OE 2021. Reflexo de um Governo sem rumo, sem soluções e sem ambição
O Orçamento para 2021 espelha o Governo: sem rumo, sem soluções, sem qualidade técnica e sem ambição. Exatamente o contrário do que o país precisa neste momento difícil.
A entrega e discussão do Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021) vieram demonstrar, mais uma vez, três aspetos simples que podemos constatar sobre o Governo e os seus parceiros de esquerda:
- Primeiro, o Governo está sem rumo;
- Segundo, só foram capazes, todos eles, de governar em tempos de vacas gordas e, enquanto houve dinheiro, foi fácil vender a ilusão da estabilidade política;
- Terceiro, este OE é um conjunto de equívocos e uma proposta cheia de fragilidades técnicas (em linha com o que escrevi aqui há duas semanas).
Um Governo sem rumo
A avaliação da UTAO e do Conselho de Finanças Públicas (CFP) ao OE é extremamente crítica. Fica ainda mais claro que o OE não responde à crise, não apoia a economia e tem fragilidades técnicas muito significativas.
A forma como o Governo apresentou o OE, alterando valores e mapas depois da sua entrega oficial (refira-se que a proposta orçamental teve quatro versões na primeira semana após a entrega), sublinha as fraquezas do documento.
Como refere a UTAO: “A informação sobre as medidas discricionárias de política com expressão orçamental precisa ser francamente melhorada”. A UTAO vai ainda mais longe e diz: “Um leitor atento da POE tem muita dificuldade em responder objetivamente a duas perguntas: O que é que o Governo tenciona fazer diferente em 2021, face a 2020, em sede daquelas medidas? Em quanto é que todas essas mudanças de orientação política impactam no saldo orçamental?”. É muito revelador que o Governo tenha procurado explicar os números do SNS, no conflito com o Bloco de Esquerda, usando valores que não constam da proposta do OE.
Temos, pois, um OE opaco, sem transparência. Mas também um OE que é um reflexo da atual situação do Governo.
Um Governo que entrou nesta legislatura, em outubro de 2019, já sem dinamismo e ideias. Um Governo enorme, com 70 membros, mas com pouca gente com carreira académica e profissional e com demasiada gente do aparelho e do carreirismo político. Um Governo que está esgotado.
Relativamente a março e abril, face ao início da pandemia, podemos compreender as enormes dificuldades, dado que ninguém esperava a pandemia e o conhecimento sobre o novo Coronavírus era quase nulo. Aí o Governo teve o apoio explícito de quase todo o país.
Mas quanto a preparar o país para as dificuldades resultantes de uma eventual segunda vaga, o Governo ignorou todos os avisos. Não preparou o país e o SNS para aquilo que estamos a assistir. Portugal tem neste momento um número elevadíssimo de casos e também, infelizmente, de internados e de óbitos. O SNS está a “rebentar pelas costuras”, muito fruto de uma incompetência, mas também de uma cegueira ideológica.
A ministra Marta Temido pode ter os gostos musicais que entender e ouvir a “Internacional” para se acalmar, mas não pode ignorar as necessidades do SNS e o apoio que o setor social e privado poderiam estar a dar neste momento na resposta à crise sanitária.
O Governo está em modo desespero. Não sabe o que fazer para controlar a pandemia. Nem sabe como vai combater a crise económica e social. Espera pelo “milagre Europeu”. Espera que a “bazuca” Europeia resolva os problemas todos e que possa voltar ao que fez nos últimos cinco anos: governar à vista e distribuir benesses à sua base eleitoral e aos seus companheiros de geringonça.
Quando olho para o primeiro ministro, é difícil não me lembrar de Maquiavel. E de uma frase de “O Príncipe”: “Se os nossos príncipes de Itália, depois de governarem, vierem as perder os seus reinos, que não acusem a sorte, mas sim a falta de coragem”.
Governar em tempos de vacas gordas e a ilusão da estabilidade política
Nos últimos quatro anos, alertei, aqui no ECO e noutros fóruns, que o Governo fazia uma navegação à vista, empurrado pela conjuntura económica extremamente favorável. Fui alertando que o défice nominal estava a reduzir-se graças a quatro fatores, nenhum deles estrutural: redução da despesa com juros e aumento dos dividendos do Banco de Portugal (estes dois por via da política monetária do BCE), a subida da carga fiscal e a redução do investimento público. Fui alertando que a degradação dos serviços públicos resultava de uma escolha “oportunista” para agradar às clientelas políticas do PS e dos seus parceiros de extrema-esquerda.
Enquanto houve vacas gordas foi fácil aos partidos da geringonça aprovarem os Orçamentos do Estado. Enquanto houve benesses para distribuir e reversões (muitas delas, como o corte de salários na função pública do OE2011, vindas de um governo do PS – os verdadeiros pais da austeridade em Portugal) foi fácil chegaram a acordo.
Agora que o país atravessa uma crise sem precedentes, que os tempos são de vacas magras, a extrema-esquerda despe a pele de cordeiro e mostra as garras de lobo. Desentendem-se, não são capazes de assegurar uma solução de estabilidade e lançam o OE para uma luta de taticismo político. E mesmo a abstenção do PCP e do PEV é muito frágil. Só no primeiro dia entraram mais de 200 alterações ao OE por parte dos partidos que o vão viabilizar! O pântano está de volta à política Portuguesa, mais uma vez pelas mãos dos Socialistas.
Agora, o sentido de Estado impunha que os que estiveram juntos nestes últimos 5 anos, a usufruir do bom trabalho feito pelo Governo anterior do PSD/CDS e a usufruir da boa conjuntura internacional, estivessem também juntos nos momentos difíceis.
Percebemos bem o logro que foi vendido ao país em novembro de 2015.
Um OE cheio de fragilidades técnicas
Há duas semanas identifiquei várias fragilidades técnicas no OE. O relatório da UTAO e o do CFP são ainda mais críticos.
A UTAO salienta que o cenário macroeconómico do governo é mais otimista e que isso encerra riscos adicionais. Também refere a sobrestimação da receita (nomeadamente, como referir aqui há 2 semanas, no IRC) e a subestimação de algumas rubricas de despesa. A UTAO também considera que as medidas de combate à crise estão muito sobrestimadas. Isto é, o governo anuncia muito, mas depois o que coloca no OE é muito pouco. A UTAO também alerta para os riscos orçamentais do Novo Banco e da TAP.
Sobre a resposta à crise no SNS, a UTAO é taxativa a afirmar: “a dimensão financeira das medidas ora sinalizadas pelo Governo parece bastante reduzida face à dimensão de problemas crónicos detetados anteriormente neste setor, como sejam as práticas de suborçamentação e a elevada dívida do SNS escrutinadas em vários relatórios da UTAO nos últimos 24 meses.”
O CFP é igualmente muito crítico sobre a transparência do OE e sobre a consistência e robustez dos números apresentados pelo governo. O CFP corrobora as críticas à sobrestimação da receita e aos riscos orçamentais do Novo Banco e da TAP. Também sublinha que uma parte significativa da despesa prevista para 2021 depende de financiamento comunitário que ainda não está formalmente aprovado pelas instituições europeias.
Em síntese, um OE que espelha o Governo: sem rumo, sem soluções, sem qualidade técnica e sem ambição. Exatamente o contrário do que o país precisa neste momento difícil. O país está a pagar o preço da ambição desmesurada do primeiro ministro em 2015.
Volto a Maquiavel: “Mas a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela”.
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