Sobre o percurso da desilusão… e o hacktivismo

Diz-se que, em meses, avançámos anos. Consumidores e marcas. Mas, depois da euforia, será que teremos de fazer o percurso da desilusão?

A questão surge após uma conversa. Não como questão, antes como afirmação. Eu é que a transformei em interrogação, quase como uma forma imediata de recusa ou aceitação daquele que pode ser o cenário seguinte do mercado.

Em qualquer estudo de tendências, ou em conversa com futuristas, dizem-nos que, durante o lockdown e com a pandemia, muitas das projeções para a nova década — a que chamavam Transformative Twenties, acabaram por se concretizar em poucos meses. O que nos conforta é pensar que, em pleno cenário de pandemia, houve, por parte das marcas, a capacidade de inovar, e, por parte do consumidor, a capacidade de se adaptar. À nova realidade e, acima de tudo, a uma transformação digital que lhe foi imposta pela circunstância de se ver limitado às quatro paredes de casa.

Mais do que conforto, acredito que até vivemos uma certa euforia com o comportamento digital que todos — e aqui incluo as gerações nativas e não nativas digitais, tivemos com a compra online; e pela criação de soluções imediatas de venda por parte das marcas nos seus canais digitais, criados ou melhorados. E o que ouço, nos mais diversos setores, é que, de facto, o digital ajudou as empresas a compensarem as perdas no canal físico. Que quebras no B2B se compensaram com ganhos no B2C

Mas e se forem tudo comportamentos e soluções que funcionam apenas no imediato? E se, a seguir à euforia, vier o tal percurso de desilusão? Desilusão connosco, desilusão com o que as marcas nos oferecem, desilusão… ou a conclusão de que afinal foi pouco? Tornamo-nos mais sofisticados e incluídos digitalmente, ou apenas facilitadores? Facilitámos a falta de customização, a falta de verdadeiras estratégias digitais, porque a pandemia serve de desculpa?

Precisamente esta semana, quando coloco todas estas questões, a artista espanhola Yolanda Domínguez fez hacktivismo para a Câmara de Soria, em que usa a nova campanha do El Corte Inglés para falar sobre a diversidade dos corpos femininos. Conhecida pela forma como coloca a arte no digital, desta vez, o projeto troca a atriz Bárbara Lennie — protagonista da campanha de outono, por mulheres com os mais diversos corpos, mas com algo em comum: o mesmo vestido com que atriz posa na campanha do grupo espanhol.

“Rompe el Estereotipo” é uma obra-campanha que a artista diz não ser uma “critica à marca em concreto, antes à repetição dos cânones que continuam a existir no mundo da moda”. Mas este não era um tema do velho mundo, daquele que tínhamos antes da pandemia?

Até agora não entendi o que queremos dizer com “novo normal”. E a questão é o que mudámos efetivamente ao longo dos últimos meses. Não estaremos apenas “cegos” por resultados imediatos e conversas que pouco têm para evoluírem para um diálogo? Ou, por outras palavras, como dizia esta semana no Fast Company Innovation Festival, o músico Scott Brown: “O que a pandemia nos trouxe, em última análise, foi uma oportunidade de abrandar e inovar de diversas formas: na sociedade, na nossa forma de pensar, nos nossos sonhos.” Mas conclui: “A maior tragédia será de voltar ao normal e nada ter efetivamente mudado”.

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