E se houver uma vacina e muitos a recusarem?

O jornalista Filipe Santos Costa assina a newsletter "Novo normal" e esta semana analisa os avanços na vacina contra a Covid-19 e a reticência da população em aderir à vacinação.

Temos boas notícias e más notícias.

A boa notícia é que estamos mesmo perto de ter uma vacina para a covid-19, ao que tudo indica com um alto nível de eficácia e aparentemente sem efeitos secundários graves. Há ainda muitas dúvidas em relação ao anúncio feito na segunda-feira pela Pfizer, que ainda não foi sujeito a revisão por pares, e muitas questões sobre como fazer chegar a futura vacina a milhões de pessoas em todo o mundo, mas desde esta semana há a hipótese realista da vacina começar a ser administrada nos próximos meses.

O regulador alemão do medicamento diz que as primeiras aprovações de vacinas podem acontecer até ao final do ano, e na Europa a vacinação poderá começar a partir de março do ano que vem, de acordo com a diretora do Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC). Pode ler aqui como funciona e quando chegará a vacina do consórcio Pfizer/BioNTech.

Dois dias depois, chegou da Rússia uma notícia semelhante. A Sputnik V, produzida pelo Instituto Gamaleya, um laboratório governamental ligado ao Ministério da Saúde, terá uma eficácia de 92%, segundo os dados preliminares relativos à fase 3 de testes. A vacina combina dois adenovírus com o gene do coronavírus. O anúncio teve bastante menos impacto do que o da Pfizer, pois há muitas reticências sobre a fiabilidade dos dados russos, que também ainda não foram revistos pela comunidade científica, e fazem parte de um processo algo acidentado.

A má notícia é que, ao longo destes meses de pandemia, tem aumentado por todo o mundo a desconfiança em relação à vacina contra a covid-19. E já não falamos apenas dos negacionistas “anti-vaxer”, que acham que as vacinas fazem parte de uma conspiração-global-para-não- se-percebe-bem-o-quê. Entre a desinformação que campeia nas redes sociais, o aproveitamento feito por alguns políticos menos escrupulosos, e a rapidez com que a ciência e a indústria responderam ao desafio, acenando com uma vacina em tempo recorde, aumentou o número dos que estão, pelo menos, de pé atrás.

Há uns tempos, um artigo da New York Magazine colocava o problema nestes termos: e se houver uma vacina e ninguém a quiser tomar? “Ninguém”, neste caso, é um exagero – mas quantos menos aderirem à vacina, menor será a capacidade de criar imunidade comunitária e cortar o caminho a mais infeções e mais gente doente.

Qual a taxa de vacinação necessária?

A Organização Mundial de Saúde estima em 70% a fasquia de vacinação numa determinada população para quebrar a transmissão do vírus. Mas também reconhece que está a crescer por todo o mundo o ceticismo em relação às vacinas – e em 2019 já tinha apontado esse fenómeno como uma das dez grandes ameaças de saúde que o mundo enfrenta.

Um artigo publicado no início deste mês na Lancet – uma das mais prestigiadas publicações científicas internacionais – analisa os desafios para gerar imunidade comunitária em relação à covid-19 através da vacinação. Não há uma resposta simples à pergunta sobre que percentagem da população deve estar vacinada para criar imunidade comunitária em relação ao novo coronavírus, pois esse cálculo depende de variáveis sobre as quais ainda não temos certezas.

Há dúvidas importantes ainda por responder, como elenca este artigo da Nature:

  • qual a duração da eficácia da vacina?
  • os participantes no estudo que ficaram doentes registam apenas sintomas ligeiros, ou há casos de gravidade alta e moderada?
  • a vacina impede que pacientes assintomáticos ou com sintomas ligeiros transmitam o vírus?
  • qual a eficácia em diferentes grupos demográficos? A vacina é eficaz na proteção dos que mais precisam – os idosos? E tem comportamentos diferentes de acordo com diferentes etnias?

Para saber que percentagem da população deverá estar vacinada para travar a infeção as questões essenciais são a sua eficácia, e a duração da imunidade conferida. A Lancet olha em particular para essas duas variáveis.

Normalmente a eficácia desejável para garantir a proteção em relação a infeção é de 80%. A Organização Mundial de Saúde considera ideal uma eficácia mínima de 70%, segundo a Reuters, enquanto o Centro de Controlo de Doenças (CDC) dos Estados Unidos estabeleceu em junho que para a vacina da covid quer pelo menos 50% de eficácia. O CDC tem licenciado vacinas para a gripe que reduzam o risco de adoecer em 40% a 60%.

De acordo com o comunicado divulgado esta semana, a vacina desenvolvida pela gigante norte-americana Pfizer com o laboratório alemão BioNTech garantiu, nos testes feitos até agora, uma imunidade de 90% – o que significa que, dos voluntários a quem a vacina foi administrada, só 10% adoeceram. A mesma informação dá conta de que está em causa uma vacina administrada em duas doses, com um intervalo de 21 dias entre cada uma.

Como termo de comparação, e segundo a CDC:

  • a vacina do sarampo, em duas doses, tem uma eficácia de 97%
  • a vacina da varicela, também em duas doses, é 90% eficaz
  • a vacina para a pólio, em duas doses, tem uma eficácia de 90%, subindo para 100% com uma terceira dose.

Os dados que permitirão a análise da vacina Pfizer/BioNTech pela restante comunidade científica ainda não foram tornados públicos, e conforme os testes prosseguem é provável que esta taxa baixe. Mas a generalidade dos especialistas internacionais assegura que este parece um excelente ponto de partida e que, mesmo havendo recuos conforme os testes prosseguem, a eficácia deverá manter-se em níveis bastante altos.

“Precisamos de ver mais dados, mas nem isso esmorece o meu entusiasmo. Isto é fantástico!”, afirmou Florian Krammer, um virologista norte-americano, à revista Nature. “Não há dúvida: uma eficácia de 90%, nesta fase, é um resultado muito bom”, disse à Reuters o epidemiologista suíço Marcel Tanner, um dos principais conselheiros do governo de Berna sobre covid-19.

Sobre a duração da proteção conferida pela vacina da Pfizer não há qualquer pista – só o tempo o permitirá perceber, conforme prossegue a quarta e última fase de testes, que acompanha os efeitos prolongados da vacina, ou seja, tanto a duração como eventuais efeitos secundários a médio e longo prazo. A julgar pelo que se sabe de outros coronavírus, a imunidade à covid-19 pode ser relativamente curta, talvez entre um ano e 18 meses. Também não se sabe se quem já esteve infetado com covid-19 estará mais protegido no caso de voltar a ser exposto ao vírus e, se sim, quanto tempo dura essa vantagem.

A Lancet apresenta vários cálculos sobre a percentagem da população que terá de ser vacinada para alcançar a imunidade comunitária, e assim se garantir a interrupção da transmissão do vírus:

  • se a vacina conferisse 100% de imunidade para sempre (não é o caso), seria necessário garantir a vacinação de 60% a 71% da população;
  • se a eficácia da vacina for de 80%, a imunidade comunitária implica a vacinação de 75% a 90% da população
  • com eficácia inferior a 80%, toda a população teria de ser imunizada.

O mesmo estudo alerta, porém, que “os cálculos tornam-se mais complicados se se assumir que a imunização é de curta duração”, como acontece, por exemplo, com a vacina da gripe. Nesse caso, entram em linha de conta outras variáveis, como o ritmo a que a população é imunizada, as caraterísticas demográficas da comunidade, o nível da taxa de reprodução do vírus e a duração média da proteção conferida pela vacina: a percentagem da população que teria de ser vacinada no primeiro ano seria muito maior do que nos anos subsequentes – ao fim de alguns anos, a expectativa é que uma grande parte da população estará imunizada, criando uma situação efetiva de imunidade comunitária.

“O que fica claro pelas nossas estimativas, com base no pressuposto de que a eficácia [da vacina] é satisfatória (acima de 80%) mas a duração da proteção é curta (1 a 2 anos), é que uma larga proporção da população teria de ser vacinada, para que haja alguma hipótese de conseguir imunidade comunitária que bloqueie a contínua transmissão do SARS-CoV-2”, lê-se no artigo publicado a 4 de novembro.

E se os países não conseguirem índices de vacinação contra a covid na ordem dos 80%? Nesse caso, a Lancet antecipa dois tipos de consequências:

  1. “A SARS-CoV-2 vai tornar-se endémica, mas com um nível baixo [de contágio], e esse nível dependerá do grau de vacinação, com picos no inverno e reduções no verão no Hemisfério Norte”, ou seja, poderá tornar-se uma doença sazonal como a gripe.
  2. “Os decisores políticos terão de considerar a possibilidade de vacinação obrigatória, ou criar um certificado que registe a imunização, para escolas, universidades ou locais de trabalho.”

O mesmo artigo acrescenta que, tendo em conta os níveis de resistência ou hesitação de boa parte da população em relação às vacinas – e em particular a esta – “conseguir a imunidade comunitária através da vacinação será provavelmente um desafio em muitos países”.

Cepticismo cresce, até em Portugal

Um desafio que nos traz de volta à questão: e se houver vacina e muitos se recusarem a tomá-la? Anthony Fauci, o principal epidemiologista dos EUA, que se tornou uma vedeta global, já confessou que esse é um dos seus pesadelos nesta pandemia: que surja uma vacina mas que uma parte significativa das pessoas não adira à vacinação.

Segundo um estudo recente conduzido em vários países europeus, em que participou a Nova School of Business & Economics (Nova SBE), Portugal está a seguir a tendência internacional de maior desconfiança em relação à vacina contra o novo coronavírus. Em abril e junho 75% dos portugueses inquiridos responderam que gostariam de ser vacinados contra a covid quando a vacina ficar disponível, mas esse valor baixo para 63% no inquérito feito em setembro, e divulgado há uma semana.

Nos sete países analisados pelo estudo, a confiança na futura vacina caiu. Em França, um país historicamente desconfiado das vacinas, menos de metade (48%) estão disponíveis para esta terapêutica, e na Holanda e na Alemanha esse valor é pouco mais de metade dos inquiridos (respetivamente 53% e 57%). Itália (60%) é o outro país com um nível adesão inferior ao português. Reino Unido (72%) e Dinamarca (74%) são os que têm uma população mais favorável à vacinação contra a covid – o que no Reino Unido pode estar relacionado com o brutal impacto da pandemia no país em todos os indicadores, incluindo mortos. Mas em todos há menos gente disponível para ser vacinada do que em abril, quando a pergunta foi colocada pela primeira vez, como se pode visualizar no gráfico abaixo, publicado pelo Público.

É o que se tem verificado um pouco por todo o mundo. Um estudo promovido pelo World Economic Forum, divulgado na semana passada, confirma o recuo global da confiança na vacina para a covid. O trabalho, desenvolvido em 15 países, junto de 18 mil adultos, indica que 73% dos inquiridos se dizem prontos para ser vacinados – não é um mau resultado, mas fica quatro pontos abaixo da sondagem anterior, feita três meses antes. Dos países analisados, só num (Índia) não diminuiu a percentagem dos que estão disponíveis para a futura vacina.

Mais: apenas 22% os inquiridos aceitariam levar a vacina logo que esta seja disponibilizada para toda a população. O valor aumenta para metade se a questão for a vacinação três meses depois. O valor só sobe para 72% perante a hipótese de apanhar a vacina no prazo de um ano após o início da sua distribuição.

Esta preferência por esperar para ver está relacionada com as principais razões de desconfiança em relação ao fármaco:

  • 34% temem os efeitos secundários
  • 33% estão preocupados com a enorme rapidez com que a vacina foi desenvolvida e estão a ser feitos os ensaios clínicos
  • 10% não acreditam que a vacina seja eficaz
  • 10% são contra vacinas em geral
  • 8% acham que correm pouco risco de ser infetados

Nos Estados Unidos, apesar do colossal impacto da doença, cerca de metade da população recusa a vacina. De acordo com a sondagem da Gallup, em julho 66% dos norte-americanos estavam disponíveis para ser vacinados contra a covid; desde então a linha é descendente, e está nos 50%.

O último inquérito da Pew Research sobre o mesmo assunto confirma a divisão dos norte-americanos sobre a vacina (49% recusam-na), e constata uma menor confiança na vacina nos dois lados do espetro partidário e em todos os principais grupos demográficos: há menos gente disponível para a vacinação independentemente do género, da etnia, da idade e do nível de educação.

Em declarações ao Público, Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE e co-autor do estudo que inclui Portugal, explica esta menor disponibilidade dos portugueses para a vacina, e maior desconfiança em relação à sua segurança, “pela incerteza geral sobre o processo de geração da vacina e por ocorrer mais exposição a informação errada sobre este tema”.

Esta “fadiga pandémica” atinge mesmo Portugal, um dos países da União Europeia com melhor desempenho ao nível da vacinação e da confiança da população na segurança e eficácia das vacinas. De acordo com os dados do Eurobarómetro, 95% da população portuguesa confia nas vacinas, e 97% acredita que estas são importantes para proteger o próprio, mas também os outros – sendo Portugal um dos países da UE melhor colocados neste campeonato.

Muito mais depressa, com muito mais gente

Há razões acrescidas para ficar de pé atrás? A velocidade com que esta vacina está a ser desenvolvida será uma delas – e ainda não houve tempo, literalmente, para averiguar os efeitos a médio/longo prazo e eventuais efeitos secundários.

Nos Estados Unidos, há uma razão acrescida para o cepticismo: a pressão política de Donald Trump sobre as farmacêuticas e sobre os reguladores da saúde e do medicamento para apresentarem resultados antes do dia das eleições. Trump passou os últimos meses a prometer uma vacina “linda e maravilhosa” para “as próximas semanas”, que seria distribuída rapidamente pelas Forças Armadas a todos os americanos. A promessa chocou quase sempre com as cautelas de Anthony Fauci, dos reguladores e até das farmacêuticas.

A grande operação de financiamento das investigações por parte do governo americano, se assegurou milhões de dólares e condições únicas para a investigação, tropeçou na sua própria propaganda – a Casa Branca chamou-lhe Operação Warp Speed. Os fãs de Star Trek perceberam logo: warp speed é a velocidade atingida pelas naves dessa série de ficção científica, mais rápida do que a velocidade da luz. Ao público em geral soou a velocidade excessiva – e o excesso de velocidade, já se sabe, coloca problemas de segurança.

Este estudo, publicado esta semana, analisa as 21 vacinas licenciadas nos EUA entre 2010 e 2020 e o tempo que demorou desde o início dos ensaios clínicos até a sua aprovação final. Em média, a investigação, desenvolvimento e testagem destas vacinas, até à submissão da informação para aprovação oficial, demorou oito anos; mais um ano para a aprovação pela Food and Drug Administration.

Note-se que todas essas 21 vacinas se destinavam a patologias já conhecidas e agentes causadores bem estudados (na sua maioria para o vírus da gripe e para a doença meningocócica, causada por uma bactéria). No caso da covid, está em causa descobrir um vírus até agora desconhecido e desenvolver a vacina. Ainda assim, tudo está a acontecer em tempo recorde.

A vacina da Pfizer, se tudo prosseguir como até agora, demorará menos de um ano para todo o processo, até a produção e vacinação em massa. Nos próximos dias, espera-se que também a Moderna divulgue resultados preliminares sobre a vacina que está a testar, igualmente com recurso à tecnologia de mensageiro de RNA, como a da Pfizer. A expetativa é que as conclusões da Moderna sejam semelhantes às da Pfizer.

Se os prazos estão a ser esmagados, em compensação o universo do estudo está a ser muito alargado. As 21 vacinas aprovadas na década passada nos EUA passaram por ensaios envolvendo, em média, cinco mil pacientes; agora, só a vacina da Pfizer envolve mais de 43 mil voluntários nos ensaios clínicos (metade é vacina, a outra metade recebe um placebo). Os testes da Moderna envolvem 30 mil pessoas. A vacina russa, desenvolvida pelo instituto estatal Gamaleya, estará a ser testada em 40 mil voluntários, recrutados na Rússia, Bielorrúsia, Emiratos Árabes Unidos, Venezuela e Índia.

Olhando para todos os fatores que se combinaram para a ciência responder a esta pandemia, há boas razões para explicar que estas sejam as vacinas mais rápidas de sempre:

  • mais dinheiro do que alguma vez houve para uma vacina, envolvendo mecanismos de financiamento que nunca antes existiram
  • os governos estão mais envolvidos do que nunca, pois a corrida à vacina tornou-se na versão século XXI da corrida ao armamento
  • o primeiro a disponibilizar a vacina (primeiro laboratório e primeiro país) terá enormes ganhos financeiros e reputacionais
  • a paragem global provocada pela pandemia encaminhou boa parte da comunidade científica para esta investigação
  • novas tecnologias que permitiram caraterizar o vírus muito rapidamente
  • há novas técnicas de desenvolvimento de vacinas – esta será a primeira vacina recorrendo a mensageiro de RNA
  • nunca na história da humanidade houve tantos voluntários ao mesmo tempo para ensaios clínicos

Parece difícil acreditar que, em plena pandemia, a resistência às vacinas esteja a crescer. Mas está. “O sentimento anti-vacinas está a tornar-se mainstream”, admite Heidi Larson, diretora do Vaccine Confidence Project na London School of Hygiene and Tropical Medicine. “Muita gente que você nunca imaginaria começa a dizer que se calhar o lobby anti-vacinas tem razão.” Larson é a autora de um livro, “Stuck”, sobre a eficácia das vacinas e a história, já longa, de desinformação e factos falseados que tem empolado a desconfiança e as teorias da conspiração “anti-vax”. O livro foi escrito antes da pandemia, mas é mais atual do que nunca.

Um processo alimentado nos últimos anos sobretudo através das redes sociais, tanto por interferência estrangeira, como por celebridades e influencers. Um estudo revelado em outubro liga diretamente a desinformação das redes sociais ao aumento das dúvidas sobre vacinação.

Um dos negócios do século

A corrida à vacina contra a covid tem, pela contabilidade mais recente, cerca de 200 concorrentes, dos quais pelo menos 87 estão na fase de testes em animais, e 53 em ensaios clínicos em humanos – destas, 13 já chegaram à fase 3, que testa a eficácia em larga escala. Seis já tiveram aprovação de autoridades nacionais para uso preliminar e limitados. Pode conferir no New York Times o essencial do estado da corrida. Este trabalho do ECO carateriza os candidatos melhor colocados.

Este será um dos negócios do século: de acordo com o Guardian, uma análise do banco de investimento Morgan Stanley estima que só o consórcio Pfizer/BioNTech poderá faturar 11 mil milhões de euros com a vacina anunciada esta semana. Mas a ideia de lucrar com uma vacina que pode travar a pandemia que parou o mundo não é consensual. A AstraZeneca e a Johnson&Johnson, ambas apoiadas pelo programa Warp Speed, juraram aos congressistas norte-americanos que não irão lucrar com esta terapêutica – a promessa é não cobrar sequer o preço de custo de produção.

A diferença é substancial: a Pfizer propõe-se comercializar cada dose por 19,5 dólares; a Johnson&Johnson, por 10 dólares; a AstraZeneca por 3 ou 4 dólares.

Uma outra projeção, noticiada pelo Financial Times, aponta para vendas globais da vacina para a covid no valor de 8 mil milhões de euros, só no ano de 2021. Em 2023, estabilizando a procura (embora ainda não se saiba quanto tempo durará a imunidade), o valor anual de vendas está estimado em 5,7 mil milhões de euros. A vacina contra a covid-19 será, na análise do jornal britânico, a oportunidade da indústria farmacêutica assegurar grandes lucros e, em simultâneo, redimir-se aos olhos da opinião pública global.

A perspetiva de que esta se torne uma doença endémica e sazonal permite antecipar lucros a longo prazo. Se a vacina da gripe servir de modelo, os números aí estão: vendas globais num valor de cerca de 4 mil milhões de euros, que atualmente é dividido por três grandes players: Sanofi, GlaxoSmithKline e Seqirus.

A pressa é muita. Ontem, a Indonésia anunciou que vai começar já a administrar a vacina chinesa (sim, também a China garante que já tem uma… igualmente olhada com reservas pela comunidade científica internacional). E a Coreia do Sul fez saber que vai começar a produzir vacina russa.

A distribuição e administração de uma vacina que combate um vírus que atacou a nível global será uma das grandes operações logísticas da história mundial. Com um desafio acrescido: a necessidade de manter a vacina da Pfizer numa temperatura de -70ºC. Não é por acaso que dois nichos de atividade estão a esfregar as mãos de contentes e a preparar-se para enormes lucros à boleia da pandemia: as grandes empresas de transporte e logística internacional e os grandes produtores de arcas congeladoras.

Como se pode ler neste artigo, a DHL prevê que só no ano que vem sejam necessários 15 mil voos e 15 milhões de arcas especiais de arrefecimento para distribuir as vacinas criadas com a nova tecnologia de mensageiro de RNA. As empresas especializadas em sistemas de transporte a muito baixas temperaturas estão a preparar-se há meses, para fazerem as entregas entre os aviões e os hospitais. Os fabricantes de gelo seco e de gás para esses equipamentos de refrigeração também estão a postos.

O velho adágio sobre crise e oportunidades pode estar gasto, mas continua atual.

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