A crise e a banca

Enquanto os ventos foram de feição foi fácil ir mantendo as aparências. Agora, em tempos difíceis, vai ser visível o quanto tudo isto vai custar a Portugal e aos portugueses.

A pandemia da Covid-19 lançou as economias de todo o mundo numa profunda crise económica. No caso português, apesar da incerteza que ainda nos rodeia (nomeadamente se haverá uma 2ª segunda vaga no Outono-Inverno e quando haverá uma vacina), as previsões de todas as entidades nacionais e estrangeiras apontam para uma quebra do PIB, em 2020, de 10%. O desemprego também irá disparar, provavelmente para um valor acima dos 10%.

Esta crise terá naturalmente impactos na capacidade das famílias e das empresas em fazerem face aos seus compromissos financeiros.

Para responder à crise, o Governo tomou a decisão de criar moratórias de crédito. Entre março de 2020 e março de 2021, as famílias com quebras de rendimento (nomeadamente pelo lay-off) e as empresas com quebras de faturação significativas têm a possibilidade de diferir o pagamento das prestações dos seus créditos (habitação e consumo no caso das famílias e ou créditos empresariais no caso das firmas).

Sabemos que neste momento há cerca de 40 mil milhões de euros de empréstimos em moratória. Isso representa cerca de 20% do crédito concedido. É um número avassalador e que nos deve deixar muito preocupados. Porque chegando a abril de 2021 haverá possivelmente muitas famílias e empresas a entrarem em incumprimento.

A verdade é que, a crise económica, provocada pela pandemia da Covid-19, pode ter efeitos muito severos no setor financeiro Português, já bastante debilitado pela anterior crise.

É um facto que o setor financeiro está hoje mais resiliente que em 2007. Tem melhores rácios de capital. Tem menos créditos problemáticos. Sobretudo, nos últimos 10 anos, fruto de administrações sérias e competentes, os bancos não cometeram os “empréstimos de crony capitalismo” da primeira1ª década do século XXI. Não houve, a partir de 2011, empréstimos a projetos como a “La Seda” ou a “Pescanova”. Nem houve assaltos ao poder como no BCP, com o próprio banco, mas também a CGD e o BES, a emprestarem dinheiro a várias pessoas para comprarem ações, financiando 100% do valor, apenas com a própria ação como garantia.

Mas, ainda mesmo assim, o setor financeiro tem ainda hoje muitos ativos por “limpar” nos seus balanços. Em cima disso, o setor financeiro tem uma muito baixa rentabilidade muito baixa.

Nos últimos 15 anos, o setor financeiro acumulou prejuízos. O retorno dos capitais próprios dos bancos Portugueses tem sido abaixo do custo desses mesmos capitais próprios (em linguagem mais técnica, o ROE – return on equity tem sido abaixo do cost of equity). Isso significa que os acionistas dos bancos têm perdido dinheiro (basta ver as cotações dos bancos em 2007 e hoje). Mesmo em 2019, um ano melhor que os anos da crise, no conjunto do setor bancário, os bancos nacionais tinham um dos piores ROE ao nível dos setores bancários da União Europeia. Em 2019, em média, o ROE dos bancos foi de 4%, um valor demasiado baixo para ser atrativo para investidores nacionais ou estrangeiros.

Têm também um modelo de negócio ultrapassado, com elevados custos fixos. O “cost to income” (a métrica mais importante na análise de um banco, que é o custo a dividir pelo rendimento do banco: custo/produto bancário) anda em torno dos 55% a 70%, consoante o banco. Isto também é uma das piores performances a nível Europeu. Basta pensar que Portugal tem um dos maiores rácios de balcões por 100 mil habitantes da Europa. Isso também faz com que o volume de depósitos e crédito por balcão seja dos mais baixos a nível Europeu.

Mas também a margem financeira dos bancos é neste momento muito reduzida. O ambiente de taxas de juro próximas de zero (ou mesmo negativas) da última década tornou o negócio dos bancos muito difícil de gerir.

A somar a isso, tem níveis de rácios de capital, que, sendo acima do mínimo imposto pelo BCE de 8%, não dão uma margem muito grande de resiliência.

É verdade que foram já adotadas várias medidas, a nível nacional e internacional, para o sector financeiro. As autoridades de supervisão e regulação financeira introduziram um conjunto alargado de medidas com o objetivo de garantirem que o sistema bancário mantinha a capacidade para desempenhar a sua função de financiamento à economia. Assim, houve uma flexibilização dos requisitos prudenciais, exigidos às instituições financeiras, ao nível dos requisitos dos fundos próprios (Pillar 2 Guidance) e também no nível de liquidez.

Além disto, as autoridades monetárias introduziram linhas de liquidez adicionais para o sistema financeiro. Na zona euro, o BCE lançou um conjunto de operações de refinanciamento de longo prazo com taxas abaixo da taxa principal de refinanciamento do Eurosistema (LTRO-A e PELTRO) e ajustou também as condições da operação TLTRO-III.

Mas isto não chega. Na primavera-verão de 2021, os bancos nacionais estarão perante uma situação muito difícil, com a previsível subida dos incumprimentos, assim que terminem as moratórias.

Isto porque, por um lado, o desemprego já está a aumentar significativamente, e vai continuar a subir durante o resto de 2020 e o ano de 2021. Muitas famílias chegarão a abril de 2021 com situações de desemprego (ou pelo menos de uma forte redução no rendimento) e poderão não conseguir pagar as suas prestações bancárias.

Por outro lado, as empresas terão também um período de recuperação lento, e, em muitos casos, não é expectável que em abril de 2021 estejam já com os níveis de faturação que tinham no final de 2019 (ou em abril de 2019 para negócios sazonais).

Além disso, alguns setores terão uma recuperação muito mais lenta. O setor do turismo (e por arrasto a restauração e serviços conexos) vai demorar muito tempo a recuperar. Não só porque, muito provavelmente, ainda vamos ter de viver com a pandemia mais algum tempo, mas também porque vai demorar até as pessoas poderem novamente viajar, em lazer, como faziam antes. Além disso, quebras de rendimento das famílias conduzem sempre a uma menor procura neste tipo de serviços, que não são de primeira necessidade. Também o turismo de negócios e conferencias vai demorar anos a recuperar. Não só porque as empresas, com menos vendas, terão de cortar nos custos, como também a pandemia mostrou que muitas vezes a deslocação pode ser trocada por uma videoconferência sem perda de eficiência.

Mas também o setor do têxtil e calçado vai ter um período muito difícil. Neste momento, muitas empresas estão ainda a laborar (mas muito abaixo da sua capacidade), porque estão a produzir a moda “outono-inverno”. Mas em breve deveriam estar a começar a produzir a moda “primavera-verão de 2021”. Só que como não houve vendas nesse período em 2020, os stocks estão nas lojas e armazéns, à espera de serem vendidos entre abril e setembro de 2021. Em breve as empresas têxtil e do calçado enfrentarão um período pior do que aquele que já estão a sentir neste momento.

Tudo isto leva a que seja expectável um aumento dos incumprimentos de crédito das famílias e empresas (os “famosos” “NPL – non performing loans”), que terão de gerar as também “famosas” “imparidades” (reconhecer a perda no balanço do banco, o que reduz o capital da instituição).

Pelas minhas contas, usando alguns dados públicos dos bancos e da APB, creio que se dos 40 mil milhões em moratória, cerca de 10 a 12 mil milhões entrarem em incumprimento no fim da moratória, os bancos poderão vão ter de aumentar os seus capitais. Ou seja, os bancos podem aguentar até 25% de incumprimento do que está na moratória. Mas dificilmente aguentarão mais do que isso.

Ora, é provável que o nível de incumprimento seja superior a 25% das moratórias. Sobretudo porque infelizmente o governo pouco fez para acelerar a recuperação económica. O governo está à espera do “milagre dos fundos Europeus”. Mas os fundos só começarão a chegar lá para o final de 2021. Para muitas empresas será demasiado tarde.

Infelizmente, o governo não olhou para o programa de recuperação económica que o PSD apresentou no inicio de junho. Consiste em medidas de apoio às empresas, à capitalização das PME, ao investimento e às exportações. Mas mais importante, não são medidas que dependam da ajuda Europeia. São medidas que podemos tomar internamente. São uma espécie de “trabalho de casa” que qualquer governo devia fazer para proteger as empresas e o emprego.

É fundamental que se proteja o setor financeiro. Nenhum país se desenvolve e cresce economicamente se não tiver um setor financeiro capaz e eficiente, em que a concessão de crédito seja uma alavanca do investimento.

Por isso, o PSD apresentou, no passado dia 1 de setembro, um conjunto de medidas para o setor financeiro, no âmbito do Programa estratégico e dos fundos Europeus, que iremos apresentar até ao final do mês. Entre as medidas propostas, a mais relevante é:

  • O Governo deverá iniciar imediatamente negociações com o regulador Europeu (EBA) para ser permitido prolongar o regime das moratórias até setembro de 2021 (apenas para capital em dívida e não juros e comissões), para as famílias e particulares e para os sectores económicos mais afetados pela crise económica (identificados já pela Comissão Europeia, nomeadamente o turismo, têxtil, calçado, automóvel, entre outros).

Mas este plano para o setor financeiro apresentou outras medidas, também muito relevantes, mas relacionadas com as empresas e a capacidade de resistirem a esta crise.

Retomámos um conjunto de medidas de capitalização, ligadas ao Banco de Fomento e ao BEI (Banco Europeu de Investimentos), que já tínhamos apresentado logo no início de abril e retomado no programa de recuperação económica no início de junho. O BEI tem um pacote de 240 mil milhões de euros, a nível Europeu, para apoiar a capitalização das empresas. Infelizmente o governo nesta matéria não avançou nada em 6 seis meses. E Portugal corre o risco de ir buscar zero! Quando as empresas nacionais mais precisam de capital, quando Portugal podia ir buscar 4 ou 5 mil milhões para esses apoios, arriscamos, por incúria do Ministério da Economia, de ir buscar zero!

Mas também apresentámos medidas para melhorar a recuperação e insolvência de empresas, um setor área que funciona bastante mal, o que prejudica as empresas que são viáveis, mas que atravessam dificuldades, mas também dificulta a que se feche as empresas que não são viáveis e que apenas consomem recursos, escassos e necessários para as outras empresas.

Infelizmente, com um Governo capturado pela demagogia da extrema-esquerda, dificilmente haverá medidas de recuperação da economia e de estabilização do setor financeiro. Mas o primeiro-ministro está onde se colocou, quando há 5 anos optou pelo poder com uma coligação, ignorando a derrota nas eleições, a tradição democrática em Portugal e a necessidade de realizar reformas estruturais e de tornar a economia mais competitiva. Enquanto os ventos foram de feição (crescimento, turismo, imobiliários e juros muito baixos devido à política do BCE) foi fácil ir mantendo as aparências. Agora, em tempos difíceis, vai ser visível o quanto tudo isto vai custar a Portugal e aos portugueses.

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