Antecipar o Futuro. O Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho

Podendo o futuro do trabalho romper com o modelo social que conhecemos e pôr em causa os pilares que estão na base das democracias liberais, importa prevenir e atuar.

Podendo o futuro do trabalho romper com o modelo social que conhecemos e pôr em causa os pilares que estão na base das democracias liberais, importa prevenir e atuar, de forma a evitar surpresas desagradáveis.

A revolução digital, a automação e a inteligência artificial têm potencial para alterar profundamente o mercado de trabalho. Não só o modelo taylorista do trabalho foi irremediavelmente posto em causa, como o tipo contratual em que assenta a relação laboral tende a ser desvirtuada.

O incremento das tecnologias de informação e comunicação, a par do uso de algoritmos na seleção de trabalhadores, do tratamento de dados numa escala nunca antes vista e da massificação do trabalho remoto, trará novas formas de prestar trabalho, novos (des)equilíbrios, desafios ao nível da conciliação da vida profissional com a vida familiar, bem como novas questões ao nível do direito à privacidade, da limitação do tempo de trabalho e do direito à desconexão. Por outro lado, a proliferação de trabalhadores informais, do trabalho realizado em plataformas colaborativas e o desvirtuamento do contrato de trabalho tradicional, pode pôr em risco a proteção social e a sustentabilidade da segurança social.

Perante isto, há dois caminhos possíveis: o primeiro, é nada fazer, acreditar no mercado e na sua “mão invisível” e seguir uma linha hayekiana, segundo a qual a liberdade empresarial e os agentes económicos encontrarão, sozinhos, o melhor caminho para estes novos desafios, sem que o Estado nisso deva interferir. O segundo, de lógica mais keynesiana, assenta na regulação. Tratando-se de um tema que pode romper com o modelo social que conhecemos, potenciar o desemprego, trazer conflituosidade social e pôr em causa os pilares que estão na base das democracias liberais, importa prevenir e atuar, de forma a evitar surpresas desagradáveis.

O famoso conflito de duas grandes escolas económicas, que opôs Hayeck e Keynes no rescaldo da II Guerra Mundial, sublimemente descrito na obra de Nicholas Wapshott, volta agora a colocar-se, a propósito do futuro do trabalho.

É verdade que o tema é recorrente. A ideia segundo a qual as máquinas vão roubar o nosso emprego, não é nova. Desde a industrialização e do final do século XVIII que inúmeros economistas alertam para o tema, chamando a atenção para a ameaça da utilização massiva da máquina, que pode tornar o trabalho humano supérfluo. A verdade, porém, é que desde então as sociedades evoluíram, atingindo um nível de satisfação e de sofisticação que alteraram o nosso nível de vida. De forma geral, pelo menos nos países ocidentais, a inovação e a tecnologia aumentaram o nosso estilo de vida; a esperança de vida aumentou; os sistemas de saúde pública tornaram-se universais; e a segurança social criou um sistema igualmente universal de proteção na velhice, doença e desemprego. As máquinas destruíram alguns empregos, é verdade, mas o balanço foi positivo: a tecnologia aumentou a produtividade laboral, trouxe competitividade, alargou a liberdade de opção dos consumidores e abriu portas a novas oportunidades, que antes só existiam no domínio da ficção científica.

Desta vez, porém, a disrupção pode ser mais intensa.

É que não se trata, apenas, de introduzir tecnologia e automação em modelos já existentes. O que está em jogo, agora, é mais do que isso. É alterar o modelo de contrato social que conhecemos e que nos trouxe um longo período de paz e prosperidade, desde o final da II Grande Guerra. O que está em causa, desta vez, é o agravamento das desigualdades, a tendencial implosão dos contratos de trabalho permanentes e a sua substituição por um novo modelo de trabalho, assente na flexibilidade, na intermitência, nos pequenos projetos (“gig economy”) e na ausência de relações de trabalho entre quem trabalha e quem contrata.

Por essa razão, diversas instâncias internacionais, nomeadamente a União Europeia, a Organização Internacional do Trabalho e a OCDE, têm alertado para a necessidade de a sociedade preparar, em conjunto, o futuro do trabalho, promovendo para o efeito um diálogo social entre governos, empregadores e trabalhadores.

É nesse contexto, portanto, que diversos países têm estudado o tema e promovido a publicação de um Livro Verde Sobre o Futuro do Trabalho, como é o caso do Green Paper Work 4.0, elaborado pelo Ministério do Trabalho Alemão.

Em vésperas de assumir a Presidência da União Europeia, e de forma a estar na vanguarda deste movimento, o Governo português abriu, também, os trabalhos para a elaboração do seu próprio Livro Verde, tendo eu o privilégio de ser um dos coordenadores científicos do mesmo, a par da minha Colega, Profª Teresa Coelho Moreira.

O processo de elaboração será participado e conta com o empenho de todos: académicos, pensadores, sociedade civil, ONG´s, associações patronais e sindicais. O objetivo é claro: até ao final do corrente ano de 2020, importa criar linhas de orientação para preparar o país para os desafios do futuro ao nível do mercado de trabalho.

Importa, acima de tudo, promover um justo equilíbrio entre modernidade, tecnologia e flexibilidade, por um lado, e a existência de trabalhos dignos e decentes, por outro.

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