoais e empresariais hoje impensáveis ou impraticáveis. Neste contexto, os volumes de dados gerados por estas interações possibilitarão novos níveis de sofisticação de Inteligência Artificial, pelo que os graus de automatismo e autossuficiência de equipamentos, estruturas e organizações (ex: indústria, logística) serão fortemente alavancados.

O crescimento exponencial destas interações, dados e automatismos em tempo real abrirá um novo universo de oportunidades, porquanto esbaterá algumas das fronteiras e limitações hoje existentes no comércio global. Trará também uma concorrência mais global, digital e eficiente que elevará para novos patamares a exigência dos clientes e consumidores.

Face às diferenças que o 5G tem vindo a expor na geopolítica, não há o risco de acabar por ser, pelo contrário, uma ameaça à globalização?

Todas as tecnologias transformadoras a nível global começam por ter, de início, diferentes abordagens geográficas e políticas associadas a pretextos tecnológicos. Tal situação levou no passado a diferenças como o NTSC vs PAL, o GSM vs CDMA ou as diferentes voltagens e interfaces nas tomadas elétricas.

A definição de standards e conceitos globais é fator crítico de sucesso da transformação das tecnologias. A proliferação de standards e opções tecnológicas incompatíveis atrasará inevitavelmente a sua expansão e adoção.

Importa, pois, que no 5G a definição de standards – crítica para a obtenção transversal de todas as suas potencialidades – não seja limitada por interesses individuais de nações específicas. Dada a importância do 5G para as sociedades futuras, é legítimo e compreensível que existam reservas por parte dos Estados, motivadas por questões de defesa da sua soberania. Todavia estas podem ser dirimidas pelo diálogo a nível internacional e pela criação de organismos supranacionais que assegurem os standards e garantam as salvaguardas tecnológicas e regulatórias necessárias para que os riscos e vulnerabilidades das novas tecnologias sejam evitados.

Os EUA desencadearam um decoupling da tecnologia chinesa, sobretudo no que toca ao desenvolvimento do 5G. É o caminho certo?

É uma posição de salvaguarda legítima dos EUA considerando vários fatores tais como i) a tradicional liderança dos EUA no desenvolvimento das tecnologias de TIC ii) a crescente e rápida influência de empresas e tecnologias Chinesas no mundo ocidental e iii) a importância que o 5G terá nas sociedades digitais do futuro.

É assim compreensível que surjam reservas face à oferta cada vez mais sofisticada da concorrência chinesa e que os EUA sintam necessidade de garantir que as tecnologias subjacentes sejam seguras, abertas e que possam de forma confiável suportar estas infraestruturas digitais críticas do futuro.

Não obstante, acreditamos que, através do estabelecimento de mecanismos de controlo e com a supervisão e certificação de organismos internacionais, possa ser possível, pelo menos, a inter-compatibilidade de tecnologias, bem como a constituição de standards tecnológicos comuns que assegurem a todos os stakeholders a necessária segurança e confiança na sua adoção ou interligação.

Os EUA já têm as primeiras ofertas comerciais de 5G. Portugal está atrasado a este nível, ou é natural face à dimensão muito diferente de ambos os mercados?

Os EUA estão a assumir naturalmente, nesta tal como noutras matérias de inovação tecnológica, o seu papel de potência mundial em que o empreendedorismo imprime um enorme dinamismo ao mercado. A dimensão do mercado é um fator impulsionador, mas há outros como a própria sofisticação tecnológica.

Portugal está a fazer o seu caminho, tendo a seu favor a sua grande capacidade de adoção de tecnologias inovadoras e de desenvolvimento de soluções com elevado potencial de criação de valor. Tal já aconteceu no passado em várias áreas como nas transações eletrónicas com a rede multibanco ou na mobilidade com a via verde, em que apesar de não termos sido “first to market”, potenciámos a ”early adoption” e criámos propostas de valor com níveis assinaláveis de sucesso.

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