La vita è bella
Numa altura em que o medo parece regressar, talvez fosse bom que houvesse um consenso sobre o que não fazer: Não podemos continuar a roubar a infância às crianças.
A infância (entendida como o período entre os 3 e os 10 anos) é um período crucial da vida. É um período de aprendizagem e de formação de personalidade, mas também de alegria despreocupada, encaixada ali entre os anos em que não nos lembramos de nada e os anos duros da adolescência. É também um período muito curto em que cada ano parece longo e cheio de experiências. A esperança média de vida anda acima dos 80 anos, mas aqueles 7-8 anos são especiais, com mais memórias e implicações para o futuro do que qualquer outra fase da vida. É também, em boa parte, um período feliz e despreocupado, possivelmente o único período da vida em que normalmente se juntam estas duas características.
Sendo um período curto, cada ano conta. Quem teve o azar de passar parte da sua infância em 2020 assistiu a familiares com medo, em muitos casos foi-lhes dito que não se poderiam aproximar de uma pessoa próxima, que não podiam estar com os amigos ou brincar no parque. De um momento para o outro as pessoas à sua volta começaram a usar máscara, deixaram de ver sorrisos e começaram a ouvir falar de uma ameaça invisível que não entendem. A maioria foi impedida de ir à escola durante largos meses. A visão que têm do mundo ficou irremediavelmente toldada pela experiência dos últimos meses. Os efeitos psicológicos de longo prazo de tudo isto só serão conhecidos daqui a muitos anos.
As crianças fizeram um esforço desproporcional na contenção da pandemia. Desproporcional porque lhes foi pedido que prejudicassem a sua formação e lhes toldassem a visão do Mundo. Desproporcional, porque os riscos próprios eram reduzidos. Mas, acima de tudo, desproporcional porque perdem uma parte demasiado grande de um curto período da sua vida.
Nós, os adultos, falhámos. Falhámos quando, ao contrário de outros países onde se valoriza mais a educação, vimos nas escolas um alvo fácil para fechar. Falhámos quando, por muito pouco, íamos permitindo que as crianças ao cuidado do Estado ficassem em prisão domiciliária enquanto permitíamos eventos políticos com centenas de pessoas (mas que raio de sociedade vê as crianças como algo menos importante que a atividade política?). Falhámos quando, por puro conservadorismo e aversão ao risco (típico de sociedades envelhecidas), decidimos fechar parques e interromper o desporto infantil.
Enquanto adultos tínhamos uma obrigação perante as crianças: Fazer com que passassem por isto com uma sensação de normalidade tão grande quanto possível. Fazer com que nas suas memórias de infância não estivessem adultos assustados a falar de um perigo invisível, sinais de proibição nos parques infantis e longos períodos de afastamento dos seus amigos. Falhamos até agora, mas não convém que voltemos a falhar. Não é só perante os mais velhos que temos obrigações, temos também obrigações perante as crianças. Temos a obrigação de não lhes tirarmos a única infância que irão ter. Temos a obrigação de perceber que se a pandemia durar muito, e se a seguir a esta vier outra, não podemos permitir que este estado de excepção seja toda a sua infância.
A discussão sobre a pandemia está a tomar os contornos habituais de todas as discussões nas redes sociais: Extremada e sem pontos de contacto.
De um lado os teóricos da conspiração que garantem que isto é tudo uma armação dos Clinton, Soros, Bill Gates, o Batman e a Porquinha Pepa para vender vacinas e implantar chips. Do outro, a ala confinadeira para quem a COVID é uma espécie de Ébola altamente contagiosa para a qual usar escafandro e ficar confinado décadas a fio é um preço pequeno a pagar para acabar com a ameaça. Pelo meio, ainda há alguns oportunistas que usam isto como desculpa para fazer avançar agendas totalitárias sem relação com o combate ao vírus.
Como sempre, estes dois grupos vão-se alimentando de informação parcial que procuram para confirmar as suas perspectivas e partilham em grupos fechados onde todos concordam. Dependendo de que lado está, do outro lado só há ditadores ou assassinos insensíveis. No mínimo, quem não está do seu lado é burro ou desinformado. No meio de tanta informação e contra-informação é complicado encontrar equilíbrios. Mas por esta altura, gosto de pensar que já temos informação e consenso suficiente para concordarmos todos que não podemos voltar a fazer o que fizemos às crianças no início. Temos que encontrar um equilíbrio que lhes permita ter uma infância. Numa altura em que o medo parece regressar, talvez fosse bom que houvesse um consenso sobre o que não fazer: Não podemos continuar a roubar a infância às crianças.
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