Um Orçamento que se qualifica por aquilo que não tem

É fácil falar deste Orçamento. Não por aquilo que dele consta, mas sim por aquilo que não tem. Não tem visão, não tem futuro nem uma linha orientadora que seja capaz de acomodar a queda que aí vem.

Depois de aprovado já em sede de especialidade, o Orçamento de Estado para 2021 segue caminho até Belém para promulgação do Presidente da República. Pouco podemos avaliar das medidas fiscais que dele constam, mas será mais fácil falar daquilo que este documento não tem.

É certo que há um fraquíssimo alívio para as famílias na medida da diminuição da taxas de retenção na fonte em sede de IRS onde foi vendida a ideia de que existiria uma diminuição de carga fiscal. Já todos sabemos que não é assim.

Continua-se a dar privilégio ao incentivo à procura interna pela via do aumento da
disponibilidade financeira das famílias advindas de redução de taxa retenção mas aqui seria preferível descer a taxa efectiva de imposto.

Convém relembrar que depois da segurança social e do IRS, o rendimento disponível a final é quase metade do valor que se aufere.

Neste Orçamento, desonerar a carga fiscal sobre as famílias de uma forma mais robusta seria desejável, mas pouco ou nada se reflete esse aumento financeiro com a diminuição da taxa de retenção.

Outro caminho a ter conta e a OCDE já alertou vários Países incluído Portugal, seria percorreu um trajecto em não aumentar o IRS a um dos membros do casal quando um deles entra no mercado de trabalho. Se por exemplo a um dos cônjuges que trabalha se aplica uma taxa de 20% era de manter a mesma quando o outro entra no mercado de trabalho.

Se o caminho preconizado deste de que António Costa entrou nas nossas vida foi impulsionar a procura interna pela via fiscal não era de descartar esta sugestão por
parte da OCDE .

Podemos, e a bem da verdade, dizê-lo que este documento é bastante cauteloso encontrando-se ainda na fase de contenção. O impacto da receita é grande sendo que para tributar será preciso criar riqueza e valor. Coisa que de momento é escassa.

Politicamente foi dada preferência ao aspecto social, e bem, mantendo os níveis de sustentabilidade das famílias através de apoios sociais. Mas se tudo isto é verdade, olhando politicamente para o Orçamento, haveria medidas fiscais a implementar para as empresas que foram totalmente esquecidas.

O equilíbrio é difícil. mas não é impossível com ganhos futuros que não foram acautelados. Pelo momento de grave crise financeira que se atravessa de forma global, quem sai mais prejudicado deste Orçamento é sem dúvida as pequenas e médias empresas. As PME representam cerca de 99,9 % da totalidade do tecido empresarial em Portugal e são elas a criadoras e geradoras de emprego.

Do ponto vista das medidas fiscais, não se vê neste Orçamento de Estado nenhuma política dinamizadora para que a retoma da economia seja desenvolvida o mais rapidamente possível. Falta alguma ousadia neste parâmetro.

Não se tratou do essencial. O poder de captação de novos investimentos bem como manter as empresas que ainda lutam diariamente para sobreviver. A competitividade fiscal não foi discutida dando às PME,s instrumentos necessários para a sua capitalização.

Na realidade a manta é curta. Ou se tapa as orelhas e ela falta nos pés ou se tapa os pés e ela falta nas orelhas.

O caminho deveria ser também, procurar criar condições fiscais de atração de investimento estrangeiro.

Outra das questões que falta abordar neste documento é o endividamento das nossas empresas que é crescente, e a curto prazo as dificuldades de financiamento serão mais apertadas. Este problema já está diagnosticado há tempo suficiente mas ainda não lhe deram o devido tratamento.

Sobre esta matéria, ainda não é em 2021 que serão aplicadas as devidas medidas fiscais na ajuda aos capitais próprios. Mas seria isso possível? Sim.

Não é nova a ideia e creio que ela é consensual no seio de ilustres fiscalistas . Seria plausível, por exemplo, nas empresas em que exista lucro, cerca de 50% desse valor ser directamente canalizado para reforço dos capitais próprios dispensando assim metade da sua tributação levando em consequência a uma estrutura financeira mais robusta com mais facilidade de recorrer ao financiamento. Se a sua dificuldade está muitas das vezes num EBITDA negativo, esta poderia seria uma vantagem que poderia levar a uma confiança mais forte, por parte da banca.

No respeita ao fraco investimento público, que ficou provado no sector da saúde com
a fraca capacidade de resposta e de um sistema quase falido nos hospitais, veremos como se comporta a “ bazuca” europeia que é de facto a chave que o Executivo não tem, compensando assim neste Orçamento a sua falha.

Não consta o apoio à tesouraria das empresas e nem se conseguiu abolir o fim das tributações autónomas, pelo menos até a economia dar sinais de recuperação.

Este Orçamento traduz-se, e é sintomático disso mesmo, da falta de um linha orientadora, de ação e de um combate a sério à crise que se adivinha já a partir de Janeiro. Ou seja, conseguimos analisar, pela sua inexistência, a falta de uma política forte e robusta a nível fiscal que tanta falta faz às empresas.

As nossas exportações caíram para números nunca antes vistos, significando isso que as receitas de muitas empresas se reduzem a pouco mais de metade. Recuperar tudo isto demora tempo, e não é neste Orçamento que se vê a robustez necessária para uma recuperação mais acelerada.

Muitas empresas não conseguirão sobreviver, o dano colateral desse triste facto será o despedimento. O Governo sabe disto, mas não conseguiu por uma mera questão ideológica, criar incentivos para aquelas que, sobrevivendo possam aglutinar quem ficou numa situação de desemprego.

Quem ler atentamente o Orçamento, percebe que a simplificação fiscal ficou adiada, o que entrava bastante todo um sistema que devia ser rapidamente mais simplificado. Por outras palavras, a diminuição da burocracia não tendo qualquer custo económico para o estado parece ser um muro intransponível. Em média uma empresa tem entre 100 a 140 obrigações declarativas a cumprir. Ter a consciência de que a burocracia impede a produtivamente é essencial.

Em suma, é fácil falar deste Orçamento. Não por aquilo que dele consta, mas sim por aquilo que ele não tem. Não tem visão, não tem futuro nem uma linha orientadora que seja capaz de acomodar a queda que aí vem.

Se há algo que sabemos, e que esta pandemia nos ensinou, é que o nosso modelo de Estado não está preparado para situações análogas a estas e teremos que rever o mais depressa o nosso modelo de Estado /Resposta e saber o queremos, devendo alocar-lhe eficiência. É na crise que se deverá mudar porque é nela que as fragilidades vêm à tona.

Neste Orçamento não há claramente sinais de mudança de reforma do Estado. Essa mudança tem que ser já preparada antes que seja tarde demais ou então vamos todos parar ao charco se nada for feito.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

  • Colunista convidado. Licenciado em Direito, Consultor na área fiscal

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